quinta-feira, 4 de julho de 2024

Um Tira da Pesada 4: Axel Foley (Beverly Hills Cop: Axel F, 2024)

 

Um Tira da Pesada 4: Axel Foley (Beverly Hills Cop: Axel F, 2024). Dir: Mark Molloy. Netflix. "Um Tira da Pesada" foi lançado há inacreditáveis 40 anos e foi um sucesso estrondoso. Originalmente escrito para Sylvester Stallone, o papel acabou indo para Eddie Murphy, que tinha só 22 anos mas já era um comediante famoso no cinema e na TV. O filme teve uma continuação dirigida por Tony Scott em 1987 (que era razoável) e uma terceira parte feita por John Landis em 1994 (que era bem ruim).

Axel Foley volta para uma quarta aventura agora em uma produção da Netflix (sinal dos tempos). Considerando o baixo nível do segundo e do terceiro filme, até que este não se sai tão mal. "Um Tira da Pesada 4" é previsível e carregado de clichês, mas tem uma boa dose de nostalgia e, se você não criar muitas expectativas, é divertido. O marketing tenta vender a volta dos companheiros de Axel dos filmes anteriores, os policiais Billy (Judge Reinhold) e Taggart (John Ashton), mas eles não têm muito tempo de tela, na verdade. O filme pertence a Eddie Murphy e traz como novidades a personagem da filha de Axel Foley, Jane (Taylour Paige) e um policial chamado Bobby (Joseph Gordon-Levitt). Ah, e o grande Kevin Bacon traz sua bagagem de astro dos anos 1980 como um policial corrupto.
Há perseguições de carro, tiroteios, cenas de tensão entre pai e filha e citações nada sutis ao filme original. Para uma produção da Netflix, está de bom tamanho.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Eric (2024)

 

Eric (2024). Dir: Lucy Forbes. Netflix. "Eric" é uma minissérie em seis capítulos que é tão ambiciosa quanto decepcionante. A princípio, "Eric" trata do desaparecimento de um menino de uns dez anos, Edgar (Ivan Howe), na Nova York de 1985. O pai, Vincent (Benedict Cumberbatch) é um "bonequeiro" estilo Jim Henson que tem um programa infantil de sucesso na televisão educativa. Vincent é um gênio na criação de bonecos, mas é um "mala" profissional. Insuportável, ele briga com tudo e com todos, dos companheiros de trabalho à esposa, Cassie (Gaby Hoffmann), com quem tem um relacionamento conturbado. Uma manhã o menino vai sozinho à escola e desaparece no caminho.

O que parece ser o início de uma série sobre o sequestro de uma criança, estilo "O Resgate" ou "Os Suspeitos", acaba se transformando em várias outras coisas. Entra o personagem do policial Ledroit (McKinley Belcher III), um detetive negro que esconde um segredo (ele é homossexual); nos EUA dos anos 1980, Ledroit esconde a vida privada, que divide com um namorado à beira da morte (é o auge da epidemia de AIDS) e vive culpado por não ter encontrado outro garoto perdido, que sumiu há quase um ano.

As tramas, ao invés de trabalharem juntas, por vezes competem entre si e parece que estamos vendo séries diferentes. Em uma, Cumberbatch procura pelo filho, mas também quer lançar um personagem novo no programa infantil, quer tentar salvar o casamento e batalha com o alcoolismo. Há também uma trama envolvendo a relação difícil dele com o pai, um rico empreendedor imobiliário. Na outra trama, o policial Ledroit procura pelo garoto branco, investiga policiais corruptos, tenta lidar com a mãe do outro garoto desaparecido e ainda tem que lidar com a própria identidade. Há também outra trama lidando com um político corrupto e o combate aos moradores de rua no submundo de Nova York. A série, de seis capítulos, tenta equilibrar todos esses temas mas nem sempre consegue.

Destaque para a ótima reconstituição de época, que mostra Nova York nos anos 1980 em bela fotografia e efeitos visuais. A série, na verdade, foi rodada em estúdios em Budapeste, mas você acredita que está na "Big Apple" o tempo todo. Tá na Netflix. 

Maratona da Morte (Marathon Man, 1976)

Maratona da Morte (Marathon Man, 1976). Dir: John Schlesinger. Antes tarde do que nunca? Eu com certeza vi partes deste filme na TV em algum "Corujão" da Globo, mas só hoje posso dizer que o assisti "de verdade". Filmão anos 1970 clássico, cru, bem filmado e editado, com crédito extra a Garrett Brown, o inventor da "steadycam", que deve ter corrido um bocado para acompanhar Dustin Hoffman por Nova York. O grande Laurence Olivier está ótimo, claro, como um nazista fugido que vota à "big apple" atrás de uma fortuna em diamantes. E o que dizer do sempre competentíssimo Roy Scheider, que fez nos anos 70 filmes como "Operação França", "Tubarão", "Marathon Man", "Comboio do Medo" e "All that Jazz", entre outros?


O roteiro de William Goldman tem cenas como a clássica sessão de tortura usando instrumentos de dentista e a ótima sequência em que Olivier, um nazista em Nova York, se vê em pleno bairro judeu tentando avaliar uns diamantes. Onde assistir: tem uma cópia porca no canal Looke, da Amazon, mas achei uma muito mais decente na internet.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Ripley (2024)

 Ripley (2024). Direção: Steven Zaillian. Ótima minissérie em oito capítulos baseada em um série de livros escritos por Patricia Highsmith entre os anos 1950 e 1980. O primeiro livro teve várias adaptações, a mais famosa talvez seja "O Talentoso Ripley", dirigido por Anthony Minghella e estrelado por Matt Damon, Jude Law e Guinneth Paltrow. Esta nova versão da Netflix é esteticamente bastante diferente da do cinema. A série é filmada em belíssimo preto e branco com direção de fotografia de Robert Elswit, que fez vários filmes de Paul Thomas Anderson (Magnólia, Sangue Negro, etc). Steven Zaillian, que é um dos roteiristas mais ocupados de Hollywood (ganhou o Oscar com "A Lista de Schindler", de Spielberg), dirige "Ripley" como um filme dos anos 1950 e 1960. A câmera é quase sempre fixa e o movimento é dado pelos personagens, em tela. A edição também não é o corta/corta/corta das produções atuais.

