Exibido ontem na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com ingressos esgotados rapidamente, "O Som ao Redor" é o primeiro longa-metragem do pernambucano Kleber Mendonça Filho, que vem de uma longa carreira como crítico de cinema e curtametragista. Ainda inédito no circuito comercial brasileiro, o filme já tem uma carreira internacional consolidada e premiada. Estreou em fevereiro no Festival de Roterdã, na Holanda, e já passou por lugares tão distantes quanto a Austrália, além de vencer festivais brasileiros como o Festival do Rio de Janeiro. Em Gramado levou os prêmios de crítica, púbico, som e direção.
Passado em uma rua do Recife, "O Som ao Redor" poderia ter sido feito em qualquer grande cidade brasileira, em que as casas estão dando lugar a edifícios cada vez mais altos, isolados e guardados. Grades de ferro, aliás, são um dos elementos mais vistos no longa. Em quase todo plano podem ser vistas barras de proteção, câmeras de segurança, vigias ou cães de guarda. De quem estes brasileiros estão tentando se proteger? Filmado em 35mm, com decupagem clássica e elegantes movimentos de câmera, o filme esconde uma tensão que vai crescendo até o final explosivo.
O decano Francisco (W.J. Solha) é praticamente dono de uma rua de classe média alta. Mora na cobertura de um prédio de luxo e tem um engenho de cana-de-açúcar no interior. É com ele que vai conversar Clodoaldo (Irandhir Santos, de "Febre do Rato"), responsável por uma firma de segurança que quer se instalar na rua. Clodoaldo tem a fala mansa e aquele discurso que se escuta de qualquer flanelinha; por uma taxa, ele e uma equipe garantem zelar pela tranquilidade da vizinhança. Coincidência ou não, no mesmo dia dois carros haviam sido roubados, um deles de Sofia (Irma Brown), namorada de João (Gustavo Jahn), herdeiro do império de Francisco. Já Bia (Maeve Jinkings), mãe de dois filhos, não consegue dormir em paz por causa do cachorro da casa ao lado, que late a noite toda. Os filhos pré-adolescentes estudam inglês e chinês (sinal dos tempo) com uma professora particular. Um humor crítico permeia diversas situações, como quando a compradora de um imóvel pergunta a João se não pode ter um desconto porque uma mulher havia se suicidado naquele prédio. Em uma reunião de condomínio, um garoto de no máximo dez anos é testemunha chave da suposta incompetência do porteiro do prédio; apesar de trabalhar há anos no local, os moradores querem demiti-lo por justa causa e economizar as taxas de rescisão.
Um excepcional trabalho de som enfatiza a ameaça invisível que rasteja por debaixo da aparente tranquilidade destas famílias de classe média. Figuras reais e imaginárias são vistas de relance em alguns planos e até a praia, com seus avisos da presença de tubarões, não está livre de perigos. "O Som ao Redor" é fruto do bom momento do cinema pernambucano, mas funciona como um retrato genérico do Brasil, o país que aparentemente chegou àquele "futuro" prometido, mas que não sabe direito o que fazer com ele.
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