segunda-feira, 17 de março de 2014

Walt nos bastidores de Mary Poppins

Há 50 anos, em 1964, os estúdios de Walt Disney lançaram "Mary Poppins", um musical estrelado por Julie Andrews e Dick Van Dyke. O filme rendeu mais de cem milhões de dólares, ganhou 5 Oscars e se transformou em um clássico infantil. Poucos sabem quem é a criadora original da personagem e o quão difícil foi para Disney conseguir os direitos para fazer o filme. Mary Poppins apareceu pela primeira vez em um 1934, fruto da imaginação da escritora P.L. Travers, uma mulher enigmática que se passava por inglesa mas, na verdade, era uma australiana chamada Helen Goff.

As filhas de Disney teriam se apaixonado pela história quando crianças e Walt passou os próximos 20 anos tentando convencer a escritora a lhe vender os direitos autorais. É preciso notar que Disney criou um império com animações baseadas em histórias de domínio público, como "Branca de Neve", "Cinderella" ou "A Bela Adormecida", e era um homem acostumado a ter controle sobre suas produções. P.L. Travers (interpretada muito bem por Emma Thompson) desprezava os desenhos animados de Disney (Tom Hanks, "Capitão Philips"), mas concordou em viajar para Los Angeles, em 1961, para se sentar com os roteiristas e tentar chegar a um acordo. Mas ninguém imaginaria com qual fúria Travers defenderia seu personagem. Segundo o filme, ela exigia que todas as reuniões fossem gravadas e implicava com tudo, do bigode usado pelo Sr. Banks até o uso da cor vermelha, que ela não permitia que fosse usada no filme; ela nem queria ouvir falar nas cenas com animações que Disney planejava fazer. (leia mais abaixo)


"Walt nos bastidores de Mary Poppins" (o título explicativo horroroso escolhido por aqui para "Saving Mr. Banks") é uma versão simpática (e bastante ficcional) do confronto entre estas duas mentes criativas e teimosas. O filme foi feito pelos próprios estúdios Disney, e era de se esperar que a trama fosse pintada com cores mais leves e otimistas do que deve ter sido a história real. O roteiro de Kelly Marcel e Sue Smith misturam, com diferentes graus de sucesso, a história da infância de Travers, na Austrália, com sua viagem para Hollywood. O pai da escritora (interpretado por um surpreendente Colin Farrell) era um homem sonhador que arrastou esposa e três filhas para uma zona rural nos confins da Austrália. Apesar de amoroso com as filhas, ele sofria com o alcoolismo, que destruiu sua vida. Estas cenas são intercaladas com cenas de Travers nos anos 1960, lutando por manter Mary Poppins intacta contra o que julgava ser uma "Disneyficação" da personagem. Após muitas discussões e uma boa dose de sacrifício do próprio Walt Disney, tudo termina em um obrigatório final feliz. Para este filme, funciona.

Quem pesquisar sobre a história real, no entanto, vai descobrir que não foi bem assim. A história de P.L. Travers renderia muito mais do que um problema freudiano com o pai alcoólatra. Em 1939, ela adotou um garoto de uma família irlandesa, mas não lhe contou a verdade. Segundo este bom documentário da BBC, quando P.L. Travers estava em Hollywood fazendo um filme sobre uma tradicional família inglesa, o filho adotivo estava preso na Inglaterra por dirigir embriagado. Há também rumores de que Travers era homossexual. Nada disso está no filme. A relação com Disney foi ainda mais complicada; Travers teria odiado "Mary Poppins" e, mesmo depois da première em Los Angeles, teria tentado fazer Disney tirar as sequências animadas. Por outro lado, o documentário conta que o contrato da escritora lhe dava direito a 5% da renda do filme, o que a deixou milionária para o resto da vida.

Como ficção, no entando, "Walt nos Bastidores de Mary Poppins" é agradável. O elenco é ótimo (apesar de Tom Hanks não parecer muito Walt Disney) e a recriação de época é bastante fiel. P.L. Travers,  no entanto, teria odiado este filme.