Tom Ripley é interpretado por Andrew Scott, que já brilhou em séries como "Sherlock" e "Fleabag" anteriormente. Seu Ripley talvez seja mais velho do que o ideal, mas Scott está ótimo, sutil e quase sempre calado. Quando seu personagem fala, porém, é quase sempre uma mentira. A série tem um prólogo em Nova York e parte para as belas paisagens da Itália do pós guerra. Tom Ripley é enviado para lá para tentar convencer Robert Greenleaf (Johnny Flynn) a retornar aos EUA. O pai, construtor de navios, o quer de volta. Greenleaf, porém, quer distância da família, mas não do dinheiro deles. Ele diz que é "artista", mas pinta muito mal alguns retratos e paisagens. A namorada, Marge (Dakota Fanning), também tem dinheiro e diz que está escrevendo um livro. O personagem de Tom Ripley escancara a hipocrisia dessas pessoas, conquistando a amizade de Greenleaf e, aos poucos, criando raízes na Itália.

Há mortes e bastante suspense, mas Ripley não é exatamente um super vilão. Há um episódio inteiro dedicado a mostrar como é complicado se livrar de um corpo em Roma, por exemplo. Imagino que Ripley seria preso em questão de dias se vivesse na sociedade de hoje, com exames de DNA e técnicas forenses. Na época da série, um bom pano de chão resolvia bastante coisa. Os roteiros (todos adaptados por Zaillian) cobrem o primeiro livro e dá pistas para os seguintes. Eu li os dois primeiros e, além do filme com Matt Damon, vi também uma versão interpretada por John Malkovitch ("Ripley´s Game", de 2002), mas diria que esta minissérie traz a melhor versão do personagem. Tá na Netflix. 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Holy Spider (2022)

Holy Spider (2022). Dir: Ali Abbasi. Netflix. Filme bastante pesado baseado na história real de um assassino em série que, entre 2000 e 2001, matou dezesseis prostitutas na cidade de Mashad, no Irã. O assassino não se considerava um criminoso, mas sim alguém que estava "limpando a cidade do pecado". Uma jornalista de Teerã, Arezoo Rahimi (Zar Amir Ebrahimi), vai até Mashad investigar as mortes e se depara com uma polícia inerte e um jornalismo amador.

A moça também tem que enfrentar o machismo da cultura local; quando chega em um hotel, sozinha, o gerente lhe diz que houve um erro na reserva dela e que ela deve ir embora. Quando ela revela ser jornalista, o "erro" desaparece e acabam dando um quarto a ela. O filme não tenta fazer suspense sobre quem é o assassino. Ele é mostrado logo no início, um pedreiro comum, com esposa, duas filhas e um filho, Saeed Azimi (Mehdi Bajestani) é ex-combatente na guerra Irã-Iraque e religioso fanático. Ele pega as prostitutas de moto, à noite, e as leva para seu apartamento. As cenas em que ele as estrangula são bem fortes e violentas.

Além de ser um thriller de suspense, o filme também é um retrato de uma sociedade machista/religiosa. Quanto mais mulheres Saeed mata, mais apoio ele tem da população em geral, que acha que ele está fazendo um bem para a sociedade. A mãe de uma das vítimas diz à jornalista que a polícia não tem interesse em prendê-lo pois ele está limpando a cidade para eles. Ebrahimi, que faz a jornalista, ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes e recebeu centenas de ameaças de seu país de origem. O filme foi feito fora do Irã (filmado na Jordânia) e foi condenado pelo governo.

"Holy Spider" é pesado e difícil de assistir, mas poderoso. Tá na Netflix

Descanse em paz (Descansar en paz, 2024)

 
Descanse em paz (Descansar en paz, 2024). Dir: Sebastián Borensztein. Suspense dramático razoável que começa em Buenos Aires no ano de 1994. Sergio (Joaquín Furriel) tem uma família perfeita; é casado com Estela (Griselda Siciliani) e tem dois filhos. Só que ele está com um problemão, está afundado em dívidas, não paga os funcionários há meses, a escola dos filhos está cobrando as mensalidades e um agiota, Hugo (Gabriel Goity) lhe deu um ultimato, pague ou sofra as consequências.

Fica difícil falar mais sobre o filme sem dar SPOILERS, o caso é que Sergio tem um seguro de vida que, caso ele morresse, resolveria os problemas financeiros da família. A direção é de Sebastián Borensztein, que fez o ótimo "Um Conto Chinês", com Ricardo Darín (com quem também fez "A Odisseia dos Tontos"). O roteiro é baseado em um livro de Martin Baintrub, que fala sobre um atentado a bomba real acontecido contra uma associação judaica em Buenos Aires nos anos 1990.

O filme é bem feito, embora um tanto melodramático. A trama se baseia muito na interpretação de Joaquín Furriel, que está bem e carrega as dores do mundo nos olhos. Há boa reconstrução de época mostrando Buenos Aires nos anos 1990. O suspense cresce bastante na parte final mas, pessoalmente, não acho que a resolução faça jus ao que foi construído antes. Tá na Netflix.

Matador de Aluguel (Road House, 2024)

Matador de Aluguel (Road House, 2024). Dir: Doug Liman. Amazon Prime Video. Em sua crítica ao original "Matador de Aluguel", de 1989, Roger Ebert disse que o filme estava no limite entre o "filme ruim" e o "filme tão ruim que era bom". O mesmo pode ser aplicado aqui, embora este tenda mais a ser só ruim mesmo. Difícil competir com o "charme" anos 80 do original, interpretado por Patrick Swayze, Sam Elliott e Ben Gazzara. Gosto de Jake Gyllenhaal, mas ultimamente ele tem feito alguns filmes bem inferiores ao seu talento (como "Ambulância", por exemplo).

