Em algum lugar dentro do meu armário está perdida uma fita VHS. Em algum ponto desta fita há uns cinco, seis minutos de uma gravação feita com uma câmera VHS da SHARP cuja bateria pesava mais do que a maioria das câmeras de hoje. A gravação mostra um riacho de onde sai uma fumaça misteriosa, feita com gelo seco, e pela "floresta" (um bosque na cidade de Vinhedo) anda um rapaz de uns quinze, dezesseis anos vestindo um chapéu de Indiana Jones (comprado na Chapéus Cury, em Campinas, que segundo a lenda forneceu o material para o chapéu original de Indy), uma jaqueta de couro e uma bolsa marrom pendurada no pescoço.
Este rapaz era eu.
Confesso que não sei se estas imagens realmente existem ainda ou se a tal fita está entre as dezenas de VHS que estão guardadas no meu armário; mas me lembrando daquele dia em que eu e um amigo fomos criar uma cena de Indiana Jones fica fácil entender a obsessão de três garotos americanos. Depois de terem assistido a "Caçadores da Arca Perdida" no cinema, Chris Strompolos, Eric Zala e Jayson Lamb resolveram que iriam refazer o clássico de Steven Spielberg cena a cena. O projeto, gravado em VHS no porão e nos arredores da casa de um deles, acabou durando mais de sete anos e os meninos foram crescendo em frente às câmeras. A adolescência e os problemas da vida adulta acabaram afastando os três. O filme, porém, foi terminado e, sem o conhecimento deles, ganhou fama no submundo dos festivais de cinema até que a fita foi parar nas mãos do ator e diretor Eli Roth, de filmes de terror como "O Albergue". Ele entrou em contato com os rapazes e organizou sessões que lotaram de cinéfilos e nerds em geral. Steven Spielberg em pessoa tomou conhecimento do filme e chamou os rapazes para conhecê-los.
Tudo isso está em "Raiders!", documentário que a Netflix está exibindo em sua programação. Os fatos citados acima são bastante interessantes e o que o documentário tem de melhor. Há outro aspecto do filme, porém, que me deixou dividido. Os três rapazes são agora adultos com mais de quarenta anos, esposas, filhos, empregos, e eles resolvem que vão produzir uma sequência que não haviam conseguido fazer nos tempos de criança: a cena em que Indy luta com um mecânico grandalhão sob um avião em forma de asa. Se ver um grupo de crianças brincando de ser Steven Spielberg era divertido, fica bem menos interessante (e até um pouco bobo), porém, ver adultos tentando fazer o mesmo. As ótimas cenas de arquivo das crianças refazendo Indy são entrecortadas por longas sequências e entrevistas de quarentões negociando prazos, tentando levantar dinheiro ou simplesmente tentando manter o emprego. Há também aqueles momentos bregas (tipicamente americanos) em que a esposa diz que quer ver o marido feliz e que ele deve "seguir seus sonhos". Há também confissões sobre problemas com drogas, divórcios e os problemas da vida pessoal deles que, pessoalmente, não me interessavam.
No geral, porém, o documentário é bastante divertido e mostra como um filme pode mudar a vida de um grupo de garotos. "Caçadores da Arca Perdida" sempre foi meu filme preferido (não significa que seja "o melhor filme da História do Cinema", entendam a diferença) e perdi as contas de quantas vezes vi em VHS, DVD e, recentemente, em uma reprise na telona do cinema. É fácil ver como o filme fascinou aqueles garotos e os colocou para trabalhar. Quando eles crescem e ficam gritando uns com os outros, porém, fica menos interessante.
João Solimeo