Câmera Escura

terça-feira, 11 de março de 2014

Amor Bandido

O fugitivo Mud (lama, em inglês) é tão escorregadio quanto seu nome. Para os garotos Ellis (Tye Sheridan, de "Árvore da Vida") e Neckbone (Jacob Lofland) ele representa tanto uma fascinação quanto uma ameaça. A cena em que os dois garotos encontram Mud (Matthew McConaughey, de "Clube de Compras Dallas") pela primeira vez parece saída de algum sonho, ou pesadelo. Mud surge do nada na praia de uma pequena ilha do rio Mississippi. Os garotos haviam ido até lá ver um barco que fora carregado pela água até a copa de uma árvore. Mud já havia tomado posse do barco e o transformado em uma morada temporária. Quem é ele? Como foi parar sozinho naquela ilha? Por que ele carrega uma arma na cintura? Neckbone, o mais desconfiado, não quer ter nada a ver com ele, mas Ellis lhe promete voltar com comida e mantimentos. (leia mais abaixo)


"Amor Bandido" ("Mud", 2012) tem roteiro e direção de Jeff Nichols e lembra filmes como "Conta Comigo" ("Stand by me", de Rob Reiner, 1986), clássico juvenil com River Phoenix, Will Wheaton e Corey Feldman. Até o visual dos garotos lembram Phoenix (que morreu em 1993) e o filme também lida com pré-adolescentes de forma adulta e séria. Ellis e Neckbone têm 14 anos mas enfrentam problemas adultos no dia a dia. Ellis mora com os pais (Sarah Paulson, de "12 Anos de Escravidão" e Ray Mckinnon), que estão à beira do divórcio. Neckbone mora com um tio (Michael Shannon, de "Foi apenas um sonho" e "Homem de Aço") que vive de resgatar coisas do fundo do rio. O ambiente familiar fragmentado faz com que os garotos vejam em Mud uma espécie de figura paterna. Ellis, particularmente, é afetado pela história contada por Mud, que diz que está tentando encontrar uma namorada de infância, Juniper (Reese Whiterspoon) e fugir com ela. Ele é obcecado pela garota e está sendo procurado pela polícia pelo assassinato de um antigo namorado dela.

Ellis e Neckbone passam a ajudar Mud de diversas formas, inclusive se arriscando, pois um grupo de caçadores de recompensa chega à cidade (liderados pelo veterano Joe Don Baker). Estas sequências, aliás, são pouco verossímeis, e o filme se arrasta um pouco durante a segunda metade. Há um vai e vem entre a cidade e a ilha, com os meninos servindo ora como protagonistas, ora como garotos de recados. Há também um romance agridoce entre Ellis e uma garota mais velha que rende boas cenas, mas também desvia um pouco a trama. O grande Sam Shepard faz uma participação especial importante, particularmente nas sequências finais. Falando em final, "Amor Bandido" termina de forma um tanto aleatória, como se o diretor/roteirista não soubesse como finalizar a trama. É um bom filme, porém. Matthew McConaughey está muito bem e este é um dos exemplos recentes da sua escolha por filmes de qualidade.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Vidas ao Vento

Um dia, talvez, o Ocidente vai entender a diferença entre "animação" e "desenho animado". O termo geralmente traz embutida e ideia de um produto infantil, feito para distrair as crianças enquanto os adultos têm um pouco de paz. Não há nada de "errado" em se divertir com um bom desenho animado, com as diabruras do "Pica Pau", "Tom & Jerry", ou se maravilhar com histórias da Disney/Pixar. Uma animação, no entanto, pode ser chocante como "Pink Floyd - The Wall", ou fazer pensar como "Valsa com Bashir".

E há Hayao Miyazaki, lenda viva da animação japonesa, que comemorou 73 anos e anunciou (mais uma vez), sua aposentadoria após lançar "Vidas ao Vento" (Kaze Tachinu) ano passado. O fato de "Vidas ao Vento" ser feito em animação é, ao mesmo tempo, fundamental e um "detalhe". "Detalhe" porque ele tem a estrutura de um filme feito com atores, baseado levemente na vida real do designer de aviões Jiro Horikoshi. Ao mesmo tempo, a técnica da animação permite que Miyazaki construa planos fantásticos de uma beleza irretocável, mesmo em sequências trágicas como o devastador terremoto de 1923, que reduziu  a cidade de Tokyo (e arredores) a cinzas. Apesar deste ser o filme mais realista de Miyazaki, há lugar para vários voos da sua imaginação fértil, principalmente nas sequências de sonhos de jovem Jiro, um garoto míope que sonhava em ser piloto de aviões. É fácil perceber a ligação entre Jiro e o próprio Miyazaki. Os dois sonhavam em voar e em "construir coisas lindas", dedicando suas vidas a realizar seus sonhos a partir de linhas traçadas no papel. No filme, Jiro tem sonhos constantes com um designer italiano chamado Caproni, que lhe diz que aviões não deveriam ser usados em guerras, mas sim para serem máquinas maravilhosas que transportam pessoas. (leia mais abaixo)