Gyllenhaal é Dalton, um ex-lutador de UFC que é famoso e carrega um trauma do passado. Ele é contratado por uma mulher da Flórida para ser o segurança de um bar que tem música ao vivo e brigas constantes. Para complicar, um chefão criminoso local quer fechar o lugar para instalar um hotel de luxo. Jake Gyllenhaal está todo "sarado", cheio de músculos definidos e um sorriso sádico no rosto. Quando uns capangas aparecem para aterrorizar o bar, ele não só quebra os ossos de cada um como se oferece para levá-los ao hospital. Lá ele conhece uma médica bonita, Ellie (a portuguesa Daniela Melchior), por quem se interessa.

O resto do filme é feito por cenas que intercalam a calma dos dias com as porradas das brigas noturnas. O filme se torna cada vez mais parecido com um desenho animado, principalmente com a chegada de um brutamontes chamado Knox (Conor McGregor), que geme e urra como um cachorro em Tom & Jerry. "Matador de Aluguel" tenta humanizar a trama com a amizade entre Dalton e uma garota que trabalha em uma livraria local, que até parece parte de outro filme. Há diversas referências óbvias (até ditas pelos personagens) a Westerns e o mito do herói solitário que aparece em uma cidade, se livra dos capangas e desaparece no pôr-do-sol. É ruim, mas se for encarado como passatempo, pode ser divertido. Disponível na Amazon Prime Video. 

sábado, 23 de março de 2024

O Problema dos 3 Corpos (Three Body Problem, 2024)

 
O Problema dos 3 Corpos (Three Body Problem, 2024). Netflix. Série em 8 capítulos dos criadores de "Game of Thrones", D. B. Weiss e David Benioff, que tentam provar seu valor depois do final desastroso daquela série. "Três corpos" ainda precisa satisfazer os fãs dos livros originais do chinês Cixin Liu, que ganhou vários prêmios e foi comparado a mestres da ficção-científica como Arthur C. Clarke. Exagero. Eu li o primeiro livro da trilogia e, a bem da verdade, não gostei. Longo, frio e confuso, "O Problema dos Três Corpos" tem personagens desinteressantes e uma trama sem pé nem cabeça.

A adaptação de Benioff e Weiss (auxiliados por Alexander Woo) é bem mais palatável. Os absurdos científicos e a confusão da trama ainda estão ali, mas tudo acontece bem mais rápido e de forma mais interessante. Um único personagem do livro é transformado em cinco estudantes de Oxford, na série. Eles têm uma relação estreita que fica ainda mais próxima quando uma professora deles comete suicídio. Por todo o mundo, aceleradores de partícula têm apresentado resultados "impossíveis" e vários cientistas estão se matando. Vários deles relatam que viam estranhos números "flutuando" em frente a seus olhos, em uma contagem regressiva. Um detetive dedicado chamado Da Shi (Benedict Wong) está investigando as mortes.

Assim como no livro, há várias outras tramas. Nos anos 1960, uma jovem chinesa é enviada pelos revolucionários comunistas para um laboratório misterioso, com uma antena gigante em cima. Eles estão tentando entrar em contato com alguma civilização distante. No presente, fanáticos liderados por um bilionário inglês (Jonathan Pryce) aguardam a chegada de seus "senhores", seres que viriam salvar o planeta. Será? Outro grupo, liderado por Liam Cunningham, acha que os alienígenas não têm boas intenções e planejam defender a Humanidade.

É um bocado de tramas para seguir. Os roteiros, porém, conseguiram enxugar partes enormes do livro e, lá pelo capítulo cinco (de oito), eles chegam ao final do primeiro livro. Não sei quantas temporadas estão planejadas mas, nesse ritmo, talvez acabem a trilogia na segunda temporada.

O elenco é bom e tem alguns ex-membros de "Game of Thrones" como Jonathan Pryce, Liam Cunningham e John Bradley. Apesar de muito papo (pseudo) científico, a série é bem violenta quando necessário (há um capítulo bastante sangrento, digno de "Game of Thrones"). Há alguns relacionamentos e dramas um pouco "novelescos" entre os personagens principais, contrastando bastante com a frieza do livro. Se eu gostei? Gostei, talvez pelo fato de não ter gostado do livro. Fico curioso sobre os que não leram. Tá na Netflix. 

Mestres do Ar (Masters of the Air, 2024)

Mestres do Ar (Masters of the Air, 2024). Criado por John Orloff. Apple TV+. Minissérie em nove capítulos que pode ser considerada a última parte de uma trilogia iniciada por "Band of Brothers" (2001) e continuada por "The Pacific" (2010), ambas produzidas pela HBO (e disponíveis na Netflix). Enquanto a primeira focava em um grupo de soldados lutando contra os nazistas em terra na Europa e a segunda os americanos contra os japoneses no Pacífico, "Mestres do Ar" foca nos aviadores que bombardearam a Europa Ocidental na II Guerra Mundial. A produção executiva é dos mesmos Steven Spielberg e Tom Hanks, mas "Mestres do Ar" não foi produzida pela HBO (que não quis arcar com o orçamento de 250 milhões de dólares), mas pela Apple TV+.

"Mestres do Ar" demora a engrenar. A boa notícia é que ela melhora bastante. Demora para você se identificar com os personagens ou mesmo se importar com eles. Há uma série de ataques aéreos sobre a Alemanha que são repetitivos e não muito emocionantes. Fotografia e efeitos especiais são muito "limpos" e, a bem da verdade, parece que você está vendo um video game muito bem feito. A série começa a melhorar do quarto episódio para frente, quando o foco sai de dentro do cockpit e vemos situações diferentes, como pilotos abatidos tendo que tentar escapar do território ocupado ou, mais para frente, quando vemos outros pilotos em campos de prisioneiros. O elenco é muito bom, encabeçado por Austin Butler (ainda soando como Elvis rs) como o Major Buck Cleven, acompanhado por Callum Turner como o Major John Egan. O onipresente Barry Keoghan interpreta outro piloto, o Tenente Curtis.

A série, claro, acaba focando mais nos americanos; os pilotos britânicos são vistos como arrogantes ou mesmo covardes (por só voarem à noite). Há meio episódio dedicado a aviadores negros que bombardeavam a Alemanha a partir da Itália e a série até dá crédito aos russos por liberarem parte da Alemanha. O Japão e as bombas atômicas, no entanto, não são mencionados. No mundo complicado e ambíguo de hoje, os nazistas ainda são os únicos inimigos universalmente odiados e ainda é seguro fazer filmes e séries em que os americanos são vistos acabando com eles. "Mestres do Ar" tem nove episódios e diretores como Cary Joji Fukunaga (007: Sem tempo para morrer, True Detective) e Tim Van Patten (Família Soprano, Game of Thrones). Disponível na Apple TV+.  

