sexta-feira, 25 de abril de 2014

Side by Side

Quando estava filmando "Zodíaco" com David Fincher, Robert Downey Jr. resolveu fazer um protesto. O fato do filme estar sendo captado em digital significava que não havia mais as pausas comuns em sets de filmagem para recarregar as câmeras com os rolos de filme, e Fincher fazia os atores trabalhar por 14 horas seguidas. Downey Jr. começou a urinar em potes de vidro e espalhar pelo set, para mostrar que ele precisava parar de vez em quando.

Esta é uma das boas histórias ouvidas no ótimo documentário "Side by Side" ("Lado a Lado", não lançado no Brasil), uma investigação feita pelo ator Keany Reeves sobre uma mudança de paradigma na produção cinematográfica, de película para digital. Por um século, filmes foram feitos usando a película cinematográfica de 35mm (ou, em algumas ocasiões, de 16mm ou 65mm), o que tinha vantagens e desvantagens. A película funciona através de um processo fotoquímico; a luz passa pelas lentes da câmera e impressionam uma tira de filme coberta com material sensível. O filme, depois de exposto, tem que ser revelado (em negativo) e impresso em uma cópia positiva, que era assistida pelo diretor e equipe apenas no dia seguinte às filmagens. A qualidade é excelente, mas o processo é caro e só o Diretor de Fotografia era responsável pela captação das imagens.

No digital a imagem é capturada por um chip eletrônico que, no início, tinha qualidade muito inferior à película cinematográfica, mas havia algumas vantagens; as câmeras digitais são menores, mais leves e portáteis que as pesadas câmera de cinema. Também é possível gravar tomadas com até quarenta minutos de duração (ao contrário dos dez minutos, no máximo, de uma câmera de cinema). Diretores como David Lynch e Danny Boyle contam como isso lhes deu enorme liberdade para lidar com os atores, que podiam interpretar longas cenas sem ter que ficar esperando que as câmeras de cinema fossem recarregadas. Já Christopher Nolan diz que os atores e a equipe não conseguem ficar concentrados por tanto tempo e precisam de uma pausa técnica de vez em quando.


Keanu Reeves explora esta mudança de película para digital não só na captação das imagens, mas também na edição e pós-produção. Até a década de 1990 os filmes eram montados manualmente; os editores trabalhavam diretamente com a película em grandes máquinas chamadas "moviolas". Martin Scorsese conta como as pontas dos dedos chegavam até a sangrar de tanto se cortar e colar pedaços de película com as mãos. Tudo mudou com a chegada de programas de edição como o Avid ou o Final Cut, que trabalham com uma versão digitalizada da película, que era escaneada e transferida para dentro do computador. Também os efeitos especiais, antes feitos com processos físicos caros e demorados, passaram a ser feitos digitalmente no computador. Com a captação das imagens feita em digital, todo este processo de digitalização da película não existe mais.

Scorsese levanta a questão de que, hoje, o espectador não sabe mais o que é "real" na tela. James Cameron, diretor de Avatar (que tem 3/4 das imagens criadas totalmente em computador) rebate dizendo que, no cinema, nunca se filmou a realidade. "O que é real?", pergunta ele a Keanu Reeves. "Há dezenas de pessoas em um set de filmagem, há um cara segurando o boom do microfone, há um técnico em cima da escada mostrando o traseiro. Nada disso é real". O surgimento de câmeras digitais especializadas em cinema, como a RED e a ARRI Alexa, aparentemente, enterraram de vez a película cinematográfica. "Eu tenho vontade de ligar para a película e dizer que conheci outra pessoa", diz Steven Soderbergh, que é um dos defensores do cinema digital. Há diretores como Steven Spielberg, Christopher Nolan, Zach Syder e Martin Scorsese, porém, que ainda trabalham com película, e vários filmes ainda são feitos em filme em Hollywood. Mas o fim da película é inevitável.

Tudo isso pode parecer técnico ou nerd demais para o espectador comum, mas o documentário levanta questões que interessam a todos. Esta mudança do analógico para digital não engloba só o cinema, mas praticamente tudo à nossa volta. Transações bancárias, divulgação de notícias, compartilhamento de música e várias outras coisas passaram por esta transformação e ainda não sabemos qual impacto isso terá no futuro. Um dos maiores problemas levantados por "Side by Side" é com relação à preservação desta enorme quantidade de material digital. Os filmes em película podem durar mais de um século. Qual a validade de um disco rígido de computador? O que vai acontecer com todos estes filmes digitais feitos nos últimos anos? Ou será que nada disso importa, e estamos vivendo em uma cultura descartável, que vai desaparecer em poucos anos? São questões importantes para entendermos o mundo de hoje.

Site oficial (o filme está disponível "on demand" apenas para os Estados Unidos, mas pode ser encontrado na internet)


Nenhum comentário: