A história do homem sábio que vendeu a alma para o diabo em troca de conhecimento e prazer vem de um passado desconhecido. Teve várias versões em livros, peças de teatro e filmes, como as escritas pelo alemão Johann Goethe no século 19 e Thomas Mann no século 20. O diretor expressionista alemão F.W. Murnau fez um filme a respeito da lenda em 1926. A versão mais recente é do diretor russo Alexander Sokurov, ("A Arca Russa", 2002), que realizou um filme bem particular e, para a maioria do público, impenetrável.
Falado em alemão e com 140 minutos de duração, "Fausto" é lento e ambientado em uma Europa antiga que parece parte de um pesadelo. A direção de fotografia do francês Bruno Delbonnel é surpreendente. O filme é apresentado em uma proporção quadrada que lembra os filmes mudos do início do cinema; a imagem é mostrada através de uma máscara que limita a visão e aumenta a sensação de claustrofobia. As cores têm um tom sépia, por vezes vistas como através de uma névoa. Mesmo nesta janela quadrada e estreita, há enquadramentos de rara beleza que lembram quadros holandeses.
O filme começa com uma cena bem gráfica em que o Doutor Fausto (Johannes Zeiler) está abrindo um cadáver e retirando seus órgãos, enquanto tem uma discussão filosófica com seu assistente. Ele está à procura da "alma" do ser humano. Mesmo culto, Fausto está sempre com fome e sem dinheiro, o que o leva a uma loja de penhores que é, apropriadamente, a representação do inferno. É lá que ele conhece Maurício (Anton Adasinsky), que se recusa a penhorar o anel que Fausto lhe traz. Mas ele lhe dá comida e, aos poucos, vai se revelando para o cientista como sendo o demônio em pessoa. Interessante a questão política representada pelo fato de que o demônio é quem tem o controle do dinheiro, algo que se poderia esperar de um diretor russo como Sokurov. Em uma das várias sequências surreais do filme, Fausto conhece a jovem Margarete (Isolda Dychauk), logo após ter matado o irmão dela, por acidente, em um bar da cidade. Fausto se apaixona pela moça e, após assinar com o próprio sangue um contrato com o demônio, consegue se aproximar dela.
A trama é conduzida por Sokurov com extrema lentidão e sem muita linearidade. Há frequentes discussões filosóficas sobre a existência ou não de Deus e do bem e do mal. Fausto fica repetindo a si mesmo o início do Genesis, que diz que "no início era o verbo", mas o demônio lhe apresenta outra interpretação: "No início era o contrato". Filme difícil, clássico "filme de arte" europeu, lento, filosófico, surreal, por vezes bizarro, "Fausto" é, no mínimo, um espetáculo visual extremamente interessante, com imagens que vão do sonho ao pesadelo. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.
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