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024)

 
Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024). Dir: Denis Villeneuve. Três anos depois da primeira parte, chega aos cinemas a continuação do épico de Denis Villeneuve, Duna. O primeiro filme, apesar de muito bom, tinha o problema de parar no meio da trama. Este começa praticamente na cena seguinte do filme anterior e imagino o dia em que vai ser possível assistir tudo, de uma vez, em um filmão de mais de quatro horas.

O roteiro traz algumas adaptações e mudanças na trama do livro que são interessantes. Stilgar (Javier Bardem), é mostrado como um fanático religioso, diferentemente do livro. Chani (Zendaya), ao contrário, é vista como uma pessoa cética que acha que profecias servem apenas para prender seu povo. Esses temas, presentes nos livros de Frank Herbert, são colocados mais em evidência no roteiro de Villeneuve e Jon Spaihts. Paul Atreides (Timothée Chalamet) não acredita que ele seja o "Lisan al Gaib", o profeta que o povo Fremen acredita que veio para salvá-los. Já Lady Jessica (Rebeca Ferguson), sua mãe, acha que ele deve abraçar as profecias para ganhar mais poder.

Todos estes temas, fanatismo, misticismo, dependência química e expansão da mente convivem em um cenário de ficção-científica, com suas naves espaciais, lasers, explosões e batalhas épicas entre casas rivais do Império. O estilo grandioso de Villeneuve, acompanhado pela música de Hans Zimmer e incríveis efeitos especiais, por vezes, beiram o exagero. Uma vez que se "abrace" o estilo, no entanto, o resultado é impressionante. Eu, que já li o livro original várias vezes, fico impressionado como a visão de Villeneuve é parecida com o que eu havia imaginado. Já foi anunciado que um terceiro filme, baseado em "O Messias de Duna" (o segundo livro), será feito por Villeneuve e equipe (o que explica porque Anya Taylor-Joy aparece só por alguns segundos neste filme... sua personagem será explorado no próximo capítulo).

O resto do elenco conta com Josh Brolin, Austin Butler, Léa Seydoux, Charlote Rampling, Florence Pugh, entre outros. O grande Christopher Walken, que eu adoro, infelizmente foi uma escolha errada para encarnar o Imperador. Walken é ótimo, mas está fora de lugar aqui. Não sei como estes filmes são encarados por quem não leu os livros (estou curioso), mas achei um épico grandioso. Nos cinemas.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023)

 
Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023). Dir: Jonathan Glazer. Cinema, disse Martin Scorsese, é decidir o que está ou não dentro do frame. Às vezes, porém, o que não está também é importante. Neste filme de Jonathan Glazer a câmera faz o possível para olhar para o outro lado. Talvez seja a atitude de muitos alemães durante a 2ª Guerra Mundial?

A família de Rudolf Höss (Christian Friedel) vive em uma bela casa. Há uma piscina, um jardim florido, uma horta. A esposa, Hedwig (Sandra Hüller, a ótima atriz de "Anatomia de uma Queda"), tenta manter tudo limpo e organizado. As crianças brincam no jardim ou nadam em um rio próximo. Rudolf Höss é comandante do campo de concentração de Auschwitz, cujos muros fazem divisa com sua casa. De vez em quando, oficiais nazistas entram para discutir a construção de novos fornos ou outras questões logísticas. Höss descobre que vai ser transferido e fica preocupado com a reação da esposa. À noite, o clarão das chaminés ilumina os quartos.

Se não fosse um filme sobre o Holocausto, poderia ser o retrato de uma família comum. O pai, tentando fazer seu trabalho direito mas, também, atento à família (ele lê contos de fadas para as filhas todas as noites). A mãe, cuidando da casa e preocupada com a educação dos filhos. O cachorro tentando pegar a comida da mesa. Os empregados (judeus), limpando a casa e escutando broncas da patroa. Quanto mais comum, mais arrepiante. Glazer mantém a câmera quase sempre estática, o que aumenta a angústia. A imagem clara e límpida (direção de fotografia de Lukasz Zal), parece curiosamente atual; o filme não tem aquele "ar" de velho, da 2ª Guerra, o que deixa o filme ainda mais assustador. Só a trilha de Mica Levi, bastante estranha, tenta nos mostrar que algo está muito errado. "Zona de Interesse" está indicado aos Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado, som e melhor filme internacional. Muito bom. Nos cinemas.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dou ikiru ka, 2023)

