sábado, 31 de dezembro de 2022

Better Call Saul (2015-2022)

 
Better Call Saul (2015-2022). Criada por Vince Gilligan e Peter Gould. Netflix. Não posso deixar terminar o ano sem citar a melhor série de 2022 (e dos últimos anos) "Better Call Saul". Antes, uma confissão: por duas vezes tentei ver "Breaking Bad". Sempre gostei bastante da primeira temporada... menos da segunda... e acabava desistindo. Não parem de ler, me deixem explicar, rs. Walter White, por melhor que tenha sido interpretado por Bryan Cranston, sempre me pareceu um "mala"; ou melhor, acho que a série deixou de explorar as várias ambiguidades que o personagem oferecia e transformaram o ex-professor de química em um vilão (chato) rapidamente. Sobra quase nada para gostar no personagem, que se torna cruel com a esposa, um mentiroso com o filho, um monstro manipulador que, sinceramente, não me fazia querer assistir mais (eventualmente eu acabei vendo a série toda, pós "Better Call Saul", mas não mudei muito minha opinião).


Corta para Saul Goodman ou, melhor, para Jimmy McGill. O personagem de Bob Odenkirk já era o cara mais interessante em "Breaking Bad", quando era um advogado brilhantemente canalha. "Better Call Saul" poderia ter sido só sobre esse cara, mas foi sobre muito, muito mais. A série nos apresenta Jimmy (não Saul) como um cara que, apesar de aplicar uns golpes aqui e ali, no fundo era boa pessoa (ou tentava ser). O cuidado com que ele ajudava o irmão, Chuck McGill (Michael McKean), na primeira temporada... até o choque da traição. A ótima personagem de Kim Wesler (Rhea Seehorn) que, assim como Jimmy, havia começado de baixo, no departamento de xerox de uma grande empresa de advocacia. O arco dela pelas temporadas segue de perto a transformação de Jimmy em Saul Goodman. Uma advogada brilhante, mas que também tem algo de errado no caráter... a vontade de cometer uma transgressão, a emoção de aplicar um golpe junto bom o namorado. Tantos ótimos personagens... Nacho Varga (um ótimo Michael Mando). O ódio que ele sentia por Hector Salamanca (Mark Margolis) e seu papel em colocá-lo naquela cadeira de rodas. Gus Fring (Giancarlo Esposito), ainda não tão poderoso, mas muito mais humano, tentando subir na "carreira" e com o sonho de construir o laboratório de drogas perfeito (que rende uma das melhores tramas da série). O grande Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks), tão mais profundo e humano do que em "Breaking Bad"... sua história com a morte do filho, seus tempos como policial, a obrigação que sente com a nora e a neta. Lalo Salamanca (Tony Dalton), um vilão e tanto, engraçado em um momento, letal em outro. Howard Hamlin (Patrick Fabian), que a princípio parece um vilão mas, ao longo da série, acaba se tornando a vítima.

Não só ótimos personagens novos mas, sobretudo, personagens conhecidos que são muito melhor explorados do que em "Breaking Bad". Há muito mais áreas cinzas a serem exploradas. Quando você acha que Jimmy tomou jeito e vai se tornar um advogado respeitável, Saul Goodman assume e te pega de surpresa. A ambiguidade de Kim Wexler, que tem tantas chances de deslanchar na carreira mas que está estranhamente "presa" a Jimmy. A cena incrível, na última temporada, em que ela simplesmente começa a chorar dentro do ônibus (como é possível que Rhea Seehorn nunca tenha ganhado um Emmy?). Gus Fring, se sentindo em paz por um momento, sentado em um restaurante e discutindo sobre vinhos com o cheff; Mike e o engenheiro alemão conversando sob as estrelas, antes de uma despedida; tantos momentos incríveis nesta série. No final, acontece que ela não é só uma série de "origem" de "Breaking Bad", mas também a ultrapassa e é também seu final. Em minha opinião, a supera em todos os quesitos, com folga. Para rever. Tá na Netflix.

Trem Bala (Bullet Train 2022)

Trem Bala (Bullet Train 2022). Dir: David Leitch. HBO Max. Filme de (ultra) ação que lembra aquelas produções estilizadas e cheias de piadinhas de Guy Ritchie, tipo "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" ou "Snatch: Porcos e Diamantes". Múltiplos personagens cheios de manias e frases de efeito mais ação ininterrupta colocados dentro de um trem bala (também estilizado) entre Tóquio e Kyoto, no Japão. O diretor é David Leitch, de filmes como "Deadpool 2" e "Atômica".

