segunda-feira, 30 de abril de 2012

Os Vingadores

Há uma linha tênue entre a seriedade "nerd" e a paródia total neste filme dos Vingadores. Ele vem coroar o projeto dos estúdios Marvel de juntar seu cartel de super-heróis após tê-los apresentado, um a um, em filmes individuais. Homem de Ferro (Robert Downey Jr), Thor (Chris Hemsworth), Capitão América (Chris Evans) e Hulk (Mark Ruffalo) tiveram filmes dirigidos por Jon Favreu, Kenneth Branagh, Joe Johnston e Louis Leterrier (sem falar na versão que Ang Lee fez em 2003), respectivamente. A Viúva Negra (Scarlett Johansson) apareceu no segundo filme do Homem de Ferro e o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) teve uma ponta no filme do Thor.

É também de Thor o vilão de "Os Vingadores", Loki (Tom Hiddleston, divertido), que vem para a Terra após abrir um portal do outro lado do Universo. Como todo bom vilão, ele quer conquistar o planeta. A única coisa capaz de detê-lo é o time montado por Nick Fury (Samuel L. Jackson) e a organização S.H.I.E.L.D., Os Vingadores. O filme é longo, duas horas e vinte minutos, e o roteiro é, surpreendentemente, cheio de diálogos entre os Vingadores antes que a ação realmente comece. Tony Stark, o Homem de Ferro, ainda é o mais carismático de todos e os roteiristas o mantém abastecido com uma série ininterrupta de piadas e trocadilhos. Robert Downey está à vontade no papel e serve de líder não oficial do grupo, composto por bons atores que tentam não parecer ridículos em seus uniformes coloridos. É bom também ressaltar a entrada de Mark Ruffalo, sempre competente, no elenco, no lugar que já foi de Eric Bana e Edward Norton como o Hulk. Pode-se perceber que, ao contrário dos outros heróis, ele está sempre no limite de se transformar em algo que não deseja. A trama é, dentro dos limites do gênero, bem escrita e é interessante ver como o vilão Loki consegue manipular o ego dos super heróis para que, em dado momento, estejam todos brigando um com o outro, ao invés de se unirem contra ele. Tecnicamente, "Os Vingadores" se beneficia da extraordinária capacidade dos efeitos especiais de hoje de criarem (e destruírem) qualquer coisa que se possa imaginar, até um porta-aviões que se transforma em uma fortaleza voadora.

Em meio a vilões intergalácticos, heróis e até mesmo deuses, só mesmo o humor para impedir que o filme se transforme em um épico auto-importante. Há um sem número de piadas, algumas até infantis, colocadas em meio às explosões. Em alguns momentos fica difícil entender qual o limite da invulnerabilidade tanto dos heróis quanto do vilão. Eles são eternos? O Homem de Ferro é um homem comum colocado em uma armadura high tech, mas quais os poderes da Viúva Negra e do Gavião Arqueiro? O Hulk é realmente imbatível? E por que é sempre Nova York que tem que pagar o preço? O filme é escrito e dirigido por Joss Whedon, com apenas algumas séries de televisão e alguns roteiros em seu nome. Em "Os Vingadores" ele consegue um bom trabalho em manter o interesse e em conseguir dar a cada personagem seu momento, embora a sequencia da guerra seja um pouco longa. Continuações, claro, são esperadas. Esperemos que a Marvel consiga manter o bom nível.

Câmera Escura


domingo, 29 de abril de 2012

Sete Dias com Marilyn

Marilyn Monroe e Sir Laurence Olivier. Ele era um dos atores mais venerados da Inglaterra, um mestre da interpretação, um dos responsáveis pela popularização de Shakespeare no cinema. Ela era a maior sex symbol de Hollywood, a garota aparentemente frágil e ignorante que derretia o coração dos homens e provocava a inveja nas mulheres. Olivier, apaixonado por ela como todo mundo, a convidou para atuar a seu lado em "O Principe Encantado", filme de 1957 que seria produzido, dirigido e interpretado por ele. Em poucos dias de filmagem, porém, o mestre inglês iria se arrepender da escolha. Marilyn era insegura, instável, chegava atrasada ao set de filmagem (ou simplesmente não aparecia) e, insulto maior a Olivier, tinha sua própria consultora de interpretação, Paula Strasberg, esposa do lendário Lee Strasberg, do Actor´s Studio de Nova York.

Os bastidores das filmagens de "O Príncipe Encantado" ganharam a forma de um livro escrito pelo terceiro assistente de direção de Olivier, um novato chamado Colin Clark; dedicado e inocente, Clarke teria tido uma relação próxima com Monroe,  a maior diva do cinema. "Sete dias com Marilyn" é um filme bastante convencional, que só escapa de parecer um telefilme pela qualidade do elenco. O diretor Simon Curtis acertou ao escalar Michelle Williams para o papel de Monroe. Poucos conseguiriam imaginar que uma atriz baixa, magra e pouco memorável como Williams pudesse encarnar a sex symbol de forma tão eficiente. A Marilyn de Williams não é mera imitação e ela compensa a falta do físico de Monroe com uma interpretação que traz a fragilidade e insegurança da loira. Laurence Olivier é interpretado pelo que muitos consideram ser seu herdeiro nos filmes shakespearianos, Kenneth Branagh, que como ator e diretor já levou várias obras do poeta inglês ao cinema (como "Henrique V", "Muito Barulho por Nada", "Otello", "Hamlet", entre outros). Branagh está perfeito no papel, mas é fato que Michelle Williams, assim como a personagem que interpreta, rouba todas as cenas.

Eddie Redmayne interpreta Colin Clark, um rapaz fanático por cinema que, após muita insistência, consegue um emprego na produtora de Laurence Olivier. Quando os ânimos começam a esquentar no set de filmagem e fica claro que Olivier e Monroe não conseguem trabalhar juntos, os bons modos do rapaz atraem o interesse de Marilyn, que começa a requisitar sua presença. Clark, no início, serve apenas como um ombro amigo mas, nas mãos de Monroe, logo se transforma em algo mais. A atriz era paparicada (e cobrada) por todos e vivia à base de pílulas para dormir (que acabariam por levá-la à morte cinco anos depois, em 1962). Colin, que era sete anos mais novo que Marilyn, obviamente se apaixona por ela, apesar do aviso de todos de que o romance não iria durar. O retrato de Marilyn feito pelo filme não é ruim, mas fica claro que ela era uma mulher que usava de seus encantos para manter alguns homens interessados por algum tempo. Pelo tempo que dura, o flerte entre o rapaz e a atriz é mostrado em cenas idílicas em que ambos andam pelos campos ingleses ou nadam em riachos gelados. O filme é competente ao evocar os figurinos de época e o set de filmagens em que Olivier tenta, a todo custo, terminar seu trabalho. Tanto Michelle Williams quanto Kenneth Branagh receberam indicações ao Oscar por suas interpretações, e "Sete dias com Marilyn" é um filme agradável de se assistir, embora nada memorável.

Câmera Escura

sábado, 28 de abril de 2012

Flor da Neve e o Leque Secreto

Na China do século 19, as mulheres tinham de se submeter a vários costumes. Um deles, bastante cruel, era a deformação dos pés das meninas para que coubessem em minúsculos sapatos, o que era considerado elegante e adequado para que conseguissem um bom casamento. Outro costume era chamado de "laotong", que era uma espécie de compromisso oficial feito entre duas garotas, que assim se tornavam "irmãs" para toda a vida.

"Flor da Neve e o Leque Secreto", do diretor Wayne Wang, conta a história de quatro mulheres chinesas em dois períodos históricos distintos. A primeira se passa no século 19 e mostra como as meninas "Flor da Neve" (Gianna Jun) e "Lírio" (Bing Bing Li) se submeteram a estes dois rituais. A outra história é passada na Shangai dos dias de hoje e mostra as mesmas atrizes interpretando mulheres modernas que, por opção, também seguem o costume do "laotong". Nina (Li) é uma bem sucedida executiva que está para se mudar para Nova York quando sua amiga Sophia (Jun) sofre um acidente de trânsito e vai parar no hospital. Nina decide ficar em Shangai ao lado da amiga e o filme parte para uma série de flashbacks que contam tanto a história de Nina e Sophia quanto de Flor da Neve e Lírio.