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dou ikiru ka, 2023). Dir: Hayao Miyazaki. Como falar do novo filme de Hayao Miyazaki? A sensação é a de estar vendo um sonho. Há passagens sérias e realistas como quando um garoto perde a mãe em um bombardeio em Tóquio, na 2ª Guerra Mundial; há, também, cenas que mostram periquitos gigantes e coloridos fazendo bolos e se preparando para cortar o mesmo menino em pedaços. Cenas cheias de simbologia e seriedade são entrecortadas por imagens de seres "fofinhos" que flutuam no ar como balões de festa (para, em seguida, serem devoradas por pelicanos famintos).
Miyazaki está com 83 anos e tem um modo todo particular de trabalhar. Há um documentário bem interessante na internet sobre os bastidores de "Ponyo" (2008), em que vemos o mestre japonês pensando em como começar o filme. Animações americanas, por serem caras e trabalhosas, costumam ser pré-produzidas nos últimos detalhes, com criação de storyboards precisos e gravação das vozes. Já Hayao Miyazaki parece criar conforme vai produzindo, o que pode explicar o sentimento de "sonho" ou "fluxo de consciência" presente em várias de suas animações.
O roteiro de "O Menino e a Garça" é remotamente baseado em um livro de Genzaburō Yoshino, de 1937 (que, aliás, aparece no filme). A trama, no entanto, teria sido baseada na infância de Miyazaki. O garoto Mahito (Soma Santoki), depois que perdeu a mãe, é levado pelo pai para uma enorme mansão no interior do Japão. Lá ele conhece sua nova "mãe", Natsuko (Yoshino Kimura) que é sua tia e está esperando um bebê. A casa em estilo europeu, no meio da floresta, lembra um pouco a casa das garotas em "Meu amigo Totorô" (1988). Mahito começa a ser visitado por uma enorme garça real, que o provoca e fala que ele tem que "salvar sua mãe". Há uma estranha torre perto da mansão e a garça atrai o garoto para lá, e então para uma espécie de mundo interior, em que começa a parte mais fantasiosa do filme.
O roteiro está longe de ser linear ou mesmo coerente como de animações anteriores, como "Nausicaä do Vale do Vento" (1984) ou "Castelo no Céu" (1986). O ar de sonho lembra filmes posteriores como "A Viagem de Chihiro" (2001) ou "O Castelo Animado" (2004). É uma viagem. A animação (feita, em grande parte, à mão) é maravilhosa, assim como a trilha sonora de Joe Hisaishi, colaborador habitual de Miyazaki. É o tipo de filme que deve ser visto diversas vezes, creio, para conseguir apreender tudo que acontece na tela.
Hayao Miyazaki fala que vai se aposentar desde que fez "Princesa Mononoke" (1997). Felizmente, ele sempre volta atrás. Agora, aos 83, ele fala em aposentadoria novamente, mas vamos torcer para que seja outro alarme falso. "O Menino e a Garça" concorre ao Oscar de melhor animação e há grandes chances do prêmio ir para as mãos de Miyazaki. Nos cinemas.

True Detective Terra Noturna (True Detective Night Country, 2024)

True Detective Terra Noturna (True Detective Night Country, 2024). Criada por Issa López. HBO Max. "Terra Noturna" começa muito bem em uma pequena cidade no Alasca. É o final do ano e o Sol está se pondo pela última vez por semanas, deixando tudo e todos na escuridão e frio extremos. Um acontecimento bizarro desafia a chefe de polícia local, Liz Danvers (Jodie Foster); um grupo de pesquisadores de uma estação científica desapareceram em pleno ar. Há muitos mistérios envolvendo o caso, assim como um ar meio sobrenatural. Os homens são finalmente encontrados, nus e com expressões desesperadas, congelados como estátuas. Para uma outra policial, Evangeline Navarro (Kali Reis), o caso estaria ligado à morte violenta de uma ativista, anos antes. POSSÍVEIS SPOILERS ADIANTE.


O clima da série, assim como o local, é frio e escuro. Há muito suspense no ar, a premissa é intrigante e o elenco, ótimo. Por que, então, a série chega ao final dos seus seis capítulos como uma grande decepção? É uma pena, mas os roteiristas acabam levantando muito mais perguntas do que respostas. A personagem de Liz, por melhor que seja interpretada por Jodie Foster, acaba caindo naquele clichê de mulher solteirona, chata e mandona, que deixa todos a sua volta malucos. Lembra muito a personagem de Kate Winslet em outra série da HBO, "Mare of Easttown" (que também tinha uma filha lésbica e carregava um trauma do passado, envolvendo um filho). O suspense envolvendo os corpos congelados, que dura os primeiros três episódios, de repente some no ar. Personagens são criados, aparentemente, só para morrer de repente, causando uns dez minutos de drama, para depois também serem esquecidos.

John Hawkes, que é um grande ator, tem toda uma trama envolvendo solidão, problemas com o filho e o envolvimento com os vilões da série para, de repente, chegar a um fim forçado. Outros que "desaparecem" nos últimos capítulos são o superior de Jodie Foster, com quem ela tem um caso e sabe um "podre" do passado dela, e a diretora da mineradora. A série chega ao final com um monte de pontas soltas e mesmo sem saber o destino de personagens importantes. Uma coisa é criar ambiguidade, outra é não saber terminar uma história. Disponível na HBO Max.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

American Fiction (2023)

American Fiction (2023). Dir: Cord Jefferson. Ótima sátira, com doses de drama, a respeito de um escritor negro de Los Angeles chamado Monk (Jeffrey Wright). Monk é um escritor que não vende muito. "Seus livros não são 'negros' o suficiente", diz seu editor. "Eu sou negro, então meu livro é um 'livro negro'", ele retruca. Aparentemente, não é assim que o mercado vê. Uma escritora jovem, Sintara (Issa Rae), está fazendo sucesso com um livro, que, na opinião de Monk, está cheio de estereótipos do que os brancos imaginam ser a "luta negra". Em uma brincadeira, ele resolve então escrever um "livro negro" para satisfazer o mercado, cheio de clichês e gramática errada. Para sua surpresa, o livro se torna um sucesso.
Há um lado dramático que mostra a família de Monk, composta por uma irmã médica (Tracee Ellis Ross) e um irmão cirurgião plástico (Sterling K. Brown). Eles têm recursos, moram em Boston e têm uma casa na praia. Monk se vê cuidando da mãe com Alzheimer e tendo que lidar com a família, da qual se distanciou. Há também espaço para um romance com Coraline (Erika Alexander), uma vizinha. O filme mostra o contraste entre essa família negra de classe média alta, lidando com seus problemas, e os negros retratados pela mídia, geralmente como criminosos ou vítimas a serem salvas pelos brancos.
A mistura entre drama e sátira nem sempre funciona. Há algumas questões levantadas pelo roteiro que poderiam ser melhor trabalhadas (a escritora negra jovem, por exemplo, porque ela escreveu aquele livro? Foi só pelo dinheiro?), e o final, bastante satírico, deixa algumas pontas soltas. "American Fiction" está indicado a vários Oscars importantes, como melhor filme, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown), trilha sonora (Laura Karpman) e roteiro adaptado (Cord Jefferson). A produção é da Amazon, mas ele ainda não está disponível no streaming.

