sábado, 21 de abril de 2012

Habemus Papam

Este não é o filme leve e edificante que se poderia esperar. "Habemus Papam", de Nanni Moretti, é irônico e tremendamente ácido com a Igreja Católica e com seu chefe mais alto, o Papa. Quando nos lembramos de que "Caos Calmo", filme estrelado por Moretti em 2008, foi condenado pelo próprio Vaticano por causa de uma cena de sexo considerada forte demais, não nos surpreende tanto este olhar cínico do diretor para com a Igreja. Moretti brinca com as espectativas do público. As cenas envolvendo o conclave, a eleição realizada pelos cardeais para eleger um novo Papa, são realizadas com um olhar humano e quase carinhoso. Sem falar no apuro técnico. Figurino, cenografia e interpretação reconstroem fielmente o ritual da escolha do novo Papa. A ironia fica por conta de Moretti, que deixa os espectadores escutar os pensamentos dos cardeais enquanto meditam. "Por favor, Senhor, não me escolha", é o que se escuta de praticamente todos eles.

Quando a fumaça branca é vista saindo da Capela Sistina, é o sinal de que um novo Papa foi escolhido. No caso, o Cardeal Melville (o grande ator Michel Piccoli), que aparenta ter todas a qualidades de um bom Papa; olhar inteligente, boa presença e humildade. Talvez humildade demais. Quando é chegada a hora do anúncio oficial diante da multidão que o aguarda na Praça São Pedro, no Vaticano, o novo Papa sofre um ataque de pânico e foge da cerimônia, criando tanto espanto quanto um embaraço protocolar. Ele já havia aceito o cargo e, pelas leis da igreja, fora escolhido pelo próprio Deus para a posição. Como ele poderia ter dúvidas? Cabe então ao porta-voz do Vaticano (o ótimo ator polonês Jerzy Stuhr) manter as aparências para a imprensa, fiéis e aos outros cardeais. Após um médico atestar que não há nada de errado fisicamente com o novo pontífice, um psiquiatra (interpretado por Moretti) é chamado para conversar com ele. A situação, obviamente aburda do ponto de vista da igreja, lembra filmes como "Máfia no Divã" ou a série de TV "Os Sopranos". Pena que as cenas envolvendo Moretti e o novo Papa sejam tão breves, mas sobram ironias por todos os lados. O psiquiatra de Moretti é egocêntrico e, obviamente, ateu. Quando não consegue resolver a crise do Papa, indica sua ex-mulher, também psiquiatra, que seria "a segunda melhor" da Itália. O Papa aproveita a saída do Vaticano (de onde oficialmente ninguém pode sair até o impasse ser resolvido) para fugir e fica perambulando pelas ruas de Roma, procurando iluminação.

As cenas de Michel Piccoli vagando pela cidade são muito interessantes, mas o filme perde a oportunidade de construir situações mais realistas. Ele anda de ônibus, assiste a artistas de rua e se envolve com um grupo de teatro, tudo sem ser reconhecido e sem dinheiro. Moretti fica no Vaticano e é puro sarcasmo ao criar uma série de jogos para distrair os cardeais, de disputas de carteado a um bizarro campeonato de vôlei em que os times são divididos pela origem dos religiosos. O final, inesperado, mostra a situação atual da igreja e seu distanciamento do mundo. "Habemus Papam" está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.


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