Os Fabelmans (The Fabelmans, 2022). Dir: Steven Spielberg. Por muitos anos, o diretor Steven Spielberg foi considerado um cineasta puramente técnico, alguém focado só em efeitos especiais e em grandes bilheterias. Com o tempo, porém, percebeu-se que por trás de filmes como "E.T. - O Extraterrestre", "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" se escondia alguém contando a própria história. A história de um garoto judeu em uma família dividida pela traição e pelo divórcio.
Após anos "se escondendo" atrás de metáforas, Spielberg resolveu contar sua vida de forma mais direta; o estopim foi a pandemia, quando o diretor se viu preso em casa. Ele e o co-roteirista Tony Kushner escreveram o filme em uma série de sessões de conversas pelo "Zoom". O resultado é extremamente pessoal, claro, e mais franco do que eu imaginava. Como alguém que não só assistiu aos seus filmes como leu todas as entrevistas e biografias que conseguiu encontrar, o filme também foi estranhamente familiar para mim.
A versão de Spielberg em "Os Fabelmans" é um rapaz chamado Sam (Mateo Zoryan, quando criança, e Gabriel LaBelle quando adolescente). Sam foi levado pelos pais para assistir ao filme "O Maior Espetáculo da Terra" (1952), de Cecil B. de Mille, quando pequeno, e ficou obcecado por uma cena em que um trem atropela um carro. O garoto tentou reproduzir a cena diversas vezes, em casa, com um trem de brinquedo, para desespero do pai (Paul Dano). A mãe (Michelle Williams, ótima) então deu ao garoto uma câmera amadora de 8mm, com a qual ele recriou a cena vista no cinema. Este foi o início de uma vida dedicada a criar e reproduzir (e manipular) imagens. Com o passar dos anos, o jovem Sammy estaria sempre com uma câmera na mão, fazendo filmes amadores de guerra, westerns e ficção científica com as irmãs ou com colegas da escola e escoteiros.
O filme, porém, não é somente sobre o surgimento de um cineasta, mas o modo como ele interpretava a vida por detrás das lentes. O pai era um homem extremamente técnico, um dos primeiros especialistas em computadores; o trabalho o obrigava a mudar frequentemente de cidade em cidade com a família. A mãe era pianista clássica, uma pessoa sensível e volúvel. Havia outra pessoa nessa dinâmica, um amigo pessoal do pai chamado Bennie (Seth Rogen, surpreendente), que se tornou um "amigo" especial da mãe. Esse triângulo amoroso era visto, mas inicialmente não percebido, por Sammy e pelas irmãs.
Spielberg lentamente introduz o conceito da traição através de imagens que acontecem às margens da ação principal. De forma genial, ele também mostra como Sammy só se dá conta do que está acontecendo ao editar um filme caseiro de uma viagem em família (mais o "amigo" Bennie). É bem típico de Spielberg que a cena não tenha diálogos, só imagens do jovem olhando, assustado, para os trechos de filme Super8 que ele está editando.
Curioso como, apesar da infidelidade ter partido da mãe, Spielberg tenha culpado o pai em seus filmes. Em "ET", é o pai que "está no México com a Sally"; em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", é o pai que abandona a família e parte para o espaço com os aliens. Separações apareceriam também em trechos de "Império do Sol", "Inteligência Artificial", "Guerra dos Mundos", "Prenda-me se for capaz", entre vários outros filmes da carreira do diretor. Em "Os Fabelmans", o jovem Sammy resolve esconder a traição da mãe tirando fora os trechos comprometedores do filme caseiro que mostra à família (assim como ele faria, depois, em sua carreira).
É um filme e tanto, um prato cheio para cinéfilos (há uma ótima cena que mostra o diretor John Ford) e fãs de Spielberg. O último plano é genial. Nos cinemas.
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