sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Intruso (Foe, 2023)

Intruso (Foe, 2023). Dir: Garth Davis. Amazon Prime Video. Filme que decepciona porque tinha várias coisas a favor; o elenco é composto por Saoirse Ronan e Paul Mescal, que são muito bons e se entregam por inteiro. A premissa de ficção-científica é interessante. Em 2065, o mundo está passando por secas terríveis e parte da população é convocada a trabalhar em estações espaciais. Hen e Junior (Ronan e Mescal) são donos de uma fazenda no meio oeste americano. Um dia chega um representante da empresa OuterMore, Terrance (Aaron Pierre) e informa o casal que Junior foi convocado a trabalhar no Espaço. Hen, a esposa, não foi chamada e deve aguardar o retorno do marido. Terrance avisa que um substituto vivo, um clone controlado por AI, iria ficar no lugar de Junior enquanto ele estivesse no espaço. O representante da empresa também diz que tem tem que observar o casal, então ele se muda para a casa deles e se torna uma presença complicadora.

A ideia é interessante (e muito parecida com um episódio recente de Black Mirror). O problema é que o filme investe pesado no melodrama e há cenas intermináveis em que Ronan e Mescal discutem, brigam, depois retomam em cenas quentes de sexo. Há cenas visualmente belas em que o casal, pequenas figuras em meio a uma vastidão vazia, percorrem as paisagens em volta da fazenda. Há discussões sobre a vida e a morte, sobre o passado, sobre o futuro, tudo regado por uma trilha instrumental melancólica.

Tudo muito bem se o filme se assumisse "cerebral" e misterioso, mas há uma cena desastrosa em que tudo é explicado nos mínimos detalhes, quebrando o mistério com uma "revelação" que não era tão difícil de imaginar. Fica difícil também entender a lógica por trás da empresa. Por que eles se dariam a todo este trabalho e custos apenas para recrutar um simples operário espacial? Por que enviar pessoas comuns ao espaço se, em seu lugar, poderiam ir clones perfeitos? Enfim, um filme difícil de terminar. Há várias boas ideias e as interpretações são ótimas, mas mal aproveitadas. Disponível na Amazon Prime Video.

 

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023)

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023). Dir: Alexander Payne. Paul Giamatti é Paul Hunham, professor de História em um internato para garotos no leste americano. Paul é universalmente odiado por professores e alunos. Durante o Natal de 1970, ele fica responsável por tomar conta dos alunos que, por algum motivo, não podem voltar para casa nas férias. É o caso de Angus Tully (Dominic Sessa), um rapaz que é deixado para trás pela mãe porque ela saiu em lua-de-mel com o novo marido. Assim, Paul, Angus e a cozinheira da escola, Mary, acabam ficando sozinhos no campus, tendo que arrumar o que fazer durante o período de férias.

Dirigido pro Alexander Payne (de "Sideways", também com Giamatti), "Os Rejeitados" é uma delícia de filme (desde que você não espere por muita ação). Giamatti está excelente, no tipo de papel que sabe fazer bem, um cara meio deprimido, meio raivoso. Dominic Sessa, o rapaz, está em seu primeiro filme e é excelente. Mary (Da'Vine Joy Randolph), a cozinheira, é uma mulher vivida que está de luto pela morte do filho no Vietnam. Esse trio, mais alguns poucos outros personagens, acabam descobrindo que talvez não sejam tão "rejeitados" como diz o título. A vida é dura, mas também pode ser bela.

Tecnicamente, "Os Rejeitados" é feito como se tivesse sido produzido na década de 1970. Os créditos iniciais usam uma vinheta antiga da Universal e criaram vinhetas "vintage" para a Focus Features e Miramax. Apesar de gravado em digital, a imagem parece película antiga e a edição usa longas transições de imagens, como era comum na época. As locações reais te transportam para outra época. A trilha, cheia de canções de Natal, contrastam com o humor dos personagens, mas trazem muita nostalgia. Paul Giamatti já ganhou alguns prêmios pelo papel e, quem sabe, talvez até consiga desbancar Cillian Murphy, de Oppenheimer, no próximo Oscar.

