Ali (Matthias Schoenaerts) é um bruto; ele é alto e forte como um touro. Quanto tem fome, ele se alimenta. Quando quer sexo, transa com a professora da academia, ou com a babá do filho de cinco anos, Sam. Imigrante belga, chega à França com o garoto e a roupa do corpo, indo morar com uma irmã que não via há cinco anos, Anna (Corinne Masiero). Ela lhe consegue um emprego como segurança em uma casa noturna, e é lá que Ali conhece Stéphanie (Marion Cotillard, de "Piaf, um hino ao amor"). Na primeira cena em que a vemos, ela está com o nariz sangrando, resultado de uma briga, provavelmente com um homem que avançou o sinal. Ali a leva para casa e lhe deixa seu telefone.
Stéphanie, de aparência frágil e olhar triste, está acostumada a lidar com grandes animais. Ela trabalha como adestradora de baleias Orca em um show aquático. Durante uma apresentação acontece um acidente grave, e Stéphanie é quase esmagada por uma baleia. Quando acorda no hospital, horas mais tarde, ela descobre que perdeu as duas pernas, abaixo do joelho. Meses depois, deprimida e morando sozinha em um apartamento de frente para o mar, ela liga para Ali. Começa assim um relacionamento difícil de definir.
"Ferrugem e Osso" é um filme singular, ao mesmo tempo sensível e brutal. Dirigido por Jacques Audiard (do também excepcional "O Profeta", 2009), o roteiro abarca vários temas, conseguindo escapar da maioria dos clichês. É um filme sobre pais e filhos sem ser piegas. É um filme sobre deficiente física, mas não é necessariamente sobre superação. É até um filme de luta, mas não espere um final estilo "Rocky". O que une o brutamontes Ali e a frágil Stéphanie? O que ela consegue ver nele que os outros não vêem? Quando ele a ajuda, na boate, ele lhe diz que ela está "vestida como uma puta". Por outro lado, ele a trata com a mesma gentileza e carinho desajeitados com que trata do filho. Ele a leva até a praia e a coloca dentro da água. Ele a ajuda e lhe faz companhia. Quando Stéphanie confessa que há meses não tem nenhum relacionamento e nem sabe mais se está tudo "funcionando", porém, ele simplesmente pergunta: "Quer transar?". Ela, a princípio, parece chocada, mas o que ela tem a perder? Após o sexo, ele lhe diz que, quando ela quiser, é só chamar. Mutilada física e emocionalmente, é como se, ao lidar com Ali, Stéphanie estivesse de volta ao tanque das baleias. Cotillard tem uma performance excepcional (deveria ter sido indicada ao Oscar). Seu rosto revela as emoções conflitantes de Stéphanie, ao mesmo tempo atraída e repelida pela masculinidade básica, primitiva, de Ali. Quando este lhe diz, por exemplo, que vai participar de lutas de rua clandestinas, de início ela tenta fazê-lo mudar de ideia. Quando falha, porém, ela começa a acompanhá-lo e, aos poucos, representa um papel cada vez mais importante ao lado dele. Um parêntese deve ser feito com relação aos efeitos especiais que tiraram as pernas de Cotillard. Eles são de tal modo integrados (e necessários) à trama que se tornam invisíveis.
Matthias Schoenaerts também está muito bem como Ali. Há grande naturalidade nas cenas em que ele interage com o filho, e não é fácil interpretar um personagem tão ambíguo. Ali é um homem educado pela vida, ainda em formação e com muito a aprender. O relacionamento com Stéphanie é, provavelmente, o primeiro que envolve mais que apenas sexo, embora isso não pareça muito claro para o personagem. É na questão da paternidade, no entanto, que está o principal desafio de Ali, e as sequências finais o colocam ainda mais à prova. Grande filme. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.
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