Havia o Robin Williams comediante, com sua performance acelerada, as frases saindo como uma metralhadora, os movimentos ágeis, as dezenas de vozes diferentes, o humor ácido e contundente, de filmes como "Bom dia, Vietnam", "Alladin", "Uma Babá Quase Perfeita" e "Jumanji". Havia também outro Robin Williams, de voz suave e paternal, o olhar triste e introspectivo, que interpretava o professor de "Sociedade dos Poetas Mortos", o psiquiatra de "Gênio Indomável", ou o viúvo trágico de "Amor Além da Vida". E havia ainda outro Robin Williams, pouco conhecido do grande público, que era o ator que se arriscava em filmes independentes como "Retratos de uma Obsessão", "Violação de Privacidade" e "O Melhor Pai do Mundo". Todos estes personagens encontraram um fim trágico em agosto de 2014, quando o corpo do comediante foi encontrado em sua casa, aparentemente vítima de suicídio.
Um de seus últimos filmes, "Boulevard" (a Netflix exibe o filme com o título de "Avenida") traz Williams em um de seus papéis arriscados. Ele interpreta Nolan Mack, um bancário que trabalha há 26 anos na mesma agência, almoça sempre no mesmo lugar e está casado com a mesma mulher (a ótima Kathy Baker) há décadas. Ele parece o marido ideal. É carinhoso com a esposa, lhe leva café na cama, prepara jantares e até lava a louça. Nolan cuida do pai doente em uma casa de repouso e é tão profissional que o gerente do banco está preparando uma promoção para ele.
As coisas, porém, não são exatamente o que parecem. Nolan esconde de todos, até dele mesmo, um segredo; Nolan é gay. Uma noite, voltando da casa de repouso do pai, ele para em um semáforo e é atraído por um garoto de programa chamado Leo (Roberto Aguire). Ele leva o rapaz até um motel mas, apesar da disposição do garoto, Nolan quer "apenas conversar". Os dois começam um "relacionamento" baseado não só na enorme carência de Nolan mas também no seu dinheiro. Leo tenta manter as coisas de forma "profissional" mas, aos poucos, parece corresponder ao interesse de Nolan, que é uma mistura de desejo físico (apesar de quase platônico) e uma preocupação paternal pelo rapaz. A esposa, em casa, finge que não sabe o que está acontecendo, apesar deles dormirem em quartos separados e do marido tratá-la com muito respeito e carinho, mas nenhum (por falta de uma palavra melhor) "tesão".
O filme, escrito por Douglas Soesbe e dirigido por Dito Montiel, é lento e melancólico. Robin Williams carrega o filme nas costas, auxiliado pelo competente elenco (que também conta como Bob Odenkirk, de "Better Call Saul"). O fato de sabermos que foi o último papel de Williams empresta ao personagem ainda mais melancolia e peso. Robin Williams fala pouco, se movimenta devagar e está bem diferente do que se espera dele, mas é uma bela interpretação. O roteiro vai em um crescendo que, infelizmente, leva a um final que me pareceu fácil demais.
Um filme pequeno, bem dirigido e interpretado, que talvez será mais lembrado pela despedida precoce de Williams do que por sua trama. Disponível na Netflix.
João Solimeo
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