quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente

Uma pena que este filme tenha sido mais comentado por causa das cenas de sexo do que pelas outras coisas que tem a oferecer. As cenas existem e são "fortes" sim mas, em plena segunda década do século 21, sexo não deveria ser considerado novidade no cinema. Filmes como "O Amante" (1992), de Jean-Jacques Annaud ou, mais recentemente, "Desejo e Perigo" (2009), de Ang Lee (sem falar em séries de TV como "Game of Thrones") levaram a representação do ato sexual ao limite. O diferencial das cenas em "Azul é a cor mais quente", talvez, seja a longa duração; considerando que o filme tem mais de três horas, porém, sexo é apenas um detalhe.

"Azul é a cor mais quente" é dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche (do perturbador "Vênus Negra"), que escreveu o roteiro baseado em uma série de quadrinhos. Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma adolescente que está em dúvida sobre sua sexualidade. Bonita, ela atrai a atenção dos rapazes (e garotas) da escola, e chega a transar com um colega, mas ela sente que falta alguma coisa. "Parece que estou sempre fingindo", diz ela a um amigo gay. A "alguma  coisa" de que ela sente falta aparece na forma de uma garota mais velha, Emma (Léa Seydoux, de "Missão: Impossível - Protocolo Fantasma"), que ela vê passando na rua. As duas acabam se conhecendo em um bar gay e começam a sair juntas. Ao contrário do que a publicidade em torno do filme dá a entender, elas não pulam direto na cama. Leva quase uma hora e meia para que as duas, finalmente, durmam juntas. Este é um filme europeu, e as personagens ficam conversando sobre arte e filosofia, citando trechos de Sartre em longos diálogos muito bem interpretados pelas atrizes e coreografados por Kechiche. É um filme plasticamente bonito de se ver, com fotografia primorosa de Sofian El Fani que, auxiliado pela direção de arte e figurino, compõe quadros em que a cor azul é predominante. Emma é estudante de Belas Artes e Adèle está estudando para ser professora. Emma é mais velha e segura de si, enquanto que Adèle parece estar sempre com "fome". A presença de comida, aliás, é constante por todo o filme; do lanche que Adèle faz com um rapaz, no início, passando pela macarronada preparada por seu pai aos frutos do mar feitos pelos pais de Emma, os personagens estão sempre comendo alguma coisa. Após um beijo em uma cena sensível passada no parque, as duas acabam finalmente na cama, e começa a longa cena de sexo sobre a qual estão todos falando. Curiosamente, o contato físico é tão grande e explícito que, a meu ver, o sexo esfria o filme. Há mais intimidade nos olhares trocados por Emma e Adèle no bar, falando sobre arte, do que nos malabarismos filmados detalhadamente por Kechiche. Estas cenas são necessárias? Talvez, mas não pelo tempo que consomem.


Falando em "tempo", o roteiro esconde sua passagem em frases dos diálogos, mudanças nos penteados e em outros pequenos detalhes. Emma leva Adèle para conhecer os pais, por exemplo, e eles comentam que queriam conhecê-la "há meses". Em uma festa, vemos uma mulher que está grávida e, em outra cena, descobrimos que sua filha já está com três anos. Adèle se torna professora do maternal e pré-primário e gosta do seu trabalho, mas Emma gostaria que ela fizesse algo mais criativo. Como em qualquer drama de romance (hétero ou gay), há cenas de ciúmes, traições e corações partidos, tudo apresentado no ritmo lento com que Kechiche leva a narrativa.

"Azul é a cor mais quente" ganhou a Palma de Ouro em Cannes e tanto o diretor quanto as duas atrizes foram premiados. A julgar por entrevistas dadas por elas, as filmagens foram tudo, menos harmoniosas. As atrizes descrevem Kechiche como um ditador no set, refazendo a mesma cena centenas de vezes. Talvez tudo não passe de marketing. O que fica das três horas acompanhando a "vida de Adèle" (do título original) é um cinema extremamente bem feito e, em grande parte, sensível e honesto. A interpretação das atrizes varia; a personagem de Emma (e a interpretação de Seydoux) crescem bastante durante a narrativa, enquanto que Adèle me pareceu melhor na primeira metade. Tirando a polêmica, o que sobra é bom cinema.



Um comentário:

Unknown disse...
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