Como na vida real, há várias contradições no personagem de Jiro Horikoshi e no filme de Hayao Miyazaki. A animação causou certa controvérsia por ter como herói um homem que, no fundo, construiu armas mortais, os famosos caças "Zero" japoneses, que causaram destruição e mortes na 2ª Guerra Mundial. Jiro sabia que suas "máquinas de sonhos" seriam usados para matar? Claro que sim, mas não é tão simples assim. Jiro era uma pessoa real, com sonhos e necessidades como qualquer um, que viveu em uma época extremamente conturbada da Humanidade, em um país em decadência que tentava se colocar em pé. Há várias cenas do filme em que vemos como a crise econômica está desolando o Japão, com centenas de desempregados vagando pelas linhas dos trens e multidões desesperadas tentando sacar dinheiro nos bancos em falência. Jiro e seus companheiros de trabalho na Mitsubishi eram homens práticos, dedicados à evolução das máquinas voadoras e, no fundo, um tanto espantados com a histeria militarista que tomava conta do Japão e da Alemanha, para onde Jiro é enviado para estudar os aviões da empresa Junkers. Há cenas em que Jiro e Honjo, seu colega de trabalho, ficam imaginando onde é que a Marinha pretende usar todos aqueles aviões que ele estão planejando construir. O próprio Miyazaki, em um comunicado, falou contra a atual onda militarista que estaria ocorrendo no Japão, com políticos tentando mudar a constituição e voltar a construir armas. E um olhar atento vai perceber como "Vidas ao Vento" é contrário à guerra, principalmente nas sequências finais.



Tecnicamente, o filme é um assombro. Hayao Miyazaki, além de roteirista, diretor e produtor, costuma desenhar pessoalmente várias das sequências animadas, com seu traço característico. Vale notar também o inventivo trabalho de som; quase todos os efeitos sonoros, dos motores dos aviões ao rugido do terremoto, foram feitos através de vozes humanas. A trilha sonora é do tradicional colaborador de Miyazaki, o ótimo Jou Hisaishi. É possível ver ecos e referências de vários trabalhos anteriores do mestre japonês, assumidamente fanático por máquinas voadoras. Há cenas que lembram "Nausicaa do Vale dos Ventos" (1984), "O Castelo no Céu" (1986) e "Porco Rosso" (1992). Alguns momentos são técnicos demais, como nas cenas em que vemos dezenas de jovens engenheiros vibrando por causa de um novo tipo de rebite usado nas asas, por exemplo. Estas cenas ficam bem longe da deliciosa fantasia de "Ponyo" (2008). Em meio a tudo isso, porém, há ainda espaço para uma delicada história de amor entre Jiro e Naoko, uma garota tuberculosa por quem ele é apaixonado. Workaholic convicto, porém, o relacionamento dos dois se resume às poucas oportunidades em que ele não está trabalhando. "Se houvesse uma competição para ver quem consegue usar usa régua de cálculo com uma mão só, eu ganharia", diz Jiro em uma cena tocante em que Naoko se recusa a soltar a mão do marido.

Se for mesmo o último trabalho de Hayao Miyazaki, será uma bela despedida. É um filme longo, contraditório e político que consegue ser, ao mesmo tempo, mágico. É um feito e tanto.

Câmera Escura

domingo, 2 de março de 2014

Vencedores do OSCAR 2014


"12 Anos de Escravidão" foi o vencedor de Melhor Filme da noite. "Gravidade", no entanto, foi o que mais ganhou prêmios, com sete Oscars, inclusive Melhor Diretor (Alfonso Cuarón). Matthew McConaughey e Cate Blanchett, como esperado, foram Melhor Ator e Melhor Atriz.