O elenco é grande, mas Brad Pitt (por ser Brad Pitt) é o personagem principal, um matador de aluguel que resolveu pegar um "serviço fácil": entrar em um trem bala, roubar uma mala cheia de dinheiro e descer na primeira estação. Claro que não vai ser tão tranquilo. Dentro do mesmo trem estão uma dupla de assassinos (Aaron Taylor Johnson e Brian Tyree Henry), um gângster japonês (Andrew Koji), o pai dele (Hiroyuki Sanada) e uma garota aparentemente inocente (Joey King). Todos estão interligados em uma trama complicada que envolve a tal mala de dinheiro, o sequestro do filho de um chefão do crime e várias pessoas querendo vingança.

Parênteses: eu queria saber o que aconteceu com os editores de cinema. Pelo jeito nenhum deles têm poder para chegar para o diretor e dizer: "Hey, menos é mais". "Trem Bala", como vários filmes recentes, tem aqueles vinte minutos a mais que são desnecessários... o que aconteceu com aqueles filmes de ação de 90 minutos? Enfim, "Trem Bala" é bem feito, estilizado e tem personagens interessantes, embora não seja nenhuma novidade. Se você quiser bons 90 minutos (e desnecessários 30 minutos) de ação desenfreada e diálogos sarcásticos, vai se divertir. Se não... Disponível na HBO Max.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery, 2022)

Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Glass Onion: A Knives Out Mystery, 2022). Dir: Ryan Johnson. Netflix. Não é uma continuação, mas uma nova aventura do mesmo detetive de "Entre facas e segredos", sucesso surpreendente de 2019 escrito e dirigido por Ryan Johnson. O filme foi tão popular que a Netflix teria pago mais de 400 milhões de dólares pelos direito de duas novas "continuações", sendo que Daniel Craig e o diretor ficaram 100 milhões de dólares mais ricos.

Assim, "Glass Onion" é maior em absolutamente tudo quando comparado ao pequeno e charmoso filme anterior. Como diz o ditado popular, porém, tamanho não é documento. Enquanto "Entre facas e segredos" se passava em uma casa, em um ambiente mais "íntimo", "Glass Onion" exibe o orçamento inflado em tudo; a ação agora se passa em uma luxuosa ilha privada na Grécia, propriedade de um bilionário interpretado por Edward Norton. Ele convida para sua mega mansão um grupo de amigos compostos por uma política (Kathryn Hahn), um cientista (Leslie Odom Jr.), um youtuber (Dave Bautista), uma influencer da moda (Kate Hudson) e uma ex-sócia (Janelle Monáe). Claro que o detetive Benoit Blanc, interpretado por Daniel Craig de forma ainda mais afetada, também aparece para a festa.

A influência ainda é a escritora Agatha Christie, que escreveu o clássico "O Caso dos Dez Negrinhos", livro de 1939 em que um grupo de pessoas é convidado por um homem misterioso para passar um final de semana em uma ilha. "Glass Onion" é divertido, tem bom elenco e é muito bem filmado, mas acho que algo se perdeu no meio do caminho. Como disse, o charme inglês do filme de suspense anterior dá lugar a um cenário ensolarado, personagens histéricos e uma mansão digna de um vilão de James Bond (olá, Daniel Craig). A personagem mais interessante é a interpretada por Janelle Monáe, que está ótima. Daniel Craig está claramente se divertindo no papel, bem diferente do seu 007. Tecnicamente, direção de fotografia e direção de arte são ótimos, e há uma sequência passada no claro/escuro da mansão que é muito bem feita. Só que o filme tem 30 minutos além do necessário (coisa comum hoje em dia) e o roteiro substitui suspense por histeria e muita pirotecnia. Tá na Netflix.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Andor (2022)

 
Andor (2022). Dir: Tony Gilroy. Disney+. Escrevendo sobre algumas séries e filmes que vi este ano antes que ele acabe. "Andor" é, de longe, a melhor série baseada no universo Star Wars já feita. Esqueça fan service desnecessário, esqueça piadinhas bobas, esqueça até dos Jedi e dos sabres de luz. Não deveria ser surpresa, pois ela é baseada no melhor filme derivado de Star Wars, "Rogue One", dirigido por Gareth Edwards em 2016. O ás na manga aqui está no roteirista/produtor/diretor Tony Gilroy; diz a lenda que Gilroy resgatou "Rogue One", que tinha um roteiro perdido e sem foco, reescrevendo grande parte do filme e criando um final emocionante. Deu certo.