Priscilla (2023)

Priscilla (2023). Dir: Sofia Coppola. A história de Priscilla Presley parece feita sob medida para o cinema de Sofia Coppola. Um cinema às voltas com personagens meio perdidas, procurando a aprovação e/ou atenção de um personagem mais velho ("Encontros e Desencontros"), ou mesmo do pai ("As Virgens Suicidas", "Um Lugar Qualquer" e "On the Rocks"). Aqui, Coppola aponta suas lentes para uma menina de 14 anos chamada Priscilla Beaulieu. Ela morava na Alemanha em uma base militar na mesma época em que Elvis Presley estava no exército. Priscilla é interpretada por Cailee Spaeny como uma garota solitária e com saudades dos EUA. Um amigo de Elvis a convida para uma festa da casa do "rei" e é amor à primeira vista.

Ao contrário da biografia exagerada feita por Baz Luhrmann em 2022, este é um filme quieto e calmo. O foco aqui não é Elvis, mas a menina que ele levou para os EUA e colocou sob uma redoma de vidro em Graceland, o rancho dos Presley. Elvis é interpretado por Jacob Elordi, que não se parece muito com Elvis, mas convence bastante. A relação entre ele e a garota mistura um conto de fadas com uma história de terror. Apesar de ficar com muitas mulheres estrada afora, em casa Elvis é um cavalheiro que diz à jovem namorada que eles não podem "se deixar levar pelos desejos". Ao mesmo tempo, ele a vicia em vários tipos de remédios (para dormir, para ficar acordado) e a leva a lugares não apropriados à idade dela (como Las Vegas).

O filme tem boa recriação de época mas a trilha sonora tem vários momentos anacrônicos, com músicas modernas tocando por cima de montagens dos anos 1960. Li uma entrevista de Coppola em que ela dizia que não queria pintar Elvis como um "vilão", mas ele é mostrado, no mínimo, como um idiota. Carente, narcisista e controlador, ele trata a garota como um bibelô, enquanto está sempre cercado de vários "amigos" puxa-sacos que fazem todas as suas vontades. O roteiro é baseado nas memórias da própria Priscilla Presley. Nos cinemas.

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023)

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023). Dir: Kristoffer Borgli. Filme bastante curioso que lembra os tempos em que o roteirista Charlie Kaufman era novidade e escrevia filmes como "Quero ser John Malkovich", "Adaptação" ou "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". Nicolas Cage é Paul Matthews, um pacato professor de biologia evolutiva. Barba comprida, careca, óculos, usando sempre as mesmas roupas, ele é um tipo bastante comum.

Um dia um fenômeno estranho acontece e as pessoas começam a ver Paul em seus sonhos. No começo, são pessoas próximas, como família e amigos. Depois, o fenômeno se espalha pelo mundo inteiro. Paul fica assustado, a princípio, com a fama repentina mas, ei, as pessoas estão finalmente prestando atenção nele, achando-o "interessante". Logo ele está dando entrevistas e uma empresa quer associá-lo a vários produtos. O problema é que, de repente, os sonhos das pessoas com ele se tornam pesadelos terríveis e violentos. Amigos não querem mais vê-lo. A própria família está assustada.

"O Homem dos Sonhos" é uma sátira bem interessante sobre a fama e seus efeitos no mundo de hoje. Paul se considera um acadêmico sério e sonha em escrever um livro sobre a evolução das formigas, mas o mundo quer usá-lo para vender refrigerante. Quando ele está no alto da onda, no entanto, ele é "cancelado" pelas mesmas pessoas que o veneravam. Nicolas Cage, famoso por suas interpretações exageradas, está ótimo aqui como uma pessoa comum que, por um momento, acha que tirou a sorte grande. Há várias sequências interessantes e, em vários momentos, você não sabe se está vendo o mundo real ou se estamos dentro do sonho de alguém. A produção foi rodada em filme 16mm, com cores saturadas que lembram filmes antigos de família ou documentários. É curto, uma hora e quarenta de duração, e o final é interessante, embora poderia ter rendido mais.

Poder sem limites (Chronicle, 2012)

Poder sem limites (Chronicle, 2012). Dir: Josh Trank. Netflix. Já havia ouvido falar nesta ficção-científica mas nunca havia tido a oportunidade de vê-la, até agora. "Chronicle" foi o filme de estreia de Josh Trank, na época com 26 anos. Um tempo depois ele teria a reputação destruída por sua direção de "Quarteto Fantástico" (2015), mas essa é outra história.

