sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Amor

Georges não se recorda do nome do filme, mas lembra que ficou muito emocionado enquanto o assistia. Mais do que isso; ao encontrar um colega, na volta para casa, não pôde conter as lágrimas ao lhe narrar a história. "Por que você nunca me contou isso?", pergunta a esposa de Georges, Anne, que acabou de sofrer um derrame e está com o lado direito do corpo paralisado. Cenas como esta, de um casal ainda surpreendendo um ao outro mesmo depois de décadas de intimidade, é que fazem de "Amor", o novo filme do austríaco Michael Haneke, mais do que uma história sobre velhice e doença. Georges e Anne são interpretados por duas lendas do cinema francês, Jean-Louis Trintignant (de "Um homem e uma mulher") e Emmanuelle Riva (de "Hiroshima, moun amour") , e "Amor" venceu o último Festival de Cannes. É uma pequena obra-prima. É também, surpreendentemente, um filme muito sensível e mesmo "gentil" quando comparado à obras anteriores de Haneke, um mestre da frieza, como "Caché" e "A Fita Branca".

Não que "Amor" seja um filme fácil. A lenta desintegração física e mental pela qual passa Anne no desenrolar da trama é tão desoladora quanto inevitável. Haneke filma em planos longos, quase teatrais. Há uma conversa entre Georges e a filha Eva (a sempre competente Isabelle Huppert, de "Minha Terra, África" e "Copacabana") em que a câmera fica em um canto da sala, imóvel, por minutos a fio enquanto pai e filha falam sobre a família. Eva é casada com um músico inglês que tem casos com outras mulheres; os filhos estão em internatos ou não falam com os pais. É um contraste grande com o Amor (com letra maiúscula) que existe entre Georges e Anne. Haneke os filma com carinho lidando, a princípio com um choque disfarçado, com os primeiros sinais da doença. Anne, apesar de precisar de muitos cuidados, é uma mulher inteligente e muito consciente dos esforços do marido em tratar dela. Ela o faz prometer que nunca vai levá-la a um hospital ou casa de repouso e, no início, o casal parece ter a situação sob controle. É então que Anne sofre um segundo derrame e fica naquele estado semi vegetativo em que não se sabe se a pessoa está consciente ou não, e é um tormento tanto para Georges quanto para o espectador testemunhar a mudança na mulher. Há uma cena extremamente corajosa de Riva em que ela (que tem 85 anos) é vista nua enquanto uma enfermeira lhe dá banho, e a atriz se entrega totalmente ao papel; não por acaso, ela foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Jean-Louis Trintignant também oferece uma interpretação sincera e emocionante como o marido devotado que sofre dia e noite para cuidar da esposa e lidar com as cobranças da filha.

Em uma época de relacionamentos rasos e com os índices de divórcio atingindo novos recordes, a relação mostrada em "Amor" pode parecer tanto uma benção quanto um tormento. O filme fala sobre o que todo mundo já sabe, ninguém consegue fugir da morte. O difícil é saber lidar com isto de forma digna e corajosa.

ps: falando em Oscar, "Amor" surpreendeu ao ser indicado em cinco categorias: Melhor Filme Estrangeiro (o virtual vencedor), Melhor Diretor (Michael Haneke, que pode tirar de Steven Spielberg seu terceiro prêmio), Melhor Roteiro (também de Haneke), Melhor Atriz (a já citada Emmanuelle Riva) e Melhor Filme de 2012.

Um comentário:

Suelyn Magalhães disse...

Não gostei do filme, achei-o extremamente racional, nada sensível.
Riva, que está muito bem, é o ponto alto do filme. Mas não me trouxe nada, nenhum sentimento, a não ser o de raiva do velhinho. Muito pesado e muito forte para qualquer ser humano.
Abraços