"Andor" volta alguns anos na história de "Rogue One" e apresenta o surgimento de um de seus heróis, Cassian Andor (Diego Luna), que está mais para um anti-herói, na verdade. Andor é um órfão que vive de golpes e pequenos roubos. Ele não tem aquele ar "perfeito" de um Luke Skywalker, muito pelo contrário. Como visto em "Rogue One", ele não pensa duas vezes antes de matar alguém a sangue frio, se isso for necessário. A série também foca no início da Rebelião contra o Império, uma época entre os três primeiros episódios de Star Wars e a trilogia composta por "Uma Nova Esperança", "O Império Contra-Ataca" e "O Retorno de Jedi".

A Rebelião é representada por um ótimo novo personagem, Luthen, interpretado pelo grande Stellan Skarsgård. Luthen é idealista, mas é também um personagem bastante ambíguo. Curiosa a participação de uma personagem secundária dos filmes originais, a Senadora Mon Mothma (Genevieve O'Reilly), que é colocada em evidência aqui. A série é bastante "pé no chão"; há a sensação (bem-vinda) de que personagens importantes podem morrer a qualquer momento. A série, com 12 episódios, é dividida em alguns "blocos"; há uma história que parece ter saído diretamente de algum filme de 2ª Guerra Mundial (tipo "Comando 10 de Navarone"), quando Andor se junta a um grupo que pretende atacar uma represa e roubar uma fortuna do Império. Há também um "bloco" passado em uma prisão em que conhecemos outro bom personagem, Kino Loy, interpretado por Andy Serkis (a voz de Gollun, de "O Senhor dos Anéis"). Há episódios que lidam com os bastidores da política em Coruscant, a capital do Império, em que vemos a senadora Mothma tentando levantar dinheiro para a Rebelião; e assim por diante.

Como disse, não há em "Andor" espaço para aparições de Darth Vader ou Obi-wan Kenobi. Não há versões fofinhas de um bebê Yoda. Não há cenas com Luke Skywalker rejuvenescido em computação gráfica. O que temos é uma série com roteiros sólidos, boas interpretações e a sensação de que há realmente algo em jogo. Muito bom. Disponível na Disney+.

Eles não envelhecerão (They Shall Never Grow Old, 2018)

Eles não envelhecerão (They Shall Never Grow Old, 2018). Dir: Peter Jackson. HBO Max. Documentário de Peter Jackson em comemoração aos 100 anos do fim da I Guerra Mundial (1914-1918). Jackson teve acesso a 600 horas de entrevistas e 100 horas de imagens feitas durante a guerra; usando a tecnologia de sua produtora de efeitos especiais, Jackson recuperou, colorizou e sonorizou imagens com mais de 100 anos de idade para apresentar a vida de soldados comuns em uma guerra bárbara e insana.

O documentário costura depoimentos de soldados que sobreviveram à guerra e as ilustra, no início, com as tradicionais imagens em preto e branco filmadas na época. Quando os soldados ingleses chegam ao front, no entanto, a imagem se aproxima, fica mais limpa e se torna colorida. Som ambiente e falas foram acrescentados na pós-produção e trazem à vida cenas dos soldados se acotovelando nas trincheiras ou correndo nos campos de batalha. Há depoimentos nada românticos sobre o dia a dia dos soldados, fazendo as necessidades em valas abertas, lidando com piolhos e ratos e usando o mesmo uniforme por anos seguidos. Ao final, a constatação de que os soldados alemães, do outro lado do campo de batalha, não são tão diferente e que todos, no fim das contas, são apenas peões em um jogo que eles não entendem. Disponível na HBO Max. 

sábado, 17 de dezembro de 2022

Pinóquio (Guillermo del Toro's Pinocchio, 2022)

Pinóquio (Guillermo del Toro's Pinocchio, 2022). Dir: Guilllermo Del Toro e Mark Gustafson. Netflix. Belíssima animação em stop motion que é mais uma versão da história de Pinóquio (sendo a mais famosa a feita por Walt Disney em 1940). A versão de Del Toro é, à primeira vista, mais infantil do que eu esperava; quando se pensa sobre o filme, no entanto, você percebe que ele é bastante profundo. "É um filme sobre a Morte", teria dito Del Toro. De fato, uma história sobre um boneco de madeira que ganha vida acaba sendo, também, sobre o oposto (tanto que Tilda Swinton faz a voz tanto da Vida quanto da Morte no filme).

A animação é brilhante, feita com bonecos articulados e todo tipo de técnica, como substituição de rostos (as expressões de Pinóquio são todas "duras", apropriado para um boneco de madeira) ou bonecos articulados nos mínimos detalhes, como Gepeto. Há também cenários belíssimos e algumas cenas complementadas com elementos em computação gráfica, mas o "coração" do filme é todo feito à mão (com mostra um "making of" na mesma Netflix).

O roteiro mistura elementos infantis e até cenas musicais com temas mais pesados como o crescimento do fascismo na Itália e os efeitos das duas guerras mundiais no Século XX (Gepeto perde o filho Carlo, de 10 anos, em um bombardeio na I Guerra Mundial). O trabalho de vozes também é muito bom. Gepeto é interpretado por David Bradley e o vilão Volpe é feito por Christoph Waltz. Ewan McGregor faz um Grilo tão bom que Del Toro aumentou a importância do personagem durante a produção. O resto do elenco ainda conta com as vozes de John Turturro, Ron Perlman, Finn Wolfhard e até a grande Cate Blanchett fazendo um macaco. A trilha é de Alexandre Desplat.

Não é uma obra prima como "O Labirinto do Fauno" (2006), mas trata de vários dos mesmos temas e tem um visual de encher os olhos. Tá na Netflix.

Undone (2019)

 
Undone (2019). Dir: Hisko Hulsing. Amazon Prime Video. Alma (Rosa Salazar) é uma mulher de 28 anos que sofre um acidente de carro. No hospital, ela começa a ter visões do pai, Jacob (Bob Odenkirk), que morreu quando ela era criança. Jacob a leva a uma série de "viagens" entre o passado e o presente, na tentativa de descobrir como ele morreu, e porquê. Ou... talvez tudo esteja acontecendo apenas na cabeça de Alma.

"Undone" é uma série incrível. Confesso que não a conhecia e assisti aos oito episódios da primeira temporada quase que de uma vez só. São episódios curtos (por volta de 25 minutos), muito bem escritos e feitos com várias técnicas de animação. A trama é tão "maluca", com viagens no tempo, alucinações, transformações, etc, que a animação funciona melhor do que se a série tivesse sido feita de forma "realista". A técnica mais usada é a da rotoscopia, que consiste em gravar atores "de verdade" interpretando seus papéis e, depois, os animadores desenham "por cima" das imagens. A técnica é antiga e já foi usada desde animações tradicionais da Disney a filmes mais experimentais como "Waking Life" (2001) e "O Homem Duplo" (2006), de Richard Linklater. Em "Undone" a técnica é tão detalhada que podemos claramente ver as expressões dos atores e, depois de um tempo, você esquece que está vendo uma "animação".

Criada por Kate Purdy e Raphael Bob-Waksberg, a trama de "Undone" levanta ideias metafísicas que são, o tempo todo, questionadas e comparadas com questões de saúde mental. A avó de Alma foi considerada "louca" e internada, mas quem sabe ela simplesmente via as coisas de outra forma? Os roteiros também misturam elementos dos povos antigos da América; a família de Alma é descendente de mexicanos e há um forte senso religioso tanto no catolicismo da mãe quanto nos aparentes "poderes" de Alma (que estariam ligados a seus ancestrais).

Ou, talvez, tudo não passe de uma "loucura" na cabeça de Alma. É uma viagem. Disponível na Amazon Prime Video (inclusive a segunda temporada, que vou ver em seguida).

O Troll da Montanha (Troll, 2022)

O Troll da Montanha (Troll, 2022). Dir: Roar Uthaug . Netflix. Filme norueguês de monstros que funciona melhor se for encarado como uma paródia aos filmes catástrofe americanos. Há muito da estrutura das produções de Roland Emmerich aqui.

Nora (Ine Marie Wilmann) é uma palenteologista que é chamada para um encontro com a primeira ministra da Noruega. Alguma coisa aconteceu durante as escavações em uma montanha, e grandes marcas são vistas na região. As marcas têm claramente o formato de pegadas, mas ninguém quer dizer o óbvio: alguma criatura gigante saiu andando de dentro da montanha. Por coincidência, Nora é especialista em folclore, alimentada por histórias contadas pelo pai, Tobias (Gard B. Eidsvold). Não demora muito e eles descobrem que a criatura é um "troll" da montanha, com direito a barbicha, rabo e tudo.

Como disse, o roteiro segue a linha de filmes como "Independence Day" e "Godzilla", de Roland Emmerich, em que um cientista desacreditado ganha importância diante de fatos extraordinários. Nora, um assistente do governo e um capitão do exército tentam lidar com a criatura gigante, que é imune ao armamento pesado dos militares. O filme se leva a sério e tem produção bem feita. Por incrível que pareça, não é a primeira vez que trolls são vistos em grandes produções; "O Caçador de Trolls", de 2010, já mostrava os monstros lutando contra humanos modernos. Se não levar a sério, dá para se divertir. Tá na Netflix.