Apesar da bela fotografia de Richard Wong e direção de arte de Molly Page, o vai e vem entre os séculos 19 e 21 não funciona. As cenas no passado soam mais verossímeis (já que as mulheres tinham de se submeter a costumes antigos) do que as do presente. Fica muito vago qual tipo de relacionamento Nina e Sophia têm no presente. São apenas amigas ou há algo mais? E se há, por que não assumir o fato, ao invés de se ficar com eufemismos como "irmã" ou "melhor amiga"? O problema é que os roteiristas quiseram manter uma ligação artificial entre a situação das mulheres do passado com as do presente (segundo este verbete da Wikipedia, o livro original de Lisa See não tem a parte morderna, que foi introduzida pelos roteiristas do filme). Para piorar, há um sentimentalismo piegas reforçado pela trilha sonora melosa de Rachel Portman. PS: Hugh "Wolverine" Jackman aparece brevemente como o namorado de Sophia. Visto como cortesia no Topázio Cinemas, Campinas.

Câmera Escura

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Toda Prova

Steven Soderbergh brinca com os gêneros ação e espionagem nesta obra mista; "A Toda Prova" tem explosões, artes marciais e uma heroína típicos de um filme de ação. Ao mesmo tempo, carrega as origens do cinema independente que Soderbergh tem nas veias e, por vezes, soa como uma bem feita paródia do diretor aos filmes da série "Bourne". A começar que o papel principal é da ex-lutadora de MMA Gia Carano. Ela é Mallory Kane, soldado contratada de uma firma particular americana que presta serviços ao governo (e também faz serviços sujos por conta própria). Mallory é bonita, atlética e incansável, capaz de correr atrás de um bandido por quarteirões ou vencer uma luta corpo a corpo com tropas de elite europeias. Após um serviço de resgate em Barcelona, Mallory é traída pelo seu chefe, Kenneth (Ewan McGregor), que a coloca em uma armadilha. Ela é enviada à Irlanda para fazer par com um agente britânico interpretado por Michael Fassbender, e descobre que havia sido usada em Barcelona para entregar um refém a um grupo rival (liderado pelo ator francês Mathieu Kassovitz). No quarto de hotel, Fassbender tenta matá-la. "Nunca pense nela como uma mulher", prevenira McGregor.

Pode-se notar nesta sinopse duas coisas: o elenco excepcional e a trama confusa. Soderbergh usa de seu prestígio para colocar em papéis coadjuvantes atores do calibre de Fassbender, Michael Douglas, Antonio Banderas, Bill Paxton, Kassovitz, entre outros. Eles servem também para ajudar na interpretação de Gia Carano, que apesar de bonita e lutar muito bem, não é grande atriz. Mas não é ruim, dentro das limitações do papel. A trama usa de todos os clichês de filmes de espionagem, como as locações internacionais (Barcelona, Dublin, Londres, Nova York) e as reviravoltas do gênero. Soderbergh, no entanto, coloca uma pitada de filme independente e autoral na obra, assim como fez com as série "Onze Homens e um Segredo". Ele assina não só a direção, mas a direção de fotografia e a edição (sob pseudônimos), coisa que fez até em filmes de grande orçamento como "Traffic" (2000), pelo qual ganhou o Oscar de melhor diretor. A sequencia passada em Barcelona, quando Mallory e equipe resgatam um refém, subverte os clichês na montagem e principalmente na trilha sonora de David Holmes.

O roteiro de Lem Dobbs tenta humanizar a personagem através da figura de seu pai (Bill Paxton) e em uma cena (vergonhosa, é verdade) em que Mallory chora a morte de um colega de trabalho. No resto do tempo, no entanto, Mallory Kane é implacável como Jason Bourne e distribui socos e chutes em cenas de luta muito bem coreografadas. "A Toda Prova" não traz nada de novo, mas entretém e é bem feito, e Soderbergh coloca seu toque pessoal na obra.


domingo, 22 de abril de 2012

Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios

Logo pelo título longo e pouco usual percebe-se que este é um filme pouco dado a concessões comerciais. Dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios" é baseado em livro homônimo de Marcel Aquino, que já foi roteirista de vários outros filmes de Brant (como "Ação entre Amigos", "Os Matadores", "O Invasor"), e trata do triângulo amoroso entre Lavínia (Camila Pitanga), seu marido Ernani (Zecarlos Machado) e um fotógrafo chamado Cauby (Gustavo Machado).

