"O Porto" é uma pequena obra-prima. Dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki, o filme brinca com clichês, subverte gêneros e é de uma aparente simplicidade que engana. Na cidade francesa de Le Havre, Marcel Marx (André Wilms) é um velho engraxate que, apesar de pobre, leva uma vida regrada. Após passar o dia à procura de clientes (sempre de olho no que os transeuntes estão calçando, a maioria tênis) ele volta para casa à noite, onde sua esposa Arletty (Kati Outinen) o aguarda com o jantar. Os dois têm aquele tipo de casamento que dura décadas, e um observador incauto imaginaria que são infelizes. Uma noite Marcel chega em casa e a esposa está tendo uma crise. No hospital ela implora ao médico que não conte ao marido que não há esperanças. "Ele é como uma criança", diz ela.
Marcel também não é o que parece. A figura ranzinza esconde uma alma boa que se revela com a doença da esposa e com um fato inusitado; uma família de imigrantes ilegais africanos é encontrada dentro de um conteiner no porto (em uma bela cena orquestrada por Kaurismäki), e um garoto chamado Idrissa (Blondin Miguel) consegue escapar da polícia. Ele é encontrado por Marcel, que o coloca sob sua proteção. O filme vê com olhar carinhoso a vizinhança em que Marcel mora, com o vendedor de frutas e verduras, a padeira, a dona de um bar. No início do filme, todos fugiam de Marcel pois ele não tem dinheiro para pagá-los. Com a mulher dele no hospital e o aparecimento do imigrante, todos passam a ajudá-lo com abrigo e comida, ou para despistar a polícia. O lendário ator francês Jean-Pierre Léaud, que trabalhou com Truffaut e Jean-Luc Goddard, faz uma aparição especial como um vizinho que tenta informar a polícia do paradeiro do garoto. Destaque também para a figura do Comissário de Polícia, o policial Monet (Jean-Pierre Darroussin). Enquanto a mídia, em uma ironia do roteiro, faz ligações entre o imigrante africano e a rede terrorista Al-Qaeda e o prefeito pressiona a polícia para encontrar o garoto, o policial Monet mantém os olhos abertos e vigia Marcel de perto, mas tem planos próprios sobre o que fazer com o garoto.
"O Porto" é uma comédia inteligente e comedida. A trama aparentemente simples carrega várias pistas da situação caótica em que se encontra a Europa, com problemas políticos e econômicos. A imigração ilegal tem sido tema de vários filmes ultimamente, mas neste ela é tratada de uma forma ao mesmo tempo direta (todos se unem para tentar enviar o garoto a Londres, seu destino original) e carinhosa. Interessante também a história de amor entre Marcel e a esposa Arletty. Sim, eles são de outra época, em que o marido trabalhava fora e a mulher ficava em casa, mas com que sensibilidade o diretor/roteirista mostra a relação dos dois. A cena final é pura poesia. "O Porto" ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes, em 2011. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.
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