domingo, 27 de maio de 2012

O dia em que eu não nasci

Maria Falkenmeyer (Jessica Schwarz) é uma nadadora  alemã que precisa ir a Santiago, Chile, participar de uma competição. Na ida, ela faz uma conexão em Buenos Aires, e enquanto espera pelo voo, escuta uma mãe cantando para fazer um bebê dormir. A música causa grande comoção em Maria que, surpresa, percebe que ela não só entende as palavras, como conhece aquela canção de ninar. Ela decide ficar em Buenos Aires e, ao ligar para o pai na Alemanha, tem outra surpresa; Anton Falkenmeyer (Michael Gwisdek), o homem que ela chamou de pai a vida toda, vai até Buenos Aires para lhe dizer que, na verdade, ela havia sido adotada quando bebê. Os pais verdadeiros foram presos durante a ditadura argentina e ela fora levada para a Alemanha. Maria começa então uma jornada de autoconhecimento na capital argentina, mas logo descobre que há muito mais que ela não sabe sobre sua vida.

Há uma longa reportagem na revista Piauí desde mês escrita por Francisco Goldman (publicada originalmente na revista The New Yorker) que fala justamente sobre os desaparecidos da "Guerra Suja", o período da ditadura portenha. Milhares de crianças teriam sido tiradas dos pais, que morreriam em campos de tortura, e adotados por famílias favoráveis ao governo militar. Houve inclusive um escândalo protagonizado pelo alta cúpula do principal jornal do país, O Clarín. No filme dirigido por Florian Cossen, explora-se a ideia de que algumas destas crianças foram levadas para fora da Argentina. A cidade de Buenos Aires vibra na fotografia quente de Matthias Fleischer, enquanto Maria anda pelas ruas à procura de sua origem. Ela consegue fazer com que o pai adotivo lhe diga os nomes de seus pais verdadeiros e, com a ajuda de um policial, Alejandro (Rafael Ferro), localiza alguns parentes, que mal conseguem acreditar que ela ainda esteja viva. É sempre interessante quando, no cinema, o encontro de pessoas de línguas diferentes é feito de forma realista; é o caso deste filme. Há uma cena muito boa quando Maria encontra Estela (Beatriz Spelzini), sua tia e, mesmo sem entender o idioma, há um momento de muita emoção. Estela havia procurado pela sobrinha por anos, após a morte da irmã e do cunhado nas mãos da ditadura, e já havia perdido a esperança.

O reencontro, no entanto, está longe de ser um final feliz. Em que circunstâncias Maria teria sido levada para a Europa? Por que é que seus pais adotivos nunca entraram em contato com a família verdadeira? Por que não lhe disseram a verdade sobre sua origem? Alejandro, o policial, diz a Maria que ela faz perguntas demais, e que ele nunca havia perguntado ao pai, um militar, o que ele havia feito durante a ditadura. "Tenho medo de descobrir algo que me faça odiá-lo", diz ele. O filme chega em um momento interessante também na história brasileira, quando pela primeira vez se forma uma comissão da verdade para investigar os crimes cometidos pelo governo militar (e, por outro lado, causa polêmica entre os que gostariam que também se investigassem os crimes que teriam sido cometidos pela esquerda). A viagem ao passado de Maria pode lhe trazer a verdade, mas também tirar muita sujeira de debaixo do tapete. Visto no Topázio Cinemas.


Observação: O "trailer" abaixo, na verdade, é um longo trecho do filme e não tem legendas, mas é o único vídeo encontrado no youtube sobre o filme