Os três são forasteiros em uma pequena cidade de garimpo no Pará; Ernani é um pastor evangélico que prega tanto a palavra do senhor quanto posições políticas contra as mineradoras que contaminam os rios da região. Zecarlos Machado, com seu tom de voz grave, recita longos trechos da Bíblia para uma grande quantidade de fiéis, em grande interpretação. Cauby é um fotógrafo do sul que se envolve com a mulher de Ernani, a bela e instável Lavínia, em verdadeiro show de interpretação de Camila Pitanga. Os dois protagonizam cenas intensas de sexo sob a cor quente da fotografia de Lula Araujo, mas Pitanga é toda sensualidade em praticamente cada frame do filme. Lavínia, como se vê em flashbacks, era uma garota de programa do Rio de Janeiro que foi salva das drogas e tirada das ruas por Ernani, um ex-funcionário público e advogado que tornou-se pastor evangélico quando largou da bebida. As cenas passadas no Rio de Janeiro são geralmente noturnas e filmadas em cores frias. Há uma cena em que o pastor "tira o diabo do corpo" de Lavínia que é um primor de interpretação e direção, quase um documentário. Estes flashbacks ajudam o espectador a entender porque uma mulher como Lavínia está com o pastor Ernani, e hesita quando Cauby quer que ela deixe a cidade com ele.

Apesar desta trama aparentemente comum (triângulos amoroso, traição, sexo), o filme tem muito mais acontecendo nas entrelinhas. As constantes disputas por terra, a questão indígena, a degradação do meio ambiente, os matadores de aluguel, o poder da religão, etc, são questões que borbulham nos bastidores do roteiro. Há cenas em que a câmera simplesmente sobrevoa a região e o espectador tem a noção da degradação do entorno e o desastre ecológico produzido pelo desmatamento e mineração. Há também personagens bizarros e aparentemente fora de lugar, como um jornalista chamado Viktor Laurence (em ótima interpretação de Gero Camilo), que diz ser amigo de Cauby mas que não tem nada de confiável. Ele aparece em cena de vez em quando, geralmente bêbado ou drogado, recitando poemas e filosofando sobre a vida. Há também um homem vestido de palhaço que surge nos momentos mais estranhos, e que pode ser muito mais do que aparenta. A trilha sonora de Simone Sou e Alfredo Bello é um capítulo à parte, composta por percussão, sons orientais e regionais, e levam o espectador a uma viagem pelos meandros do roteiro. Beto Brant e Renato Ciasca, parceiros há anos, mostram que o cinema nacional não precisa fazer só comédias leves da Globo Filmes. Há também espaço para obras ousadas como esta. Visto como cortesia no Kinoplex Campinas.



sábado, 21 de abril de 2012

Habemus Papam

Este não é o filme leve e edificante que se poderia esperar. "Habemus Papam", de Nanni Moretti, é irônico e tremendamente ácido com a Igreja Católica e com seu chefe mais alto, o Papa. Quando nos lembramos de que "Caos Calmo", filme estrelado por Moretti em 2008, foi condenado pelo próprio Vaticano por causa de uma cena de sexo considerada forte demais, não nos surpreende tanto este olhar cínico do diretor para com a Igreja. Moretti brinca com as espectativas do público. As cenas envolvendo o conclave, a eleição realizada pelos cardeais para eleger um novo Papa, são realizadas com um olhar humano e quase carinhoso. Sem falar no apuro técnico. Figurino, cenografia e interpretação reconstroem fielmente o ritual da escolha do novo Papa. A ironia fica por conta de Moretti, que deixa os espectadores escutar os pensamentos dos cardeais enquanto meditam. "Por favor, Senhor, não me escolha", é o que se escuta de praticamente todos eles.

