Interessante ver como uma obra pode ser traduzida para diferentes mídias, com diferentes graus de sucesso. "Os Miseráveis" é um livro escrito por Victor Hugo em 1862. A trama segue a vida de Jean Valjean, um homem condenado a 20 anos de trabalhos forçados por roubar um pedaço de pão. Ao ser solto, ele foge da condicional e assume diversas outras identidades para não ser preso pelo cruel Inspetor Javert. A história de Victor Hugo foi transformada em um musical por Claude-Michel Schönberg e Alains Boublil em 1980, em Paris, e depois ganhou apresentações em Londres, Nova York e, com o grande sucesso, no resto do mundo.
A versão cinematográfica do musical de Schömberg ficou a cargo do diretor britânico Tom Hooper, que ganhou o Oscar de diretor pelo simpático "O Discurso do Rei", em 2010. O filme é uma superprodução pomposa com 157 minutos de duração, é todo cantado e tem um elenco estelar. Hugh Jackman (o eterno "Wolverine") é Jean Valjean, um ex-presidiário que assume outra identidade (o Sr. Madeleine), prospera e se torna o prefeito de uma cidade ao sul da França. Em seu encalço está o Inspetor Javert (Russel Crowe, de "Intrigas de Estado", "72 Horas"), um policial com um firme código de conduta que, mesmo após anos, ainda procura por Valjean. Anne Hathaway (do último "Batman") é Fantine, uma mãe solteira que é levada à prostituição após perder o emprego em uma das fábricas de Valjean; ela se prostitui para enviar dinheiro para um casal que cuida da filha dela, Cossete (Isabelle Allen quando criança, Amanda Seyfried quando adulta). O destino leva Valjean a prometer a Fantine, no leito de morte, que cuidará da filha dela como se fosse sua, e após fugir mais uma vez de Javert, Valjean se refugia em um mosteiro com a menina. A trama pula para 1832, quando um grupo de revolucionários parisienses planeja uma rebelião. Cosette, já adulta, atrai a atenção de um dos rebeldes, o jovem Marius (Eddie Redmayne, de "Sete dias com Marilyn"). Tudo poderia terminar em uma sangrenta batalha em Paris, mas a trama ainda se estende até os últimos suspiros de Jean Valjean, já velho e ainda procurando pela paz.
O diretor Tom Hooper tomou algumas decisões arriscadas nesta versão de "Os Miseráveis". Uma, que deu certo, foi fazer os atores cantarem ao vivo durante as filmagens, ao invés de dublarem uma trilha pré-gravada. Isso trouxe mais realismo para as interpretações, que soam mais naturais do que geralmente se vê em musicais. Outra decisão, que não funcionou bem, foi aproximar a câmera o máximo possível dos atores durante as quase três horas de filme. Anne Hathaway tem grandes chances de levar o Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua interpretação de "I dreamed a dream", a melhor música do filme, realizada em um plano ininterrupto de mais de três minutos de duração. A câmera fechada em Hathaway, sem cortes, passa todo o desespero da mãe que um dia teve uma vida feliz e que agora chegou ao fundo do poço, cabelos e dentes arrancados, trabalhando como prostituta e longe da filha. O problema é que o diretor usa a mesma tática em quase todos os números musicais, o que torna o filme desnecessariamente claustrofóbico. Percebe-se por trás dos atores grandes cenários (ou a sugestão deles) que simplesmente não são vistos, porque o diretor insiste em filmar em plano fechado. Há um solo de Russell Crowe em que a cidade de Paris está em segundo plano, mas é noite e podemos ver apenas as torres da Notre Dame, o resto da cidade fica na penumbra (o que é um velho truque para disfarçar efeitos especiais). O filme é longo e melodramático, o que causa tanto o choro de parte da platéia quanto a falta de paciência de outros, que abandonaram a sessão. "Os Miseráveis" foi indicado a oito Oscars, incluindo melhor filme, ator (Hugh Jackman) e atriz coadjuvante (Anne Hathaway).
ps: o longo plano de Hathaway já ganhou uma paródia no youtube em que a atriz Emma Fitzpatrick (cantando muito bem) brinca com a cena. A letra diz coisas como "eu perdi metade do meu peso, mas eles não fizeram nenhum plano aberto". Veja aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário