sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tropicália

O documentário de Marcelo Machado poderia ser mais uma colagem de depoimentos sobre os anos 60, com as profundas mudanças culturais e sociais da época. O filme, no entanto, acerta em uma montagem inventiva que acompanha o visual dos diversos momentos retratados; no surgimento do tropicalismo, em 1967, o filme é todo psicodélico, misturando capas de discos com obras e Hélio Oiticica (que cunhou o termo "tropicália"), imagens de "Terra em Transe", de Glauber Rocha, trechos de peças de José Celso, centenas de fotos e trechos de programas de televisão. É uma edição inspirada, que acompanha depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, entre dezenas de outros, usando apenas imagens e fotos.

Com a chegada do AI-5, no entanto, o filme muda de tom. Pela primeira vez, as vozes tomam a forma dos personagens como estão hoje, quase cinquenta anos depois. É um choque, depois de acompanhar por quase uma hora as imagens vibrantes dos jovens Caetano e Gil, dos Mutantes, Maria Bethânia, Gal Costa, entre outros, encará-los com 70 anos. Foi uma escolha interessante dos realizadores. É como se a maturidade chegasse junto com a repressão do ato institucional. Há imagens raras de arquivo de Caetano e Gil na Europa, como em uma apresentação para um programa de televisão português em 1969 ou no lendário Festival da Ilha de Wight, Inglaterra, em 1970, onde se apresentaram bandas como Jethro Tull, Supertramp, The Who, Jimi Hendrix e Joan Baez. Há também uma ótima apresentação de Caetano cantando "Asa Branca" para a televisão francesa.

O que fica do documentário é a incrível força criativa que havia na música brasileira (e mundial) naquela época. Ficam também alguns depoimentos surpreendentes de Caetano Veloso, que diz que, na época, ele via com muita desconfiança os movimentos "anti imperialistas" que havia no país e que, no fundo, ele gostava da música americana. Interessante perceber como uma força repressora como a ditadura acabou gerando uma reação cultural extremamente rica. Por tabela, percebe-se também a genialidade dos Mutantes, um grupo que foi musicalmente comparado aos Beatles e que tinha uma força e teatralidade impressionantes. "Tropicália" deve ser visto, de preferência, em conjunto com outros documentários recentes como "Uma Noite em 67", de Renato Terra e Ricardo Calill e "Loki - Arnaldo Batista", de Paulo Henrique Fontenelle. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

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