Quando a fumaça branca é vista saindo da Capela Sistina, é o sinal de que um novo Papa foi escolhido. No caso, o Cardeal Melville (o grande ator Michel Piccoli), que aparenta ter todas a qualidades de um bom Papa; olhar inteligente, boa presença e humildade. Talvez humildade demais. Quando é chegada a hora do anúncio oficial diante da multidão que o aguarda na Praça São Pedro, no Vaticano, o novo Papa sofre um ataque de pânico e foge da cerimônia, criando tanto espanto quanto um embaraço protocolar. Ele já havia aceito o cargo e, pelas leis da igreja, fora escolhido pelo próprio Deus para a posição. Como ele poderia ter dúvidas? Cabe então ao porta-voz do Vaticano (o ótimo ator polonês Jerzy Stuhr) manter as aparências para a imprensa, fiéis e aos outros cardeais. Após um médico atestar que não há nada de errado fisicamente com o novo pontífice, um psiquiatra (interpretado por Moretti) é chamado para conversar com ele. A situação, obviamente aburda do ponto de vista da igreja, lembra filmes como "Máfia no Divã" ou a série de TV "Os Sopranos". Pena que as cenas envolvendo Moretti e o novo Papa sejam tão breves, mas sobram ironias por todos os lados. O psiquiatra de Moretti é egocêntrico e, obviamente, ateu. Quando não consegue resolver a crise do Papa, indica sua ex-mulher, também psiquiatra, que seria "a segunda melhor" da Itália. O Papa aproveita a saída do Vaticano (de onde oficialmente ninguém pode sair até o impasse ser resolvido) para fugir e fica perambulando pelas ruas de Roma, procurando iluminação.

As cenas de Michel Piccoli vagando pela cidade são muito interessantes, mas o filme perde a oportunidade de construir situações mais realistas. Ele anda de ônibus, assiste a artistas de rua e se envolve com um grupo de teatro, tudo sem ser reconhecido e sem dinheiro. Moretti fica no Vaticano e é puro sarcasmo ao criar uma série de jogos para distrair os cardeais, de disputas de carteado a um bizarro campeonato de vôlei em que os times são divididos pela origem dos religiosos. O final, inesperado, mostra a situação atual da igreja e seu distanciamento do mundo. "Habemus Papam" está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.


domingo, 8 de abril de 2012

Xingu

Em mais de quarenta anos passados no sertão do Brasil, os irmãos Villas-Bôas abriram mais de mil quilômetros de trilhas, exploraram rios, criaram dezenas de campos de pouso e postos avançados e, no caminho, fizeram amizade com centenas de índios, servindo de intermediários entre eles e os brancos. Cultos e bem estudados, os irmãos Orlando (Felipe Camargo), Claudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat) deixaram a cidade para participar da expedição Roncador-Xingu que, nos anos 40 de Getúlio Vargas, era parte da Marcha para o Oeste promovida pelo presidente. O objetivo era explorar as regiões ainda pouco desconhecidas do país e levar o progresso, ou o que era entendido como tal, para os confins do país.

A história dos irmãos Villas-Bôas é levada agora ao cinema pelas mãos competentes de Cao Hamburger, cineasta que começou como animador, trabalhou vários anos na TV Cultura dirigindo programas como o "Castelo Rá-Tim-Bum" (que transformou em longa-metragem em 1999) e realizou o ótimo "O ano em que meus pais saíram de férias" (2006). "Xingu" é um trabalho de fôlego e com uma envergadura maior do que os feitos anteriores de Hamburger. A direção de fotografia de Adriano Goldman não se cansa de mostrar as fartas paisagens do Xingu, com seus rios e grandes planícies, e o filme tem um tom épico auxiliado pela trilha sonora de Beto Villares. Há de se criticar apenas algumas cenas "noturnas" feitas obviamente durante o dia, com o uso de filtros (coisa que podia funcionar nos anos 50, mas que hoje é desnecessário). O elenco é muito bom, com destaque para Felipe Camargo e João Miguel, que trazem muita humanidade aos irmãos mais velhos e, historicamente, mais importantes. Caio Blat ficou com o ingrato papel do irmão mais novo Leonardo, mostrado como assustado e mulherengo, que foi expulso da expedição após engravidar uma índia.

