sábado, 4 de fevereiro de 2017

Animais Noturnos (Nocturnal Animals, 2016)

As primeiras imagens de "Animais Noturnos" querem, claramente, deixar o espectador incomodado. Uma série de mulheres extremamente obesas dançam como se fossem um bizarro time de chefes de torcida; elas estão nuas e, em câmera lenta, agitam bandeirinhas dos EUA . Parece uma cena gratuita (e talvez seja), mas é o modo como Tom Ford, ex estilista de marcas como Gucci e Yves Saint Laurent, decidiu apresentar a personagem de Amy Adams (de "A Chegada"), Susan. Ela é a gerente de uma galeria de arte e as cenas acima fazem parte de uma exposição. Susan leva uma vida que tinha tudo para ser ideal; ela é bem sucedida, é casada com um homem que parece "perfeito" (Armie Hammer, de "A Rede Social") e mora em um palácio de vidro na colinas de Los Angeles. Mas um olhas sobre seu rosto belo, mas glacial, revela que ela está longe de ser feliz. O marido a está traindo e ela está infeliz com o trabalho. Para completar, ela recebe um pacote do primeiro marido, Edward (Jake Gyllenhaal), o manuscrito de seu primeiro livro, chamado "Animais Noturnos".

O roteiro de Ford (baseado em livro de Austin Wright) é um mosaico formado por três linhas de tempo: uma é o "mundo real", no presente; outra mostra, em flashbacks, o passado de Susan e Edward; a terceira é o conteúdo do livro que Susan está lendo, encenado em cores quentes que contrastam com a frieza de todo resto. As cenas do livro deixam o espectador em dúvida se está assistindo a uma completa invenção ou se é algo que realmente aconteceu no passado de Susan e Edward.

Há uma cena tremendamente perturbadora em que vemos um casal e uma filha adolescente serem atacados na estrada, no meio da noite, por um trio de bandidos liderados por Aaron Taylor-Johnson (diabolicamente asqueroso). É enervante ver como Gyllenhaal tenta agir de forma civilizada com pessoas que claramente agem como animais e você se pergunta porque ele não faz alguma coisa para tentar defender a mulher e a filha. Ele é um covarde? Ele acredita que pode convencê-los a lhes deixar ir civilizadamente? Tudo termina em tragédia e o personagem de Gyllenhaal passa o resto do livro tentando fazer justiça. A investigação é liderada por um policial chamado Bobby Andes, em uma interpretação de Michael Shannon que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante.

As passagens do livro são entrecortadas por cenas do passado de Susan e Edward e é fascinante tentar entender como acontecimentos da vida real dos dois foram "traduzidos" no livro que Edward escreveu. Traumas vividos pelos dois não são encenados como aconteceram na "vida real", mas são extrapolados de forma exagerada pelo escritor. Tudo é muito bem dirigido por Ford, com bela direção de fotografia de Seamus McGarvey e trilha sonora de Abel Korzeniowski que lembra bastante Bernard Herrmann, o compositor preferido de Alfred Hitchcock, e composições de Philip Glass.

As cenas passadas no presente e a cena final, principalmente, deixam a desejar. Senti que faltou alguma coisa para costurar melhor as três linhas desenroladas no decorrer da trama. É possível que tenha sido proposital. A trama do livro pode até encontrar um final satisfatório, coisa que a vida real raramente consegue.

João Solimeo



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