Quentin Tarantino continua fazendo seu tipo característico de cinema, parte paródia, parte homenagem. Desde "Cães de Aluguel" (1992), passando por "Pulp Fiction" (1994), "Jackie Brown" (1997), "Kill Bill" (2003 e 2004), "À prova de morte" (2007) a "Bastardos Inglórios" (2009), Tarantino recriou e reciclou filmes de guerra, artes marciais, "blacksploitation", etc. Com "Django Livre", a coisa fica ainda mais complicada. É um "faroeste", mas não do tipo feito por mestres como John Ford. "Django Livre" é a paródia da paródia, um filme americano ao estilo dos "faroestes spaghetti" feitos pelos italianos nas décadas de 1960 e 1970. Tarantino inclusive "empresta" o título, os letreiros iniciais e até a trilha sonora de "Django" (1966), filme de Sergio Corbucci com Franco Nero (assista aqui). Nero, aliás, aparece em uma ponta rápida.
Django (Jamie Foxx) é um escravo que é liberto por um caçador de recompensas alemão chamado Dr. King Schultz (o ótimo Christoph Waltz, de "Bastardos Inglórios" e "Deus da Carnificina"). A princípio, Schultz precisa que Django reconheça um trio que ele está procurando, mas os dois acabam formando uma parceria. Schultz fica comovido com a história de Django, que quer encontrar a esposa e libertá-la. O alemão também fica impressionado pelo fato dela se chamar Broonhilda, assim como em um mito germânico. Schultz e Django matam uma série de criminosos na primeira parte do filme e então, após o inverno, partem para a fazenda de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), onde a esposa de Django supostamente está servindo como escrava. O filme tem ótimas cenas, como uma em que Schultz mata o xerife de uma cidadezinha e sai ileso após um discurso que faz ao delegado. Longos diálogos, aliás, são outra marca registrada de Tarantino, e podem ser tanto um deleite quanto um problema. Este é um filme com quase três horas de duração e parte se deve a cenas esticadas demais pelos diálogos. É de se estranhar, também, algumas repetições escritas por Tarantino; logo no início, quando é liberto por Schultz, Django monta em um cavalo e acompanha o alemão através de uma cidade, e a frase "nunca vi um negro montando a cavalo" é repetida diversas vezes. Outra frase usada por Django, quando se refere ao prazer de ganhar dinheiro por matar brancos, também é repetida algumas vezes. O filme também tem um sério problema de ritmo e montagem. Quando um grupo da Ku Klux Klan (a organização racista do sul dos Estados Unidos) ataca o acampamento em que o Dr. Schultz e Django estariam dormindo, por exemplo, a cena é cortada por um momento engraçado em que os homens encapuzados reclamam que não conseguem ver nada através das máscaras. Apesar de ser o momento mais cômico do filme, a cena não faz sentido como está montada. O final também sofre quando um banho de sangue, que deveria ser a conclusão da história, é interrompido desnecessariamente (para continuar uns 15 minutos depois). Vale citar que a editora de todos os filmes de Tarantino, Sally Menke, morreu em 2010 e foi substituída neste filme por Fred Raskin, que era assistente dela, o que pode explicar alguns dos problemas.
Fãs do diretor, no entanto, vão se deleitar. "Django Livre" é bastante violento, divertido, bem interpretado e tem ótimos momentos. O fato de Tarantino ter tratado de um tema delicado como a escravidão causou controvérsia; o diretor Spike Lee declarou que o filme é desrespeitoso com seus ancestrais e que a escravidão não era um faroeste italiano, mas um Holocausto. Deve-se levar em conta que o mundo retratado nos filmes de Tarantino não é o real, mas sim uma realidade alternativa criada por sua imaginação. Interessante também o fato de que nada menos que três grandes produções de Hollywood neste ano ("Django", "Lincoln" e "A Viagem") tenham usado o tema da escravidão. "Django Livre" está indicado aos Oscar de Melhor Filme, Melhor Fotografia (Robert Richardson), Melhor Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Melhor Roteiro Original (Quentin Tarantino) e Melhor Edição de Som (Wylie Stateman).
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