O roteiro, assinado pelo próprio Hamburger em parceria com Elena Soarez e Anna Muylaert, deixa a trama respirar e consegue contar anos de acontecimentos sem tornar-se enfadonho. Várias situações históricas foram romanceadas e a importância dos irmãos aumentada, mas com bom resultado. Há belos momentos, como o primeiro encontro dos Villas-Bôas com os índios, misturando boas doses de tensão com cenas lúdicas. João Miguel, ator camaleônico que já esteve em produções como "Cinema, Aspirinas e Urubus" (de Marcelo Gomes, 2004), é mostrado como o irmão mais próximo aos índios e protagoniza uma bela cena em que mostra a eles, pela primeira vez, um avião. Pode-se questionar até que ponto os irmãos estavam a serviço dos índios ou dos brancos, e é fato que suas expedições facilitaram a entrada de latifundiários de gado e garimpeiros. Mas é também fato que estas pessoas entrariam de qualquer forma país adentro e, aparentemente, os índios tiveram sorte de ter os Villas-Bôas ao lado deles. O trabalho deles culminou com a criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, que completou 50 anos. Como cinema, "Xingu" é um belo filme, com bom elenco e técnica impecável. Como História, continua curiosamente atual. Visto como cortesia no Kinoplex Cinemas, em Campinas. Site oficial do filme.


domingo, 1 de abril de 2012

Another Earth

E se, um dia, surgisse no horizonte um planeta como o nosso? E se, ao olhar pelo telescópio, descobrissem que o tal planeta não é apenas parecido, mas idêntico? Os mesmos continentes, mesmo tamanho, tudo. Seus habitantes seriam também iguais? Haveria, lá em cima, outro "você" olhando para o céu e imaginando a mesma coisa?

"Another Earth" é um filme independente escrito e dirigido por Mike Cahill, que também assina a direção de fotografia e a edição. O roteiro ele divide com a atriz do filme, Brit Marling, que interpreta Rhoda Williams, uma universitária que, no dia em que a "segunda Terra" é descoberta no céu, causa um acidente de carro que provoca a morte da esposa e do filho de John Burroughs (William Mapother), um compositor. Ela era uma moça brilhante, fascinada por astronomia, que fora aceita no MIT; com o acidente, ele  passa os próximos quatro anos de sua vida na prisão. Ao sair, desiste da carreira científica e se torna faxineira em uma escola para crianças. Ela não quer contato com ninguém, mas tenta pedir desculpas ao homem cuja família ela matou. John Burroughs, após a morte da esposa e do filho, se tornou um bêbado que mora em uma casa suja e bagunçada. Quando Rhoda aparece à sua porta, ela não tem coragem de dizer quem é e finge estar procurando serviço como faxineira, e começa a limpar a casa de John regularmente. Enquanto isso, a segunda Terra fica cada vez maior no céu e os cientistas começam a tentar contactar os supostos habitantes do planeta.

O filme é extremamente interessante e peculiar. Feito em digital, com baixo orçamento e atores desconhecidos (William Mapother, que interpreta John, era ator secundário na série "Lost"), "Another Earth" usa de uma premissa da ficção-científica para, de forma indireta, contar uma história dramática e cheia de significados. A vida de Rhoda e John muda drasticamente no dia em que a "Terra 2" aparece nos céus, e eles se tornam pessoas divididas pela dor da perda e pela culpa. É também curiosa a semelhança com "Melancolia", filme de Lars Von Trier que também fala do aparecimento de um planeta azul no céu e as consequências deste fato na vida de uma mulher. Há uma ótima cena em que uma cientista consegue contato pelo rádio com alguém no outro planeta e escuta, surpresa, a própria voz chamando do outro lado. "Another Earth" recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Sundance em 2011 mas, infelizmente, não chegou aos cinemas brasileiros. É bem interpretado e bastante intrigante, apesar do final deixar um pouco a desejar. Vale conferir.

Câmera Escura