domingo, 22 de outubro de 2023

Retratos Fantasmas (2023)

Retratos Fantasmas (2023). Dir: Kleber Mendonça Filho. Filme bonito demais sobre memórias, mudança, cidades e cinema (não necessariamente nesta ordem). De forma extremamente pessoal, Kleber Mondonça fala sobre o apartamento da família no Recife, que a mãe historiadora reformou e transformou em um lar depois da separação do marido. Foi lá que Kleber fez os primeiros curtas metragens, em diversos formatos, VHS, Super-8; anos depois, o primeiro longa, o premiado "O Som ao Redor", também foi rodado no mesmo apartamento. É curiosa a justaposição de imagens em qualidade baixa, "amadoras", se misturando à imagem profissional do cinema. A revisão dessas horas de imagens mostram outra coisa, a verticalização dos prédios ao redor, o surgimento de grades e cercas de arame farpado. Entre as memórias de Kleber, o som do cachorro do vizinho, que já havia morrido, se mistura a uma foto de um "fantasma" que ele tirou na sala de casa.


A segunda metade se dedica ao centro do Recife e suas grandes salas de cinema; os dois já viram dias de opulência e efervescência cultural. Hoje, os grandes palácios dão lugar a igrejas evangélicas, lojas de departamentos e shoppings. Kleber usa de um rico acervo pessoal de imagens que fez de salas como Art Palácio, Veneza ou São Luiz. Há um personagem muito interessante, o "Seu" Alexandre, projecionista do Art Palácio, que foi entrevistado pelo diretor durante as semanas que antecederam o fechamento do cinema. "É como visitar um navio que vai ser afundado", comenta Kleber, enquanto mostra os bastidores da grande sala, construída por investidores alemães que pretendiam, nos anos 1930 e 1940, difundir ideias nazistas no Brasil.

A terceira parte fala sobre a relação entre as salas de cinema e os templos. Curioso que o São Luiz, a magnífica sala de cinema que ainda existe no Recife, foi construído no lugar de uma igreja do século 19; nas últimas décadas, o que se vê é o crescimento das igrejas evangélicas, que compraram os velhos cinemas e mudaram o foco da adoração, por assim dizer.

O filme me despertou muitas memórias dos tempos dos cinemas de rua que frequentava na juventude, como o Cine Windsor, Regente ou Jequitibá em Campinas, por exemplo. Sobre matar aulas para ver "Império do Sol" no Regente, ou sair com as pernas bambas do Cine Astor, em São Paulo, depois de uma sessão de "Fargo", dos irmãos Coen. Cinemas de rua, ao contrário das salas de shopping, tinham identidade e personalidades próprias. A gente ficava dentro do cinema quando terminava a sessão e via o filme novamente, se assim quisesse. Fazia amizade com o projecionista e visitava a cabine de projeção. Na Paulista ou no centrão de São Paulo, era comum sair de uma sessão, andar uns metros e entrar em outra sala, para conferir o novo Tarantino ("Pulp Fiction" no Cine Comodoro, por exemplo) ou Scorsese ("Os Bons Companheiros" em uma sala no centro, em Jundiaí). Assistir a "Cinema Paradiso" em diversas salas e prometer nunca vê-lo na TV.

"Retratos Fantasmas" é mais do que um documentário sobre salas de cinema. É sobre a relação orgânica entre salas de cinema e suas plateias. Sobre o entorno dos cinemas; sobre como as grandes "majors" americanas tinham escritórios ao lado do consulado americano, no centro do Recife, onde hoje está tudo abandonado. Ao final, Kleber faz um bem humorado (e bizarro) passeio de Uber pelas ruas da cidade. Pela janela, vê passar, iluminadas e brilhantes, farmácia atrás de farmácia. Visto no Kinoplex do Shopping Parque Dom Pedro, em Campinas.

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