Confira abaixo a lista de vencedores do Oscar 2014, na ordem em que foram apresentados:

Melhor Ator Coadjuvante: Jared Leto, "Clube de Compras Dallas"

Melhor Figurino: "O Grande Gatsby" - Catherine Martin

Melhor Maquiagem: "Clube de Compras Dallas" - Adruitha Lee and Robin Mathews

Melhor Curta-Metragem de Animação: "Mr. Hublot" - Laurent Witz e Alexandre Espigares

Melhor Animação em Longa-Metragem: "Frozen - Uma Aventura Congelante"

Melhores Efeitos Especiais: "Gravidade"

Melhor Curta-Metragem: "Helium" - Anders Walter e Kim Magnusson

Melhor Documentário Curta-Metragem: "The Lady in Number 6: Music Saved My Life" - Malcolm Clarke e Nicholas Reed

Melhor Documentário Longa-Metragem: "20 Feet from Stardom"

Melhor Filme Estrangeiro: "A grande beleza" (Itália)

Melhor Mixagem de Som: "Gravidade" - Skip Lievsay, Niv Adiri, Christopher Benstead e Chris Munro

Melhor Edição de Som: "Gravidade" - Glenn Freemantle

Melhor Atriz Coadjuvante: Lupita Nyong'o - "12 Anos de Escravidão"

Melhor Fotografia: "Gravidade" - Emmanuel Lubezki

Melhor Edição: "Gravidade" - Alfonso Cuarón e Mark Sanger

Melhor Desenho de Produção: "O Grande Gatsby" - Catherine Martin e Beverley Dunn

Melhor Trilha Sonora: "Gravidade" - Steven Price

Melhor Canção: “Let It Go” -  "Frozen - Uma Aventura Congelante" - Música e Letra de Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez

Melhor Roteiro Adaptado: John Ridley - "12 Anos de Escravidão"

Melhor Roteiro Original: "Ela" - Spike Jonze

Melhor Diretor: Alfonso Cuarón - "Gravidade"

Melhor Atriz: Cate Blanchett - "Blue Jasmine"

Melhor Ator: Matthew McConaughey - "Clube de Compras Dallas"

MELHOR FILME: "12 Anos de Escravidão" - Steve McQueen

Philomena

Em 1951, uma jovem chamada Philomena Lee (Sophie Kennedy Clark) engravidou após um caso passageiro com um rapaz. De família católica, Philomena foi enviada pelo pai a um convento, onde teve um menino chamado Anthony. Philomena foi obrigada a trabalhar praticamente como escrava por quatro anos no convento, para "pagar" a estadia, e viu, desesperada, o filho ser tirado de suas mãos e ser entregue para adoção. Cinquenta anos depois, Philomena (interpretada pela maravilhosa Judi Dench), quebra o voto de silêncio e conta sua história a um jornalista chamado Martin Sixmith (Steve Coogan), que se propõe a ajudá-la a achar o filho perdido meio século antes.

"Philomena" é dirigido por Stephen Frears, bom diretor de "Ligações Perigosas" (1988), "Alta Fidelidade" (2000) e "A Rainha" (2006). O roteiro é co-escrito pelo ator Steve Coogan, que se interessou pela história ao ler o livro do jornalista Martin Sixmith. "Philomena" é o tipo de filme que cresce conforme vai se desenrolando, graças a um roteiro bem escrito e, claro, à ótima interpretação de Judi Dench, que foi indicada ao Oscar pelo papel. Esqueçam "M",  a mulher fria e inteligente que diz a James Bond o que fazer. Com Philomena, Dench cria uma personagem que, assim como o filme, é bem menos superficial do que parece. Fica difícil falar sobre a trama sem entregar muitos "segredos" da história, mas a busca de Philomena e Martin pelo garoto perdido os leva até os Estados Unidos, onde se descobre que o rapaz se transformou em um assessor político durante os governos de Reagan e Bush. (leia mais abaixo)


Grande parte do charme da fita reside na relação entre Philomena e Martin. Ela é a típica "velhinha", cheia de manias, ingênua, que gosta de ler romances baratos e de conversar com as pessoas. Já Martin é um jornalista calejado, cínico, profundamente ateu e naturalmente desconfiado. Ele não consegue entender como é que Philomena consegue manter a fé mesmo depois de tudo que as freiras (e, por tabela, a Igreja Católica) fizeram com ela. Em suas investigações, Martin descobre que o convento chegou a vender crianças filhas de mães solteiras para casais americanos, nos anos de 1950, por até mil libras.  Philomena, mesmo assim, tenta passar ao jornalista o conceito de "perdão". "Philomena", um filme relativamente pequeno e discreto, conseguiu quatro indicações ao Oscar, inclusive para melhor filme (além de atriz, roteiro adaptado e trilha sonora). Em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.