sábado, 26 de maio de 2012

Plano de Fuga

O que aconteceu com Mel Gibson? O ator foi um dos maiores astros dos anos 80, quando fez filmes de ação de boa qualidade como Mad Max  (George Miller, 1979), e a série Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987), e bons dramas como "O ano em que vivemos em perigo" (Peter Weir, 1982) e "O Motim" (Roger Donaldson, 1984). Nos anos 90, interpretou o "Hamlet" na versão de Franco Zeffirelli e chegou a ganhar um Oscar como melhor diretor pelo épico "Coração Valente" (1995). Também como diretor, ousou com uma versão falada em aramaico no ultraviolento "A Paixão de Cristo" (2004), que levou milhões de católicos ao cinema. Foi então que Gibson soltou algumas declarações à imprensa que foram interpretadas como antissemitas. Também foi acusado de bater na esposa, foi preso por dirigir embriagado e cometeu uma série de delitos e deslizes que causaram o afastamento do seu público e o ostracismo em Hollywood. Seu último filme, o drama "Um Novo Despertar" (dirigido e estrelado por Jodie Foster em 2011) foi um desastre nas bilheterias.

Chegamos então a "Plano de Fuga" ("Get the Gringo"), filme de ação que Gibson atuou, produziu e é co-escritor do roteiro. Impossível assistir ao filme sem fazer uma ligação com a vida pessoal do astro. O filme é cru, gravado com uma fotografia digital suja e passado em um México visto pelos olhos racistas de um americano. Mel Gibson parece dizer ao mundo que não liga para as críticas negativas ou aos rumores que dizem que ele sofre de um transtorno bipolar não tratado. Tudo isso seria irrelevante se o filme fosse bom, o que não é o caso. Ele já começa com uma cena clichê de perseguição em que Gibson e um comparsa estão fugindo de policiais na fronteira com o México. Os bandidos estão usando máscaras de palhaço (outro clichê) e, em uma louca tentativa de escapar, Gibson voa com o carro através do muro de proteção que divide EUA e México, aterrissando nas mãos de um grupo de policiais mexicanos corruptos. Ele então vai parar em uma prisão de Tihuana chamada "El Pueblito", uma mistura de penitenciária com favela, em que os presos dividem espaço com as esposas e filhos, além de dezenas de traficantes comandados pelo chefão Ravi (Daniel Giménez Cacho). A ação do início é substituída por um período enfadonho em que, na falta de uma técnica cinematográfica eficiente, o personagem de Gibson tem que narrar em off tudo o que passa por sua cabeça. Ele é um "gringo" que, com seus olhos azuis e pose arrogante, consegue passar despercebido a ponto de atear fogo no ponto de drogas do presídio para roubar uns trocados.

E há a trama que envolve um garoto (Kevin Hernandez, em boa interpretação) de dez anos que se aproxima de Gibson e forma uma parceria, levando o politicamente incorreto  a um novo nível. O garoto bebe, fuma, fala palavrões, é filho de uma prostituta e tem planos de matar Ravi, o chefão, porque seu tipo sanguíneo raro é compatível com o dele. Ravi teria matado o pai do garoto por causa de seu fígado, e estaria mantendo o garoto vivo para o mesmo fim. "Plano de Fuga" poderia ter sido uma comédia "trash" interessante com este roteiro e é uma pena que Gibson a tenha interpretado como se fosse sério. O filme não foi lançado nos cinemas nos Estados Unidos, sendo vendido diretamente ao espectador por um sistema de "video on demand", que ainda está sendo testado, e depois irá direto para Blu-Ray e DVD. Sem dúvida vai encontrar púbico entre os fãs de filmes B de ação e violência, mas a estrela de Mel Gibson, provavelmente, vai continuar em baixa. Visto no Kinoplex Campinas.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Câmera Escura no Facebook

O Câmera Escura agora tem uma página no Facebook. Ela vai ser usada para notícias sobre cinema, exibição de trailers, discussões sobre filmes, etc. Ou seja, um complemento às críticas publicadas neste site. Visitem e apertem em "curtir". Abraço.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Dançarina e o Ladrão

Há dois filmes brigando pelo foco principal no roteiro de "A Dançarina e o Ladrão", drama chileno dirigido por Fernando Trueba. De um lado, há uma bela fábula contando a história de um "bom ladrão", Ángel Santiago (um anjo e um santo no mesmo nome, interpretado por Abel Ayala), um rapaz que, ao ser solto da prisão, conhece uma moradora de rua, Victoria (Miranda Bodenhofer) que também parece ter saído das páginas de um conto de fadas: uma garota linda, com jeito inocente e frágil, que é muda devido a um trauma de infância, e que tem o sonho de se tornar bailarina no Teatro Municipal de Santiago. A outra história revolve em torno de um famoso ladrão de bancos chamado Nicolás Vergara Grey, interpretado por ninguém menos que Ricardo Darín (de "Um Conto Chinês", "O Segredo de Seus Olhos"), que é solto no mesmo dia que o "anjo" Santiago. Ele é tão famoso que há um taxista esperando por ele na porta na prisão, a seu dispor para levá-lo aonde quiser ir. Vergara Grey só quer encontrar a esposa e o filho, que não vê há cinco anos, mas os dois não querem mais saber dele. A mulher se juntou a um rico empresário chileno e mora com o filho em uma grande mansão.

Os caminhos de Vergara Grey e Ángel Santiago se ligam através de um golpe planejado por um anão que estivera preso com eles. O plano é típico dos filmes de assalto; há um cofre supostamente cheio de dólares no topo de um edifício e só Vergara Grey teria as habilidades necessárias para abri-lo. O problema é que o filme não lida direito com as duas tramas. O lado fábula continua forte, contando o doce romance entre Ángel e a bailarina muda. Como um cavaleiro andante, ele rouba um cavalo do jockey clube e vai buscar a garota no abrigo em que vive, e os dois ficam galopando pelo trânsito complicado de Santiago, Chile. O rapaz confia tanto nas habilidades da garota como bailarina que a leva até a Academia de Dança e a inscreve em um teste para o Municipal. Ele também a leva para fora da cidade até um casebre perdido no sopé da Cordilheira dos Andes, e há algo de mítico na cena em que os dois chegam galopando às montanhas, sob a luz de centenas de estrelas. Lá moram os pais de Santiago e, do nada, o rapaz anuncia seu casamento com Victoria.

Enquanto isso, a trama do assalto surge de vez em quando, como se, não custa repetir, um outro filme ainda tentasse ser o protagonista da história. Ángel não larga da sombra de Vergara Grey (onde está a garota nestes momentos?), que não está interessado no golpe proposto pelo garoto. A trama só se mantém viva, desconfio, por ser protagonizada por Ricardo Darín, que é dos melhores atores da atualidade. O ator argentino tem uma expressão que carrega, como poucos, o peso de anos de experiência e ainda continua conversando com o garoto porque seus planos pessoais vão, pouco a pouco, desmoronando. Quando ele finalmente conhece Victoria é em um momento forte e dramático, e então o lado fábula toma conta novamente quando todos se juntam em uma cena absurda, mas muito poética, em que a moça se apresenta no Teatro Municipal diante de um renomado crítico de dança.

Um filme comum terminaria, provavelmente, nesta cena e estaria de bom tamanho. Difícil entender o porquê da trama continuar insistindo no tal golpe e em suas inevitáveis consequências. "A Dançarina e o Ladrão" é  um filme que mantém o interesse e tem cenas de grande poesia, mas acaba sendo muito irregular. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 20 de maio de 2012

As Neves do Kilimanjaro

Apesar de haver um conto escrito por Ernerst Heningway (em 1936) com o mesmo nome, além de um filme americano de 1952, "As Neves de Kilimanjaro" não tem qualquer relação com estas obras. Os créditos informam que o roteiro de Robert Guédiguian e Jean-Louis Milesi foi baseado em um conto de Victor Hugo chamado "Os Pobres". Eles contam o dilema moral de Michel (Jean-Pierre Darroussin, do ótimo "O Porto"), um sindicalista que perde seu emprego de muitos anos; o seu sindicato fez um acordo com a empresa e 20 pessoas deveriam ser demitidas. Michel organiza um sorteio e seu nome é tirado junto com outros dezenove desafortunados. Raoul (Gérard Meylan), seu cunhado e amigo de longa data, lhe diz que o nome dele não deveria estar entre os sorteados. A esposa, Marie-Clare (Ariane Ascaride), diz que às vezes "é difícil conviver com um herói". Michel é um homem ético. Seu armário tem as fotos de um famoso sindicalista francês e do seu super-herói favorito, o Homem-Aranha. A referência pop pode parecer gratuita, mas tem grande importância na trama.