O Sequestro do Voo 375 (2023)

O Sequestro do Voo 375 (2023). Dir: Marcus Baldini. Star+. Boa produção brasileira que relata a história real do sequestro do voo 375 da VASP em setembro de 1988. O voo estava chegando ao destino, no Rio de Janeiro, quando um homem armado invadiu a cabine e exigiu que o avião fosse para Brasília. O sequestrador era Raimundo ‘Nonato’ Alves da Conceição (interpretado por Jorge Paz), um maranhense desempregado que queria se vingar do presidente José Sarney pelas más condições do país. Seu plano era jogar o avião no Palácio do Planalto.
A produção tem boa reconstituição de época, mostrando carros, roupas e equipamentos dos anos 1980. Leva um tempo para a gente se acostumar a um mundo sem celulares, sem chek-ins com códigos de barras e coisas comuns hoje. Em um mundo analógico, o sequestrador liga para a mãe de um "orelhão", usando fichas, antes de embarcar no avião. O piloto, Fernando Murilo, é interpretado muito bem por Danilo Grangheia. Ex-piloto da Esquadrilha da Fumaça, Murilo teria usado manobras arriscadas para tentar desequilibrar o sequestrador durante o voo.

Os efeitos especiais não são espetaculares, mas passam muito bem o recado. As cenas em que o piloto faz as manobras arriscadas é muito bem feita. O roteiro, de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque, nos localiza na época e cria suspense. Um letreiro ao final do filme diz que Osama Bin Laden teria se inspirado no sequestro brasileiro para planejar o ataque às Torres Gêmeas de Nova York. Disponível na Star+. 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021)

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021). Dir: Tom McCarthy. Netflix. "Stillwater" é daqueles filmes que não sabem o que querem ser. Há duas boas histórias convivendo aqui, mas não há muita liga entre elas. Matt Damon é Bill, o típico americano médio, trabalhador braçal, boné, cavanhaque, dirigindo um utilitário e rezando antes de toda refeição. Bill vai para Marselha, França, visitar a filha. Allison (Abigail Breslin) está presa pelo assassinato da namorada, Linda, há cinco anos. A filha alega ter descoberto novas evidências de sua inocência, mas como a promotora não quer reabrir o caso, cabe a Bill investigar por conta própria.

Bill não fala francês (claro) e está hospedado em um pequeno hotel, onde conhece uma mãe solteira, Virginie (Camille Cottin, ótima) e a filha pequena, Maya (Lilou Siauvaud). É conveniente demais que Virginie saiba falar inglês e, do nada, resolva ajudá-lo na investigação, mas... ok. O problema é que o filme não sabe se vai ser sobre a investigação do caso de assassinato da filha ou sobre a relação de Bill com essa francesa e a filha. Há momentos em que as duas histórias convergem mas, por grande parte do filme (que é longo demais, com duas horas e vinte de duração), parece que estamos vendo uma estranha comédia romântica. Virginie é atriz de teatro e tenta fazer o americano ignorante gostar de arte. Bill se apaixona pela garotinha, Maya, e passa a buscá-la na escola e até arruma um emprego na construção civil. Logo todos estão morando juntos, Bill faz comida para as mulheres da casa, Virginie arruma um emprego na televisão e.... que filme estamos vendo mesmo?

Damon, mais "gordo", de cavanhaque e boné, tenta fazer a gente esquecer que ele é Jason Bourne, mas é estranho vê-lo andando pelas ruas da França sem saber muito o que fazer. Lá pelo final o filme se lembra da trama de assassinato e muda drasticamente, partindo para um final estranho demais. A direção é de Tom McCarthy, que dirigiu o vencedor do Oscar "Spotlight". Tá na Netflix.

A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024)

A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024). Dir: Bao Nguyen. Netflix. Bom documentário sobre os bastidores da gravação do hit "We Are the World", um single composto por Lionel Ritchie e Michael Jackson em janeiro de 1985. A música fez parte de uma das ações da época contra a fome na África, particularmente na Etiópia. O ator, cantor e ativista Harry Belafonte teve a ideia e coube ao produtor musical Quincy Jones fazer o trabalho.

O documentário é costurado com entrevistas de vários envolvidos com a música na época, como Lionel Ritchie, que também produz o filme. O pesadelo logístico de juntar um grupo de super artistas famosos era enorme, então decidiram gravar o single depois de um prêmio musical em Los Angeles (que Lionel Ritchie ia apresentar), já que muitos estariam na cidade. Ritchie e Jackson compuseram a música em poucos dias. A melhor parte do documentário é quando eles mostram os bastidores da gravação em si, compilados de horas de fitas. Como lidar com o ego de mais de quarenta estrelas do pop, rock e até mesmo do country? "Deixem o ego na porta", dizia um cartaz escrito por Quincy Jones. Estavam presentes astros como Bruce Springsteen, Michael Jackson, Tina Turner, Ray Charles, Stevie Wonder, Paul Simon, Bob Dylan, Billy Joel, Al Jarreau, Cyndi Lauper, Diana Ross, Kenny Loggins e dezenas de outros.

Apesar do aviso de Jones, lidar com os artistas não era fácil. Stevie Wonder achou que deveriam cantar algumas frases em Swahili, língua falada em algumas partes da África (mas não na Etiópia). Michael Jackson, para não ficar atrás, quis acrescentar algumas frases em outra língua africana. Eles só tinham aquela noite para gravar a canção e ideias como essas causavam vários atrasos (resolveram cantar tudo em inglês mesmo). Prince, que havia ganhado vários prêmios naquela noite, era dúvida se iria participar ou não. Ele exigiu gravar sozinho, em outra sala, e acabou dispensado. Huey Lewis (que fez muito sucesso com as canções de "De Volta para o Futuro"), acabou pegando os vocais dele.

Engraçado ver os vários takes que os artistas tiveram que gravar para chegar às partes que conhecemos na música (e clipe) final. Tenho minhas dúvidas se "We are the World" trouxe algum benefício às crianças famintas da África mas, como canção pop, foi um enorme sucesso. Tá na Netflix.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Intruso (Foe, 2023)

Intruso (Foe, 2023). Dir: Garth Davis. Amazon Prime Video. Filme que decepciona porque tinha várias coisas a favor; o elenco é composto por Saoirse Ronan e Paul Mescal, que são muito bons e se entregam por inteiro. A premissa de ficção-científica é interessante. Em 2065, o mundo está passando por secas terríveis e parte da população é convocada a trabalhar em estações espaciais. Hen e Junior (Ronan e Mescal) são donos de uma fazenda no meio oeste americano. Um dia chega um representante da empresa OuterMore, Terrance (Aaron Pierre) e informa o casal que Junior foi convocado a trabalhar no Espaço. Hen, a esposa, não foi chamada e deve aguardar o retorno do marido. Terrance avisa que um substituto vivo, um clone controlado por AI, iria ficar no lugar de Junior enquanto ele estivesse no espaço. O representante da empresa também diz que tem tem que observar o casal, então ele se muda para a casa deles e se torna uma presença complicadora.

