quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Até o fim

"Sinto muito. Sei que isso não significa muito agora, mas sinto". Uma narração no início de "Até o fim" ("All is Lost"), além de alguns gritos por socorro, são todas as palavras ditas durante o filme. Em cena, apenas um personagem, interpretado solidamente por Robert Redford, 77 anos. Ele é um americano que se encontra em um veleiro no meio do oceano. Uma dia ele é acordado por um estrondo e percebe que há um rombo no casco. Um container à deriva trombou com seu veleiro e a água entra rapidamente pelo buraco. Redford não se desespera. Metodicamente, ele consegue soltar o barco e, nos dias seguintes, empenha-se em consertar o buraco e bombear a água para fora.

Não sabemos quem ele é, ou o que está fazendo sozinho no mar. Não importa. Os créditos o identificam penas como "Our Man" ("Nosso homem"), e acompanhamos passo a passo sua jornada solitária. Escrito e dirigido por J.C. Chandor (de "Margin Call"), "Até o fim" é tudo aquilo que filmes como "O Náufrago" (Robert Zemeckis, 2001), com Tom Hanks, tentaram ser, mas não tiveram a coragem de conseguir. Esqueça o antes e o depois (e todos aqueles merchandisings), esqueça o "personagem" Wilson (a bola de vôlei com quem Tom Hanks conversa o tempo todo). "Até o fim" se baseia apenas nas ferramentas narrativas do cinema e na soberba interpretação de Redford para contar sua história. Curiosamente, há muitas semelhanças entre este filme e "Gravidade", lançado em 2013; os dois mostram náufragos solitários tendo que lidar com as leis da natureza para conseguir sobreviver. Em "Gravidade", porém, a personagem de Sandra Bullock tem George Clooney e há várias comunicações com o controle da missão, na Terra, mesmo quando ele se encontrava mudo. Robert Redford não tem ninguém. É um homem moderno, solitário, abalroado por um container à deriva, cheio de objetos de consumo, tão indiferente a ele quanto os grandes cargueiros que, em dado momento, cruzam seu caminho. (mais abaixo)



O fato de ser um praticamente mudo e ter apenas um personagem não significa que seja um filme tedioso. Pelo contrário, o roteiro inteligente torna o espectador cúmplice do personagem de Redford, compartilhando seus medos. Há cenas aterrorizantes de tempestades em que o barco gira como uma boia, e o espectador gira junto. O trabalho de som é excelente e, na falta de diálogos, escutamos o barulho das ondas, o rangido dos mastros, o estalar das velas e dos trovões. Um diretor menos corajoso teria criado um personagem "fantasma" qualquer (como a bola de vôlei de Tom Hanks ou mesmo o tigre de "As Aventuras de Pi"), com quem Redford pudesse interagir, ou teria colocado narrações para explicar o que está acontecendo. A câmera de Chandor se fixa no rosto do ator e, por suas expressões e ações, entendemos o que ele está fazendo. Cinema puro.

Câmera Escura

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