Em maio de 2011, o diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso em Nova York acusado de ter estuprado uma camareira de hotel. Além do cargo no Fundo Monetário Internacional, Strauss-Kahn era cotado como candidato à presidência da república da França. O escândalo forçou sua renúncia do FMI e acabou com suas ambições políticas.
O episódio ganha vida nas telas com roteiro e direção do veterano diretor americano Abel Ferrara ("O Rei de Nova York"), em um filme marcado por polêmicas. Ferrara não está interessado em fazer um thriller convencional, em que o espectador fica tentando descobrir a culpa ou inocência do protagonista. O filme abre com um letreiro explicando o caso, dizendo que o roteiro foi baseado o máximo possível nos fatos conhecidos publicamente, mas que o que aconteceu na intimidade era uma obra de ficção. O letreiro até termina com qualquer suspense ao dizer que o caso foi arquivado pois a justiça entendeu que não havia como provar a versão da camareira.
Do que trata, então, o filme de Ferrara? O grande ator francês Gérard Depardieu ("Minhas tardes com Margueritte") interpreta Devereaux, o diretor do Banco Mundial que está em uma viagem de negócios em Nova York. Desde a primeira vez que o vemos, Devereaux está cercado por prostitutas, mesmo em uma reunião de negócios. Ferrara filma de forma quase documental, com takes longos, uso de lentes zoom e correções de foco (embora não seja aquele estilo nervoso de câmera na mão comum nestes casos). Devereaux não é um homem agradável. Depardieu, enorme em talento e tamanho, enche a tela com um personagem abjeto, que vê toda mulher como algo a ser usada para o sexo.
A primeira meia hora de filme não é confortável de se ver; a câmera de Ferrara filma longas cenas de sexo em grupo, em imagens de gosto duvidoso. Depardieu interpreta Devereaux como um porco, inclusive gemendo de forma animalesca nas cenas de sexo. A necessidade destas sequências é questionável e Abel Ferrara enfrentou vários problemas para lançar o filme (que no Brasil recebeu a classificação etária de 18 anos).
Depois destas intermináveis cenas de sexo chega a cena chave do filme. Uma camareira, sem saber que Devereaux estava no quarto, entra para limpar e o encontra nu, saindo do chuveiro. Ele a vê como mais uma prostituta e parte para cima dela. Ela resiste, foge e o acusa de tentativa de estupro. Tudo é mostrado lentamente por Ferrara, que reproduz as cenas reais de tribunais sem aquele glamour associado a filmes do gênero. As cortes são austeras, rápidas e profissionais. Há uma longa sequência mostrando todos os passos pelos quais Devereaux passa ao ser preso. Novamente, parece que estamos vendo um documentário e há força nas imagens arquitetadas por Ferrara.
A veterana Jacqueline Bisset interpreta Simone, a esposa de Devereaux. É daquelas mulheres que fazem vista grossa para as várias infidelidades do marido e o tratam como um moleque malcriado. Depardieu e Bisset trabalharam com François Truffaut no passado e há até uma cena em que Devereaux está assistindo a um filme do mestre francês, "Domicílio Conjugal". Os dois têm várias sequências juntos em longas cenas que, por vezes, parecem improvisadas.
Não fica muito claro, porém, o que Abel Ferrara quer dizer com esta história. A personagem da camareira desaparece pouco depois da acusação e nunca mais é vista, e o crime de estupro fica perdido em meio ao comportamento escandaloso "normal" de Devereaux. Há cenas que o mostram com outras mulheres, que vão para a cama com ele voluntariamente ou à força. Fica difícil entender qual é o atrativo que este homem desprezível tem. É tudo uma questão de dinheiro? É uma crítica ao sistema financeiro? À política? Por que o espectador deve se interessar por este personagem que, nas palavras do próprio, não sente nada por ninguém, nem por ele mesmo?
Mesmo irregular, porém, a direção segura de Ferrara e a entrega de Depardieu ao papel fazem de "Bem-vindo a Nova York" uma experiência interessante, apesar de não muito agradável. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.
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