"As Aventuras de Pi" é um filme com dois lados. Um é uma ótima aventura de fantasia que mostra a convivência forçada entre um garoto indiano e um tigre de bengala. O outro lado é um filme confuso sobre a disputa entre a Razão e a Religião. Baseado em um livro de Yann Martel, o roteiro de David Magee, provavelmente fiel ao material original, é bastante irregular. Acrescenta-se o fato de que o diretor Ang Lee, que já fez obras tão diversas quanto "Razão e Sensibilidade" (1995), "O Tigre e o Dragão" (2000) ou mesmo "Hulk" (2003) ter decidido testar em "As aventuras de Pi" todo tipo de efeito especial digital possível e o produto final, repetimos, é uma salada mista, por vezes brilhante, em outras entediante, frequentemente exagerado.
Pi (Suraj Sharma) é um rapaz indiano que cresceu em um zoológico administrado pela família. As finanças vão mal e o pai decide fechar o zoo e partir para o Canadá, onde pretende vender os animais e começar uma vida nova. Durante uma tempestade no Oceano Pacífico, o cargueiro em que viajam é tragado pelas ondas e Pi vai parar em um bote salva-vidas na companhia de um orangotango, uma zebra, uma hiena e do tigre do zoológico. A cena do naufrágio é assustadora e realmente impressionante. Há um plano que mostra Pi, sob as ondas, vendo o grande navio iluminado afundar na escuridão do mar, que é fantástico. De volta ao bote salva-vidas, Pi tem não só que cuidar da própria vida como administrar os animais a bordo que, aos poucos, vão sendo devorados primeiro pela hiena e depois pelo tigre. Quando sobram apenas Pi e o tigre, é um conflito entre a inteligência do garoto contra a força e os instintos do animal que, como mostrado em uma cena anterior, é um predador eficiente e letal. Pi constrói uma balsa com os coletes salva-vidas e os remos e passa grande parte do tempo nela, deixando o bote para o tigre. É uma convivência complicada, mas o roteiro (ao menos nesta parte da trama) é inteligente e mostra como Pi tem que pensar não só em saciar a própria fome (ele come biscoitos do bote salva-vidas) como a do tigre, que ele alimenta com peixes pescados com uma vara improvisada. Não é apenas uma boa ação; se o tigre ficar com fome demais ele pode tentar alcançar Pi na balsa e devorá-lo. Há belas cenas em que a tela do cinema se transforma em uma espécie de pintura em que Ang Lee mistura as cores do céu e do mar, ou as nuvens e as águas vivas. Há um clima um pouco "new age" demais, mas é certamente bonito. Se "As Aventuras de Pi" fosse feito apenas desta longa sequência passada no mar, seria um filme ótimo.
(ATENÇÃO SPOILERS) O problema é que há outra trama, passada no presente, que mostra um Pi adulto (Irrfan Khan) narrando sua história para um escritor canadense. Isto causa vários problemas; para começar, revela que Pi sobreviveu à aventura no mar, já que é visto vivo, e adulto, logo no início do filme. Além disso, passa-se um bom tempo (tempo demais) acompanhando a narração de Pi falando sobre a infância e seu envolvimento com várias religiões. Mas o pior é uma sequência final em que, depois de contar sua aventura fantástica ao escritor canadense, o Pi adulto resolve contar uma outra versão, possivelmente a "verdadeira", sobre o que realmente teria acontecido a ele e sua família durante o naufrágio. Seria uma decisão corajosa por parte de Ang Lee ou um terrível erro de cálculo? O resultado é que "As aventuras de Pi" termina com um tremendo anti clímax, lembrando aquelas histórias antigas que acabavam com "e foi tudo um sonho".
De qualquer forma, "As aventuras de Pi" é ambicioso e muito bem feito. Os efeitos especiais chegaram a um nível em que praticamente tudo que pode ser imaginado pode ser materializado; fato que, se não for usado com cuidado, pode ser um problema.
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