O sindicato organiza uma festa para os 30 anos de casamento de Michel e Marie-Claire e os presenteiam com um baú cheio de dinheiro e duas passagens para um safari na Tanzânia, África, onde iriam passear sob "as neves do Kilimanjaro" (a montanha mais alta do continente). O presente acaba se tornando um problema. Em uma noite em que Michel, Marie-Claire, Raoul e a esposa estão jogando cartas, dois homens  armados invadem a casa, amarram todos, batem neles e roubam o dinheiro e as passagens aéreas. O mais novo dos dois é Christophe (Grégoire Lepince-Ringuet), que havia trabalhado com Michel e era um dos 20 demitidos. Junto do dinheiro, ele leva uma revista em quadrinhos de Michel, um gibi raro do Homem-Aranha. É por causa desta revista que Michel, andando de ônibus um dia, consegue identificar os irmãos mais novos de Christophe. Ele os segue até onde moram e a polícia prende o rapaz.

É então que o filme, que já havia mostrado suas cores políticas, se torna claramente partidário. Michel, mesmo achando que não há nada de errado com sua vida, conquistada a duras penas com a esposa e o trabalho no sindicato, começa a duvidar da própria integridade. "O que nós pensaríamos de nós mesmos há 30 anos?", ele pergunta à esposa. "Que somos pequenos burgueses", responde ela. Michel investiga a vida do rapaz e descobre que ele é filho de uma mãe solteira e cuidava sozinho de dois irmãos pequenos. Será que o lugar dele era mesmo a prisão? O que seria daquelas crianças? O roteiro de Robert Guédiguian questiona o estilo de vida de Michel e da esposa. Sim, eles haviam trabalhado duro e mereciam estar onde estão, mas será que isso é o suficiente? Será que a idade e a aposentadoria são motivos suficientes para deixar os ideais de lado? Raoul, o amigo de Michel, também atacado pelo rapaz, tem uma opinião bem diferente; ele acha que Christophe deve apodrecer na prisão pelo que fez. Sua esposa, Denise, vive em estado de pânico desde o assalto e chora noite e dia. Michel também não é mais o mesmo, e seu relacionamento com Marie-Claire fica abalado. Ela começa a mentir para ele e, às escondidas, vai tomar conta dos irmãos do rapaz preso, fazendo-lhes comida e lavando a roupa.

O filme faz questão de mostrar que nem todo criminoso é assim por acaso. Claro que há alternativas para o crime e a situação de Christophe e seus irmãos não justifica suas ações, mas o diretor mostra como o rapaz chegou a isso por causa de uma combinação perversa de acontecimentos. Há algo de "O Filho", o ótimo filme dos irmãos Dardene, em "As neves do Kilimanjaro". O final talvez seja certinho demais, mas o filme é descaradamente bem intencionado e, dentro das condições apresentadas, otimista. Visto como cortesia no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura


terça-feira, 15 de maio de 2012

O Exótico Hotel Marigold

O lugar se chama "The Best Exotic Marigold Hotel for the Elderly and Beautiful". Apesar dos panfletos mostrarem fotos "photoshopadas" de um imponente edifício indiano, o hotel real está caindo aos pedaços e é gerenciado por um rapaz (Dev Patel, de "Quem quer ser um milionário?") que é tão entusiasmado quanto incompetente. Para lá se mudam sete aposentados ingleses que, atraídos pela propaganda enganosa, esperavam encontrar paz e tranquilidade.

