"On the road" foi lançado por Jack Kerouc em 1957, anos depois que seus manuscritos originais, datilografados nervosamente sobre rolos compridos de papel, foram escritos. O livro descrevia as aventuras de Kerouac e seu amigo Neal Cassady pelas estradas dos Estados Unidos. Era o final dos anos 40, o país vivia a euforia do pós-guerra e uma legião de jovens encontrava-se sem rumo. O jazz antecipava a revolução que seria incorporada pelo rock ´n roll e as drogas eram experimentadas em doses crescentes. A saga real de Kerouac e Cassady foi compartilhada com nomes como do poeta Allen Ginsberg e William S. Burroughs, mas todos tiveram seus nomes trocados por exigência das editoras.
O livro se tornou um marco da chamada "geração beat" e conquistou milhares de seguidores, imitadores e influenciou o movimento hippie dos anos 1960, assim como bandas de rock como "The Doors", nas letras de Jim Morrison. Francis Ford Coppola comprou os direitos para uma adaptação cinematográfica nos anos 80, mas só agora o filme foi feito, sob direção do brasileiro Walter Salles, que construiu uma carreira à base de "filmes de estrada" como "Central do Brasil" (1998) e, principalmente, "Diários de Motocicleta" (2004). Salles enfrentou uma tarefa inglória. Como agradar aos fãs de uma obra incensada por quase meio século? Exibido no último Festival de Cannes, "Na Estrada" foi em geral mal recebido pela crítica, com muitos torcendo o nariz para a visão de Salles das aventuras de Kerouac. Visto como cinema, colocando de lado toda a carga extra-filme que a história carrega, "Na Estrada" é uma obra tremendamente bem feita e ambiciosa. E o livro, sim, está na tela, em roteiro adaptado por Jose Rivera. Sal Paradise (o britânico Sam Riley, que foi Ian Curtis em "Control") é um aspirante a escritor que conhece o poético e hiperativo Dean Moriarty (Garrett Hedlund, de "Tron - O Legado") na Nova York dos anos 1940. Moriarty inspira Paradise a por o pé na estrada e partir para o mítico Oeste americano, vivendo a vida no limite. Há cenas bastante parecidas com o livro de Kerouac, como a que mostra Moriarty estacionando carros em alta velocidade em seu emprego de manobrista, e a edição de François Gédigier (que montou "Dançando no Escuro", de von Trier) tenta emular a técnica do fluxo de consciência usada por Kerouac.
Kristen Stewart, bem longe de suas interpretações insípidas da saga "Crepúsculo", é a jovem musa de Moriarty (e Paradise), Marylou. Ela é uma das forças inspiradoras que movem o insaciável Dean Estados Unidos afora, para Denver, São Francisco e dezenas de outros lugares pelo caminho. A outra mulher na vida de Moriarty é Camille (Kirsten Dunst), com quem tem uma filha e constantes brigas. A direção de fotografia de Eric Gautier (que havia trabalhado com Salles em "Diários de Motocicleta") é ótima, e a reconstituição de época de "Na Estrada" é uma verdadeira máquina do tempo, transportando o espectador para bares de jazz esfumaçados, rodovias cheias de carros antigos, paradas e ônibus, estações de trem e campos de algodão dos anos 1940. O design sonoro também é inspirado; o som duro da terra caindo sobre o túmulo do pai de Sal Paradise, as gotas de água batendo no pára-brisas do veloz Hudson com o qual eles cruzam o país, a respiração febril de Paradise, doente, no México.
O filme é um pouco arrastado para um público acostumado a blockbusters. E Salles talvez tenha posto muita ênfase à parte sexual da aventura, embora se possa imaginar, no livro, que grande parte do tempo de Paradise foi, de fato, passado escutando os gemidos de alguma parceira de Moriarty. Tanto Kristen Stewart quando a brasileira Alice Braga aparecem nuas e em cenas de sexo "ousadas" para o padrão do cinema atual. O elenco ainda conta com algumas participações especiais, a melhor delas feita por Viggo Mortensen como Old Bull Lee (na verdade, William S. Burroughs), em uma sequência passada no Sul americano. A mais bizarra é protagonizada por Steve Buscemi, que Salles declarou, em entrevista, ter escalado pois "não existe filme independente sem Steve Buscemi".
Se "Na Estrada" faz jus à geração beat, à contracultura, aos anos 1960 e todo esse caldeirão cultural é discutível (e, provavelmente, impossível para um único filme); mas é bom cinema, com interpretações competentes e parte técnica impecável. Visto no Kinoplex Campinas.
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