A vida de Raul Seixas, com toda sua rebeldia e mensagens da contracultura é, do ponto das biografias do rock, comum. Ele seguiu a mesma linha que tantos outros que conheceram o sucesso, entraram no caminho do excesso, das drogas, da bebida e, finalmente, tiveram morte precoce. Isso posto, não significa que o homem Raul Seixas fosse convencional, pelo contrário. O documentário de Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel é uma biografia aprofundada da vida e arte deste nordestino que nasceu com a música nas veias e, já menino, fazia parte de um clube do rock em Salvador, onde nasceu.
Com grande quantidade de material de arquivo composto por filmes, fotos e até mesmo gravações dos tempos em que Raulzito, como era chamado, era criança, "Raul - O início, o fim e o meio" conta a vida do artista, suas parcerias artísticas e amorosas, seu envolvimento com drogas, o exílio, o retorno ao sucesso e, finalmente, sua morte. Há depoimentos de mais de quarenta pessoas, entre familiares, amigos de infância, parceiros e ex-companheiras, que tentam compor uma descrição de quem é, provavelmente, o maior ídolo do rock brasileiro. Pedro Bial, que antes de ser babá de "brothers" e "sisters" era um bom jornalista, fala sobre como as músicas de Raul eram transgressoras e tão inteligentes que a censura não conseguia entendê-las. Músicas como "Ouro de Tolo", que Caetano Veloso tenta lembrar as longas letras que diziam "Eu devia estar contente/ Porque eu tenho um emprego/ Sou um dito cidadão respeitável/ E ganho quatro mil cruzeiros/ Por mês". Paulo Coelho, entrevistado em sua casa na Suíça, diz que não entendia nada de fazer letras quando começou a parceria com Raul, e que "Al Capone", a primeira, começou como uma longa poesia. Coelho também dá declarações fortes, como a que diz que apresentou todas as drogas a Raul, mas que não se sente culpado. "Ele era adulto, casado, tinha uma filha, sabia o que estava fazendo." Há uma cena muito engraçada em que uma mosca começa a rondar Paulo Coelho e pousa nele, que a chama de Raul. "Não há moscas aqui", diz ele.
As mulheres são um capítulo a parte. Raul foi casado com a filha de um pastor, no nordeste, chamada Edith. Depois com Gloria Vaquer, irmã do guitarrista da banda. O documentário então cita uma lista de amantes e companheiras com quem Raul se envolveu (Tânia, Kika, Lena, Dalva); todas, aparentemente, sabiam sobre as outras e não soam amargas nos depoimentos. Gloria, a americana, até diz que este é um comportamento normal entre os homens brasileiros. Todas acabam falando dos problemas de Raul com as drogas (era viciado em cocaína) e com a bebida. O cantor teve que extrair grande parte do pâncreas e as bebidas só pioravam sua condição. Há uma fase da vida de Seixas em que ele se envolveu com um grupo seguidor de Aleister Crowley, famoso satanista inglês que morreu de overdose de heroína. Paulo Coelho se mostra bastante incomodado de falar dessa época e diz que não tem mais nada a ver com isso, mas uma dupla bizarra que seria de um "culto ao demônio" diz que Coelho nunca pediu desfiliação do grupo. Irônico que a tal "Sociedade Alternativa", que tantos interpretaram como um manifesto contra a ditadura ou similar, na verdade, era ligado a esta seita. Há até cenas de sacrifícios de animais feitas pelo grupo, ao que Paulo Coelho chama de "magia fora de qualquer ética".
Por fim, o documentário mostra a fase em que Raul Seixas tocou com o roqueiro Marcelo Nova, ex-Camisa de Vênus, com quem fez uma série de 50 shows em nove meses. Há quem diga que estes shows terminaram por matar Raul Seixas e que Marcelo Nova estava se aproveitando do ídolo. Caetano Veloso acha bobagem. Há uma cena emocionante, filmada em 89, ano da morte de Raul, em que Paulo Coelho e Seixas se reencontram no palco do Canecão, no Rio de Janeiro, depois de anos separados, e cantam juntos "Sociedade Alternativa". Bom documentário, muito bem pesquisado e aprofundado. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.
Câmera Escura
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