É um grupo e tanto. Judi Dench (maravilhosa) é uma mulher que ficou viúva após um casamento de 40 anos e que vive sua primeira aventura. Douglas (Bill Nighy, sempre uma figura) e a esposa Jean (Penelope Wilton) perderam as economias e foram atraídos pelo falso luxo do lugar. Jean odeia cada minuto passado na Índia e não consegue ver a beleza do país. Não é o caso de Grahan (Tom Wilkinson), que cresceu na Índia e diz adorar suas cores e sorrisos. Muriel Donelly (Maggie Smith) é uma governanta aposentada que vai à Índia fazer uma operação de quadril. Racista e preconceituosa, a convivência com os indianos acaba por revelar um lado que ela própria desconhecia. E há Norman (Ronald Pickup) e Madge (Celia Imrie), o casal que se recusa a aceitar a própria idade e está à caça de um par romântico.

O filme é dirigido por John Madden (de "Shakespeare Apaixonado", 1998) e tem um grande coração. Apesar de alguns clichês inevitáveis, o roteiro de Ol Parker consegue lidar com o grande número de personagens e tem alguns ótimos momentos. A trama vivida por Tom Wilkinson, que revela ter voltado à Índia para reencontrar um grande amor da juventude, surpreende pelo modo natural com que se desenrola. Bill Nighy, sempre engraçado, tem cenas muito boas com Judi Dench, que quase rouba o filme sozinha. A personagem de Maggie Smith também tem um bom momento quando é convidada para visitar a família de uma das empregadas do hotel. Há ainda uma trama paralela que conta o romance complicado entre o gerente do hotel, Sonny (Patel) e uma operadora de telemarketing chamada Sunaina (Tena Desae). A trilha sonora de Thomas Newman é vibrante e acompanha a fotografia quente de Ben Davis.

Comédia leve e divertida, o filme tem ecos com o recente "Late Bloomers", com William Hurt e Isabella Rossellini, que também tratava dos problemas (e alegrias) de se chegar à terceira idade. O filme está em cartaz no Kinoplex, em Campinas.

Câmera Escura 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Paraísos Artificiais

O premiado diretor Marcos Prado, do documentário "Estamira" e produtor dos filmes de José Padilha (Ônibus 174, Tropa de Elite) estréia na ficção com "Paraísos Artificiais", um filme cheio de boas intenções, mas artificial como o título. Filmado em dois países (tem cenas em Amsterdã e no nordeste brasileiro) com bela direção de fotografia de Lula Carvalho e o atrativo de muita nudez e sexo, o filme se vende como um retrato da "Geração Y", sem limites ou pudores com relação a sexo e drogas. O problema é que tenta parecer mais complexo do que realmente é através de uma montagem não linear que começa no presente, no Rio de Janeiro, volta dois anos no passado, para Amsterdã e depois mais dois anos, até uma festa rave em uma praia do nordeste.

Uma das tramas, a que acompanha a saída de Fernando (Luca Bianchi) da prisão e sua volta para casa, é extremamente parecida com a de "A Outra História Americana" ("American History X", de Tony Kaye, 1998). No filme americano, o personagem de Edward Norton é solto da prisão, para onde havia sido sentenciado após cometer um crime racial, e retorna para casa, onde o irmão mais novo (Edward Furlong) está seguindo o mesmo caminho. Em "Paraísos Artificiais", Fernando também volta para um lar desestruturado pela sua prisão e encontra seu irmão mais novo, Felipe (César Cardareiro), envolvido com drogas. Felipe havia sido preso por tentar trazer drogas de Amsterdã, onde se encontra com a DJ Érika (Nathalia Dill), com quem tem um tórrido romance. O filme tem aproximadamente uma longa cena de sexo a cada dez ou quinze minutos, em uma tentativa, como declarou o diretor em entrevistas, de ser "contra a caretice do cinema nacional". As cenas, de fato, contém planos detalhados da bela nudez de Nathalia Dill (e, depois, da namorada dela, Lara, interpretada por Lívia de Bueno), mas é tudo estilizado, em câmera lenta, como em videoclipes.

