A força de Ricardo Darín ("Um conto chinês", "O segredo de seus olhos") é tamanha que basta um plano para estabelecer todo um personagem. E é o rosto dele que abre "Elefante Branco", mais uma parceria entre o grande ator argentino e o diretor Pablo Trapero. Os dois trabalharam juntos no barra pesada "Abutres", um retrato cruel da máfia das indenizações na Argentina.
Em "Elefante Branco", Trapero e Darín mergulham nos problemas de uma enorme favela nas cercanias de Buenos Aires onde moram 30 mil pessoas. Darín é o padre Julián, o pároco que reza missas, faz batismos coletivos, ajuda menores infratores e toca um projeto de revitalização de uma área dominada pelo "elefante branco" do título: um imenso prédio abandonado que havia sido construído décadas antes para ser o maior hospital da América Latina, promessa que ficou só no esqueleto. O padre é ajudado por uma assistente social engajada, Luciana (Martina Gusman, também de "Abutres") e por um padre belga chamado Nicolás (Jérémie Renier, de "O Garoto da Bicicleta"). Nicolás sente-se mal por haver sobrevivido a uma chacina em uma vila na Amazônia Peruana e foi recrutado pelo padre Julián para tomar seu lugar. O personagem de Ricardo Darín esconde um segredo: está com um diagnóstico médico fatal e, provavelmente, não tem muito tempo de vida.
Pablo Trapero dirige com ousadia em longos planos sequência que acompanham os atores por entre os andares do prédio em ruínas e vai com eles até a capela caindo aos pedaços que Julián chama de sua "paróquia". As questões políticas são mostradas de frente pela lente de Trapero, que denuncia a omissão do Estado e a opulência mal disfarçada da Igreja. Julián tenta fazer a ponte entre a pobreza da favela, com seus traficantes de drogas, viciados e pessoas passando necessidades com o bispado, que não quer se envolver politicamente na região. A questão do celibato também é colocada em cheque. O jovem padre Nicolás e a bela Luciana acabam se envolvendo física e emocionalmente e o filme encara o romance proibido dos dois de forma pragmática, não descambando para o melodrama. Eles têm uma missão a cumprir e são conscientes disso, apesar de não negarem a atração que sentem um pelo outro. Tudo culmina com uma sequência impressionante de desocupação da área pela polícia argentina que Trapero orquestra com maestria. Filme pesado e forte que trata de questões atuais e relevantes. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.