A ideia é interessante (e muito parecida com um episódio recente de Black Mirror). O problema é que o filme investe pesado no melodrama e há cenas intermináveis em que Ronan e Mescal discutem, brigam, depois retomam em cenas quentes de sexo. Há cenas visualmente belas em que o casal, pequenas figuras em meio a uma vastidão vazia, percorrem as paisagens em volta da fazenda. Há discussões sobre a vida e a morte, sobre o passado, sobre o futuro, tudo regado por uma trilha instrumental melancólica.

Tudo muito bem se o filme se assumisse "cerebral" e misterioso, mas há uma cena desastrosa em que tudo é explicado nos mínimos detalhes, quebrando o mistério com uma "revelação" que não era tão difícil de imaginar. Fica difícil também entender a lógica por trás da empresa. Por que eles se dariam a todo este trabalho e custos apenas para recrutar um simples operário espacial? Por que enviar pessoas comuns ao espaço se, em seu lugar, poderiam ir clones perfeitos? Enfim, um filme difícil de terminar. Há várias boas ideias e as interpretações são ótimas, mas mal aproveitadas. Disponível na Amazon Prime Video.

 

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023)

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023). Dir: Alexander Payne. Paul Giamatti é Paul Hunham, professor de História em um internato para garotos no leste americano. Paul é universalmente odiado por professores e alunos. Durante o Natal de 1970, ele fica responsável por tomar conta dos alunos que, por algum motivo, não podem voltar para casa nas férias. É o caso de Angus Tully (Dominic Sessa), um rapaz que é deixado para trás pela mãe porque ela saiu em lua-de-mel com o novo marido. Assim, Paul, Angus e a cozinheira da escola, Mary, acabam ficando sozinhos no campus, tendo que arrumar o que fazer durante o período de férias.

Dirigido pro Alexander Payne (de "Sideways", também com Giamatti), "Os Rejeitados" é uma delícia de filme (desde que você não espere por muita ação). Giamatti está excelente, no tipo de papel que sabe fazer bem, um cara meio deprimido, meio raivoso. Dominic Sessa, o rapaz, está em seu primeiro filme e é excelente. Mary (Da'Vine Joy Randolph), a cozinheira, é uma mulher vivida que está de luto pela morte do filho no Vietnam. Esse trio, mais alguns poucos outros personagens, acabam descobrindo que talvez não sejam tão "rejeitados" como diz o título. A vida é dura, mas também pode ser bela.

Tecnicamente, "Os Rejeitados" é feito como se tivesse sido produzido na década de 1970. Os créditos iniciais usam uma vinheta antiga da Universal e criaram vinhetas "vintage" para a Focus Features e Miramax. Apesar de gravado em digital, a imagem parece película antiga e a edição usa longas transições de imagens, como era comum na época. As locações reais te transportam para outra época. A trilha, cheia de canções de Natal, contrastam com o humor dos personagens, mas trazem muita nostalgia. Paul Giamatti já ganhou alguns prêmios pelo papel e, quem sabe, talvez até consiga desbancar Cillian Murphy, de Oppenheimer, no próximo Oscar.

Priscilla (2023)

Priscilla (2023). Dir: Sofia Coppola. A história de Priscilla Presley parece feita sob medida para o cinema de Sofia Coppola. Um cinema às voltas com personagens meio perdidas, procurando a aprovação e/ou atenção de um personagem mais velho ("Encontros e Desencontros"), ou mesmo do pai ("As Virgens Suicidas", "Um Lugar Qualquer" e "On the Rocks"). Aqui, Coppola aponta suas lentes para uma menina de 14 anos chamada Priscilla Beaulieu. Ela morava na Alemanha em uma base militar na mesma época em que Elvis Presley estava no exército. Priscilla é interpretada por Cailee Spaeny como uma garota solitária e com saudades dos EUA. Um amigo de Elvis a convida para uma festa da casa do "rei" e é amor à primeira vista.

Ao contrário da biografia exagerada feita por Baz Luhrmann em 2022, este é um filme quieto e calmo. O foco aqui não é Elvis, mas a menina que ele levou para os EUA e colocou sob uma redoma de vidro em Graceland, o rancho dos Presley. Elvis é interpretado por Jacob Elordi, que não se parece muito com Elvis, mas convence bastante. A relação entre ele e a garota mistura um conto de fadas com uma história de terror. Apesar de ficar com muitas mulheres estrada afora, em casa Elvis é um cavalheiro que diz à jovem namorada que eles não podem "se deixar levar pelos desejos". Ao mesmo tempo, ele a vicia em vários tipos de remédios (para dormir, para ficar acordado) e a leva a lugares não apropriados à idade dela (como Las Vegas).

O filme tem boa recriação de época mas a trilha sonora tem vários momentos anacrônicos, com músicas modernas tocando por cima de montagens dos anos 1960. Li uma entrevista de Coppola em que ela dizia que não queria pintar Elvis como um "vilão", mas ele é mostrado, no mínimo, como um idiota. Carente, narcisista e controlador, ele trata a garota como um bibelô, enquanto está sempre cercado de vários "amigos" puxa-sacos que fazem todas as suas vontades. O roteiro é baseado nas memórias da própria Priscilla Presley. Nos cinemas.

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023)

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023). Dir: Kristoffer Borgli. Filme bastante curioso que lembra os tempos em que o roteirista Charlie Kaufman era novidade e escrevia filmes como "Quero ser John Malkovich", "Adaptação" ou "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". Nicolas Cage é Paul Matthews, um pacato professor de biologia evolutiva. Barba comprida, careca, óculos, usando sempre as mesmas roupas, ele é um tipo bastante comum.