"Poder sem limites" foi feito com um orçamento bem inferior ao que se gasta em um filme da Marvel (uns 200 milhões de dólares), por "apenas" 15 milhões. É daqueles filmes feitos com "found footage" (imagens encontradas), ou seja, o que você vê na tela é porque algum personagem está filmando. Andrew (Dane DeHaan, de "O Espetacular Homem-Aranha 2") é um jovem tímido que sofre bullying na escola. Um dia ele resolve que vai carregar uma câmera por aí para registrar tudo, o que nem sempre faz sentido mas, assim, o filme é sobre o ponto de vista da câmera dele. Ao ir a uma festa da escola, Andrew, o primo Matt (Alex Russell) e um amigo, Steve (um jovem Michael B. Jordan), encontram um buraco estranho no meio da floresta. Eles descem no buraco e encontram "alguma coisa" lá.

Acontece que, dali para frente, eles descobrem que têm "poderes". A princípio, conseguem mover pequenas coisas com a mente. Conforme vão treinando os poderes, eles ficam mais fortes e, claro, mais perigosos. No começo, no entanto, é tudo diversão; eles usam os poderes para levantar as saias das garotas, fazer shows de mágica e, mais para frente, descobrem que podem até voar. Os efeitos especiais são razoáveis, mas passam o recado. O filme fica mais sério e dramático mais para o final. O grande Michael Kelly (Doug Stamper em "House of Cards") interpreta o pai alcoólatra de Andrew, que resolve usar seus poderes para o "mal". É um filme interessante, embora por vezes pareça meio amador. Lembra um pouco aquela série "Heroes", em que adolescentes descobriam superpoderes. Tá na Netflix.

Vidas Passadas (Past Lives, 2023)

Vidas Passadas (Past Lives, 2023). Dir: Celine Song. Belíssimo filme para começar bem o ano. "Vidas Passadas" é o longa metragem de estreia da coreana-canadense Celine Song, e é um deleite. O filme se passa em um período de 24 anos, mas o início se dá no encontro de um garoto e uma garota de 12 anos, Na Young e Hae Sung, em um parque de Seoul. Os dois estudam juntos e são apaixonados. As mães organizam um encontro em que os dois brincam, se divertem e voltam para casa de mãos dadas. O problema é que a menina está de partida para o Canadá, onde vai morar. O encontro, na verdade, havia sido uma despedida.

Eles poderiam nunca mais ter se visto mas, 12 anos depois, Na Young (Greta Lee), morando em Nova York, encontra o antigo "namoradinho" no Facebook. Os dois começam a conversar via Skype e descobrem que ainda há uma grande atração entre eles. Só que eles estão separados por milhares de quilômetros... o que fazer? Anos novamente se passam, até que Hae Sung (Teo Yoo), o rapaz, resolve finalmente ir até Nova York ver a moça.

(aviso de possíveis spoilers, não vou revelar o final, mas alguns detalhes sobre a vida dos personagens que talvez você não queira saber)

Se fosse uma simples comédia romântica, provavelmente tudo daria certo e as duas "almas gêmeas" terminariam o filme se beijando no topo do Empire State, mas não é esse tipo de filme. O tempo passou, Na Young está casada e estabelecida em Nova York. Ainda assim, é inegável que ela está curiosa com esse homem que resolveu visitá-la depois de 24 anos. "Ele é tão coreano", diz ela ao marido. "Quando estou com ele me sinto menos coreana mas, ao mesmo tempo.... mais coreana".

O que é que eles sentem um pelo outro? Há longas cenas de silêncios entre os dois, quando estão passeando por marcos turísticos de Nova York (muito bem filmada pelo diretor de fotografia Shabier Kirchner). Na última vez que estiveram juntos, eram crianças de 12 anos, em outro país, com a vida inteira pela frente. O que teria acontecido se ela não tivesse deixado a Coréia, ou se ele tivesse ido vê-la em Nova York antes? Estariam destinados a se reencontrar? A que custo? Tudo é lidado com muita sensibilidade e belos diálogos. O personagem do marido, que poderia render cenas de ciúmes e até violência, é muito bem desenvolvido pelo roteiro. Um dos melhores filmes de 2023.