Outros flashbacks contam a história passada dois anos antes, no nordeste, em que os mesmos personagens encontravam-se em uma mega festa rave. Há diálogos que soam extremamente falsos, como os que Érika tem com o velho hippie Mark (Roney Vilella), que fala apenas frases prontas sobre as drogas ou papos "cabeça" sobre autoconhecimento. Lara, a namorada de Érika, repete a cada cinco minutos sobre como o "set" da DJ vai ser espetacular; quando a garota entra na pista todos começam a vibrar, como se centenas de jovens chapados com "balinhas" conseguissem distinguir entre uma música eletrônica "bate estaca" e a seguinte. Há, claro, espaço para mais cenas de sexo entre Nathalia Dill e Lívia de Bueno e, depois, entre as duas e Luca Bianchi.

O resultado é um filme vazio, que pode empolgar fãs de música eletrônica e gerar interesse por causa das drogas e do sexo. É bem realizado visualmente e no design de som e, dentro de suas limitações, passa seu recado. Quanto a gerar discussões sobre o uso de drogas ou lançar um olhar sobre o comportamento dos jovens, é superficial. Visto no Kinoplex, em Campinas.



domingo, 6 de maio de 2012

O Porto

"O Porto" é uma pequena obra-prima. Dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki, o filme brinca com clichês, subverte gêneros e é de uma aparente simplicidade que engana. Na cidade francesa de Le Havre, Marcel Marx (André Wilms) é um velho engraxate que, apesar de pobre, leva uma vida regrada. Após passar o dia à procura de clientes (sempre de olho no que os transeuntes estão calçando, a maioria tênis) ele volta para casa à noite, onde sua esposa Arletty (Kati Outinen) o aguarda com o jantar. Os dois têm aquele tipo de casamento que dura décadas, e um observador incauto imaginaria que são infelizes. Uma noite Marcel chega em casa e a esposa está tendo uma crise. No hospital ela implora ao médico que não conte ao marido que não há esperanças. "Ele é como uma criança", diz ela.

Marcel também não é o que parece. A figura ranzinza esconde uma alma boa que se revela com a doença da esposa e com um fato inusitado; uma família de imigrantes ilegais africanos é encontrada dentro de um conteiner no porto (em uma bela cena orquestrada por Kaurismäki), e um garoto chamado Idrissa (Blondin Miguel) consegue escapar da polícia. Ele é encontrado por Marcel, que o coloca sob sua proteção. O filme vê com olhar carinhoso a vizinhança em que Marcel mora, com o vendedor de frutas e verduras, a padeira, a dona de um bar. No início do filme, todos fugiam de Marcel pois ele não tem dinheiro para pagá-los. Com a mulher dele no hospital e o aparecimento do imigrante, todos passam a ajudá-lo com abrigo e comida, ou para despistar a polícia. O lendário ator francês Jean-Pierre Léaud, que trabalhou com Truffaut e Jean-Luc Goddard, faz uma aparição especial como um vizinho que tenta informar a polícia do paradeiro do garoto. Destaque também para a figura do Comissário de Polícia, o policial Monet (Jean-Pierre Darroussin). Enquanto a mídia, em uma ironia do roteiro, faz ligações entre o imigrante africano e a rede terrorista Al-Qaeda e o prefeito pressiona a polícia para encontrar o garoto, o policial Monet mantém os olhos abertos e vigia Marcel de perto, mas tem planos próprios sobre o que fazer com o garoto.

"O Porto" é uma comédia inteligente e comedida. A trama aparentemente simples carrega várias pistas da situação caótica em que se encontra a Europa, com problemas políticos e econômicos. A imigração ilegal tem sido tema de vários filmes ultimamente, mas neste ela é tratada de uma forma ao mesmo tempo direta (todos se unem para tentar enviar o garoto a Londres, seu destino original) e carinhosa. Interessante também a história de amor entre Marcel e a esposa Arletty. Sim, eles são de outra época, em que o marido trabalhava fora e a mulher ficava em casa, mas com que sensibilidade o diretor/roteirista mostra a relação dos dois. A cena final é pura poesia. "O Porto" ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes, em 2011. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Raul - O início, o fim e o meio

A vida de Raul Seixas, com toda sua rebeldia e mensagens da contracultura é, do ponto das biografias do rock, comum. Ele seguiu a mesma linha que tantos outros que conheceram o sucesso, entraram no caminho do excesso, das drogas, da bebida e, finalmente, tiveram morte precoce. Isso posto, não significa que o homem Raul Seixas fosse convencional, pelo contrário. O documentário de Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel é uma biografia aprofundada da vida e arte deste nordestino que nasceu com a música nas veias e, já menino, fazia parte de um clube do rock em Salvador, onde nasceu.

