"Não há duas palavras mais prejudiciais na nossa língua do que 'bom trabalho'", diz o professor ao aluno. Esta é a visão de Terence Fletcher (J.K. Simmons, extraordinário), o exigente professor de um conservatório de música de Nova York. Seu aluno é Andrew Neyman (Miles Teller, de "Divergente"), um garoto de 19 anos que colocou na cabeça que vai ser o melhor baterista de jazz do mundo.
Nenhum dos dois é muito simpático, o que é um dos trunfos do filme, que não tenta fazer de Andrew um "coitadinho" nas mãos de Fletcher. Em um mundo ultra competitivo como o da música em Nova York, talento e força de vontade não são o suficiente. "Whiplash" mostra que é necessário treinar e treinar e treinar mais um pouco; e se aparecer a oportunidade de tomar o lugar de outro colega na banda do conservatório, não se deve pensar nem um segundo.
Há entre Fletcher e Andrew mais do que uma relação professor-aluno. O filme lembra mais histórias militares como "Nascido para Matar" (1987), de Stanley Kubrick, e "A força do destino" (1982), de Taylor Hackford, em que um sargento durão abusa física e verbalmente de algum pobre recruta, do que outros filmes sobre música (como "A competição", 1980). Damien Chazelle, o jovem roteirista e diretor, colocou o ator Miles Teller para treinar com um baterista de verdade (Nate Lang, que interpreta o rival de Andrew, Carl) por mais de dois meses, quatro horas por dia. O resultado é bastante convincente. (leia mais abaixo)
Apesar do jazz permear todo o filme, "Whiplash" é mais sobre obsessão e ambição do que música propriamente dita. Andrew chega a colocar um pote com gelo ao lado da bateria para, de tanto em tanto tempo, mergulhar as mãos ensanguentadas de tanto ensaiar. Filho de um escritor frustrado (Paul Reiser, da série "Mad about you", aparentando os 58 anos) e abandonado pela mãe quando criança, Andrew não tem amigos, é solitário e demora para criar coragem para chamar Nicole, que trabalha em um cinema, para sair. A doce cena em que os dois saem para jantar é dos poucos momentos calmos do filme. O resto é um infindável duelo entre a obsessão de Andrew em ser o "número um" e a determinação do professor Fletcher em destruí-lo por puro prazer. J.K. Simmons está excelente. Ele comanda cada cena com um olhar penetrante e um modo de se portar que mostra um homem controlado em cada movimento das mãos, cada virada de página da partitura.
(ATENÇÃO SPOILERS)
O final, apesar de emocionante e o ápice musical do filme, é um pouco contraditório. Ou, talvez, irônico. Fletcher, apesar de todos os seus métodos de tortura física e emocional (ou por causa deles) acaba conseguindo fazer com que Andrew atinja a perfeição. O duelo entre os dois por toda a sequência final é brilhantemente orquestrado pela direção de Chazelle e pela edição de Tom Cross. Inimigos declarados, professor e aluno acabam experimentando uma conexão quase cósmica através da música. Valeu a pena? É discutível. Se há algo que possa ser criticado quanto a "Whiplash" (sem dúvida um dos melhores filmes do ano) é sobre o quão pouco o filme parece gostar de música. Fletcher e Andrew não aparentam gostar do que fazem. A música, ao invés de arte, acaba parecendo mais uma daquelas competições de longa distância. O filme poderia ter sido sobre um professor de atletismo e um rapaz obcecado em atravessar o deserto do Saara a pé. Ao som de Duke Ellington, claro, fica melhor ainda.
ps: "Whiplash" foi indicado a cinco prêmios BAFTA (o "Oscar" britânico), e J.K. Simmons (também indicado a um Globo de Ouro) é grande candidato a uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
João Solimeo
João Solimeo
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