Um dia um fenômeno estranho acontece e as pessoas começam a ver Paul em seus sonhos. No começo, são pessoas próximas, como família e amigos. Depois, o fenômeno se espalha pelo mundo inteiro. Paul fica assustado, a princípio, com a fama repentina mas, ei, as pessoas estão finalmente prestando atenção nele, achando-o "interessante". Logo ele está dando entrevistas e uma empresa quer associá-lo a vários produtos. O problema é que, de repente, os sonhos das pessoas com ele se tornam pesadelos terríveis e violentos. Amigos não querem mais vê-lo. A própria família está assustada.

"O Homem dos Sonhos" é uma sátira bem interessante sobre a fama e seus efeitos no mundo de hoje. Paul se considera um acadêmico sério e sonha em escrever um livro sobre a evolução das formigas, mas o mundo quer usá-lo para vender refrigerante. Quando ele está no alto da onda, no entanto, ele é "cancelado" pelas mesmas pessoas que o veneravam. Nicolas Cage, famoso por suas interpretações exageradas, está ótimo aqui como uma pessoa comum que, por um momento, acha que tirou a sorte grande. Há várias sequências interessantes e, em vários momentos, você não sabe se está vendo o mundo real ou se estamos dentro do sonho de alguém. A produção foi rodada em filme 16mm, com cores saturadas que lembram filmes antigos de família ou documentários. É curto, uma hora e quarenta de duração, e o final é interessante, embora poderia ter rendido mais.

Poder sem limites (Chronicle, 2012)

Poder sem limites (Chronicle, 2012). Dir: Josh Trank. Netflix. Já havia ouvido falar nesta ficção-científica mas nunca havia tido a oportunidade de vê-la, até agora. "Chronicle" foi o filme de estreia de Josh Trank, na época com 26 anos. Um tempo depois ele teria a reputação destruída por sua direção de "Quarteto Fantástico" (2015), mas essa é outra história.

"Poder sem limites" foi feito com um orçamento bem inferior ao que se gasta em um filme da Marvel (uns 200 milhões de dólares), por "apenas" 15 milhões. É daqueles filmes feitos com "found footage" (imagens encontradas), ou seja, o que você vê na tela é porque algum personagem está filmando. Andrew (Dane DeHaan, de "O Espetacular Homem-Aranha 2") é um jovem tímido que sofre bullying na escola. Um dia ele resolve que vai carregar uma câmera por aí para registrar tudo, o que nem sempre faz sentido mas, assim, o filme é sobre o ponto de vista da câmera dele. Ao ir a uma festa da escola, Andrew, o primo Matt (Alex Russell) e um amigo, Steve (um jovem Michael B. Jordan), encontram um buraco estranho no meio da floresta. Eles descem no buraco e encontram "alguma coisa" lá.

Acontece que, dali para frente, eles descobrem que têm "poderes". A princípio, conseguem mover pequenas coisas com a mente. Conforme vão treinando os poderes, eles ficam mais fortes e, claro, mais perigosos. No começo, no entanto, é tudo diversão; eles usam os poderes para levantar as saias das garotas, fazer shows de mágica e, mais para frente, descobrem que podem até voar. Os efeitos especiais são razoáveis, mas passam o recado. O filme fica mais sério e dramático mais para o final. O grande Michael Kelly (Doug Stamper em "House of Cards") interpreta o pai alcoólatra de Andrew, que resolve usar seus poderes para o "mal". É um filme interessante, embora por vezes pareça meio amador. Lembra um pouco aquela série "Heroes", em que adolescentes descobriam superpoderes. Tá na Netflix.

Vidas Passadas (Past Lives, 2023)

Vidas Passadas (Past Lives, 2023). Dir: Celine Song. Belíssimo filme para começar bem o ano. "Vidas Passadas" é o longa metragem de estreia da coreana-canadense Celine Song, e é um deleite. O filme se passa em um período de 24 anos, mas o início se dá no encontro de um garoto e uma garota de 12 anos, Na Young e Hae Sung, em um parque de Seoul. Os dois estudam juntos e são apaixonados. As mães organizam um encontro em que os dois brincam, se divertem e voltam para casa de mãos dadas. O problema é que a menina está de partida para o Canadá, onde vai morar. O encontro, na verdade, havia sido uma despedida.

Eles poderiam nunca mais ter se visto mas, 12 anos depois, Na Young (Greta Lee), morando em Nova York, encontra o antigo "namoradinho" no Facebook. Os dois começam a conversar via Skype e descobrem que ainda há uma grande atração entre eles. Só que eles estão separados por milhares de quilômetros... o que fazer? Anos novamente se passam, até que Hae Sung (Teo Yoo), o rapaz, resolve finalmente ir até Nova York ver a moça.

(aviso de possíveis spoilers, não vou revelar o final, mas alguns detalhes sobre a vida dos personagens que talvez você não queira saber)

Se fosse uma simples comédia romântica, provavelmente tudo daria certo e as duas "almas gêmeas" terminariam o filme se beijando no topo do Empire State, mas não é esse tipo de filme. O tempo passou, Na Young está casada e estabelecida em Nova York. Ainda assim, é inegável que ela está curiosa com esse homem que resolveu visitá-la depois de 24 anos. "Ele é tão coreano", diz ela ao marido. "Quando estou com ele me sinto menos coreana mas, ao mesmo tempo.... mais coreana".

O que é que eles sentem um pelo outro? Há longas cenas de silêncios entre os dois, quando estão passeando por marcos turísticos de Nova York (muito bem filmada pelo diretor de fotografia Shabier Kirchner). Na última vez que estiveram juntos, eram crianças de 12 anos, em outro país, com a vida inteira pela frente. O que teria acontecido se ela não tivesse deixado a Coréia, ou se ele tivesse ido vê-la em Nova York antes? Estariam destinados a se reencontrar? A que custo? Tudo é lidado com muita sensibilidade e belos diálogos. O personagem do marido, que poderia render cenas de ciúmes e até violência, é muito bem desenvolvido pelo roteiro. Um dos melhores filmes de 2023.