domingo, 22 de abril de 2012

Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios

Logo pelo título longo e pouco usual percebe-se que este é um filme pouco dado a concessões comerciais. Dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios" é baseado em livro homônimo de Marcel Aquino, que já foi roteirista de vários outros filmes de Brant (como "Ação entre Amigos", "Os Matadores", "O Invasor"), e trata do triângulo amoroso entre Lavínia (Camila Pitanga), seu marido Ernani (Zecarlos Machado) e um fotógrafo chamado Cauby (Gustavo Machado).

Os três são forasteiros em uma pequena cidade de garimpo no Pará; Ernani é um pastor evangélico que prega tanto a palavra do senhor quanto posições políticas contra as mineradoras que contaminam os rios da região. Zecarlos Machado, com seu tom de voz grave, recita longos trechos da Bíblia para uma grande quantidade de fiéis, em grande interpretação. Cauby é um fotógrafo do sul que se envolve com a mulher de Ernani, a bela e instável Lavínia, em verdadeiro show de interpretação de Camila Pitanga. Os dois protagonizam cenas intensas de sexo sob a cor quente da fotografia de Lula Araujo, mas Pitanga é toda sensualidade em praticamente cada frame do filme. Lavínia, como se vê em flashbacks, era uma garota de programa do Rio de Janeiro que foi salva das drogas e tirada das ruas por Ernani, um ex-funcionário público e advogado que tornou-se pastor evangélico quando largou da bebida. As cenas passadas no Rio de Janeiro são geralmente noturnas e filmadas em cores frias. Há uma cena em que o pastor "tira o diabo do corpo" de Lavínia que é um primor de interpretação e direção, quase um documentário. Estes flashbacks ajudam o espectador a entender porque uma mulher como Lavínia está com o pastor Ernani, e hesita quando Cauby quer que ela deixe a cidade com ele.

Apesar desta trama aparentemente comum (triângulos amoroso, traição, sexo), o filme tem muito mais acontecendo nas entrelinhas. As constantes disputas por terra, a questão indígena, a degradação do meio ambiente, os matadores de aluguel, o poder da religão, etc, são questões que borbulham nos bastidores do roteiro. Há cenas em que a câmera simplesmente sobrevoa a região e o espectador tem a noção da degradação do entorno e o desastre ecológico produzido pelo desmatamento e mineração. Há também personagens bizarros e aparentemente fora de lugar, como um jornalista chamado Viktor Laurence (em ótima interpretação de Gero Camilo), que diz ser amigo de Cauby mas que não tem nada de confiável. Ele aparece em cena de vez em quando, geralmente bêbado ou drogado, recitando poemas e filosofando sobre a vida. Há também um homem vestido de palhaço que surge nos momentos mais estranhos, e que pode ser muito mais do que aparenta. A trilha sonora de Simone Sou e Alfredo Bello é um capítulo à parte, composta por percussão, sons orientais e regionais, e levam o espectador a uma viagem pelos meandros do roteiro. Beto Brant e Renato Ciasca, parceiros há anos, mostram que o cinema nacional não precisa fazer só comédias leves da Globo Filmes. Há também espaço para obras ousadas como esta. Visto como cortesia no Kinoplex Campinas.



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