Com grande quantidade de material de arquivo composto por filmes, fotos e até mesmo gravações dos tempos em que Raulzito, como era chamado, era criança, "Raul - O início, o fim e o meio" conta a vida do artista, suas parcerias artísticas e amorosas, seu envolvimento com drogas, o exílio, o retorno ao sucesso e, finalmente, sua morte. Há depoimentos de mais de quarenta pessoas, entre familiares, amigos de infância, parceiros e ex-companheiras, que tentam compor uma descrição de quem é, provavelmente, o maior ídolo do rock brasileiro. Pedro Bial, que antes de ser babá de "brothers" e "sisters" era um bom jornalista, fala sobre como as músicas de Raul eram transgressoras e tão inteligentes que a censura não conseguia entendê-las. Músicas como "Ouro de Tolo", que Caetano Veloso tenta lembrar as longas letras que diziam "Eu devia estar contente/ Porque eu tenho um emprego/ Sou um dito cidadão respeitável/ E ganho quatro mil cruzeiros/ Por mês". Paulo Coelho, entrevistado em sua casa na Suíça, diz que não entendia nada de fazer letras quando começou a parceria com Raul, e que "Al Capone", a primeira, começou como uma longa poesia. Coelho também dá declarações fortes, como a que diz que apresentou todas as drogas a Raul, mas que não se sente culpado. "Ele era adulto, casado, tinha uma filha, sabia o que estava fazendo." Há uma cena muito engraçada em que uma mosca começa a rondar Paulo Coelho e pousa nele, que a chama de Raul. "Não há moscas aqui", diz ele.

As mulheres são um capítulo a parte. Raul foi casado com a filha de um pastor, no nordeste, chamada Edith. Depois com Gloria Vaquer, irmã do guitarrista da banda. O documentário então cita uma lista de amantes e companheiras com quem Raul se envolveu (Tânia, Kika, Lena, Dalva); todas, aparentemente, sabiam sobre as outras e não soam amargas nos depoimentos. Gloria, a americana, até diz que este é um comportamento normal entre os homens brasileiros. Todas acabam falando dos problemas de Raul com as drogas (era viciado em cocaína) e com a bebida. O cantor teve que extrair grande parte do pâncreas e as bebidas só pioravam sua condição. Há uma fase da vida de Seixas em que ele se envolveu com um grupo seguidor de Aleister Crowley, famoso satanista inglês que morreu de overdose de heroína. Paulo Coelho se mostra bastante incomodado de falar dessa época e diz que não tem mais nada a ver com isso, mas uma dupla bizarra que seria de um "culto ao demônio" diz que Coelho nunca pediu desfiliação do grupo. Irônico que a tal "Sociedade Alternativa", que tantos interpretaram como um manifesto contra a ditadura ou similar, na verdade, era ligado a esta seita. Há até cenas de sacrifícios de animais feitas pelo grupo, ao que Paulo Coelho chama de "magia fora de qualquer ética".

Por fim, o documentário mostra a fase em que Raul Seixas tocou com o roqueiro Marcelo Nova, ex-Camisa de Vênus, com quem fez uma série de 50 shows em nove meses. Há quem diga que estes shows terminaram por matar Raul Seixas e que Marcelo Nova estava se aproveitando do ídolo. Caetano Veloso acha bobagem. Há uma cena emocionante, filmada em 89, ano da morte de Raul, em que Paulo Coelho e Seixas se reencontram no palco do Canecão, no Rio de Janeiro, depois de anos separados, e cantam juntos "Sociedade Alternativa". Bom documentário, muito bem pesquisado e aprofundado. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

Câmera Escura