sábado, 24 de março de 2012

As Mulheres do 6º Andar

O Senhor Joubert (Fabrice Luchini, de "Potiche" e "Moliére") nasceu e passou a vida toda no mesmo prédio em Paris. É herança de família e lá ele mora com a esposa Suzanne (Sandrine Kiberlain, de "Mademoiselle Chambom" e "O Pequeno Nicolau"), a mãe e Germaine, empregada por trinta anos. Com a morte da mãe de Joubert, a velha doméstica é demitida e em seu lugar entra a jovem e bela Maria (Natalia Verbeke, de "O Filho da Noiva"). São os anos 60 e a França está recebendo uma grande leva de mão-de-obra espanhola por causa da ditadura de Francisco Franco. Segundo amigas de Suzanne, as espanholas são limpas e trabalham de domingo a domingo, com uma condição: querem ir à missa todas as manhãs. A chegada de Maria à casa do Senhor Joubert, um metódico e entediado corretor de valores, causa uma reviravolta na vida dele; interessado a princípio na beleza da moça, aos poucos ele fica atraído também pelo modo alegre e corajoso com que todas as empregadas espanholas do prédio, que moram do 6º andar, levam a vida.

O filme de Philippe Le Guay é uma deliciosa comédia que observa de modo otimista as relações sociais entre os franceses e as imigrantes espanholas. O elenco conta com duas atrizes que já trabalharam com Almodóvar, Carmen Maura (que interpreta Concepción) e Lola Dueñas (que interpreta Carmen, a empregada socialista que está sempre exigindo melhorias); as duas, aliás, interpretaram mãe e filha no ótimo "Volver". O roteiro é bem humorado e inteligente. As francesas amigas de Suzanne falam das espanholas como se fossem meras serviçais ignorantes, e quando o Senhor Joubert começa a se interessar por Maria parece que ele quer apenas dormir com ela. Aos poucos, porém, ele começa a perceber o modo de vida das outras espanholas, pessoas com quem convive todos os dias mas que, até então, lhes eram desconhecidas. Uma visita ao sexto andar revela que o único banheiro usado por elas está entupido e imundo, não há água corrente nos quartos e a higiene pessoal deve ser feita usando-se uma pia no corredor. Joubert reforma o banheiro e passa a ser tratado com carinho pelas empregadas, até mesmo pela desconfiada Carmen. Sim, ele ainda está interessado fisicamente em Maria, como mostra uma cena de ciúme, mas não é apenas sexo que ele procura.

A esposa Suzanne percebe que há algo diferente no comportamento do marido mas, incapaz de ver as empregadas espanholas como rivais, começa a desconfiar de uma cliente do marido, uma dondoca chamada Bettina de Brossolette (Audrey Fleurot). Enquanto isso, o Senhor Joubert se torna um homem mais alegre, mais consciente das pessoas à sua volta e, no fundo, mais humano. O filme é sábio ao usar ou evitar os clichês do gênero e é generoso com os personagens. "As Mulheres do 6º Andar" está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas.


Jogos Vorazes

O fictício país de Panem, na América do Norte, é formado pela capital e por 12 distritos. Por conta de uma rebelião causada pelo antigo 13º Distrito, todos os anos acontecem os "Jogos Vorazes", espécie de "reality show" em que os participantes, um casal de cada distrito, devem competir até a morte. Esta é a premissa da mais recente sensação literária adolescente criada pela escritora Suzanne Collins. Seguindo a linha de adaptações cinematográficas como "Harry Potter", "Percy Jackson" e mesmo a série "Crepúsculo", "Jogos Vorazes" tem uma legião de seguidores fanáticos que fazem verdadeira peregrinação ao cinema. Isso significa assistir a uma sessão de cinema escutando gritos de excitação cada vez que um personagem aparece na tela ou alguma frase conhecida é dita. Fica difícil, assim, julgar a obra do ponto de vista puramente cinematográfico.

Não há nada de novo em "Jogos Vorazes". A trama é baseada em um sem número de livros e filmes de ficção científica que pintam um futuro distópico em que uma classe dominante oprime a população pobre. "Jogos" tem traços do "1984" de George Orwell, de "A máquina do tempo", de H.G. Wells, de séries de TV como "Logan´s Run" e de filmes como "O Show de Truman", de Peter Weir. E, claro, o roteiro é baseado nas dezenas de "reality shows" que surgiram nos últimos anos. Há também inspiração do Império Romano e dos duelos travados pelos gladiadores no Coliseu. Os habitantes da capital de Panem têm nomes romanos como César ou Seneca. Esta familiaridade com material reciclado, no entanto, não significa que o filme seja ruim. Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar pelo sombrio "Inverno da Alma", está bem como Katniss Everdeen, jovem de 16 anos que, quando a irmã mais nova é sorteada para os "Jogos Vorazes", pede para trocar de lugar com ela; ao lado dela está Peeta Mellark (Josh Hutcherson, de "Minhas Mães e meu Pai"), o tributo masculino. A direção de Gary Ross (do superior "Pleasantville - A Vida em Preto e Branco", 1998) não é muito afinada; ele se perde em algumas cenas de ação em que a câmera balança tanto que fica difícil saber o que está acontecendo.

Há uma analogia óbvia com o mundo midiático moderno. Stanley Tucci interpreta um apresentador de televisão que é uma mistura de Pedro Bial com Sílvio Santos, que tenta atrair a atenção dos espectadores para detalhes da vida pessoal dos competidores. É ele, por exemplo, que arranca do companheiro de Katniss, Peeta, que ele tem uma paixão secreta por ela ("revelação" que, novamente, causou gritos adolescentes na sala de cinema). Woody Harrelson interpreta um homem bêbado e decadente que já foi o vencedor dos jogos há muitos anos e, agora, é o conselheiro dos competidores do Distrito 12. Harrelson está muito bem no papel, mas o roteiro é superficial com a psicologia dos personagens. Vencer um dos "Jogos Vorazes" significa ter matado os outros 23 participantes; o que isso causou em um homem como Harrelson? Quando os jogos finalmente começam, o filme não foge da natureza sangrenta do espetáculo e mostra cenas bastante violentas para um filme infanto-juvenil. Pena que o suspense e a ação vão se esvaziando conforme o filme avança, que termina em um anti-clímax. E onde está a audiência? Por que o filme não os mostra, uma vez começados os jogos? Fala-se sobre "patrocinadores" e, em duas cenas, os competidores são ajudados por remédios que eles mandam. Mas a platéia pode eliminar um concorrente, caso não simpatize com ele? E será que esta sociedade rica e elitista se importaria em seguir um programa protagonizado por figuras da classe baixa?

São perguntas que, provavelmente, não cabem fazer sobre um filme adolescente de entretenimento, mas fica a sensação de que poderia ter sido melhor. Visto como cortesia no Kinoplex Campinas.

Box Trilogia Jogos Vorazes

Câmera Escura

sexta-feira, 16 de março de 2012

Shame

Brandon Sullivan (Michael Fassbender) é um homem bem sucedido, bonito, bem empregado, que gosta de música clássica e mora em um bom apartamento em Nova York. Com estas qualidades, não lhe é difícil conquistar mulheres, que flertam com ele no metrô, no escritório ou nas baladas. Sua vida social, no entanto, está longe da ideal. Brandon é incapaz de sentimentos que não sejam carnais; seu computador, mesmo no trabalho, está cheio de vídeos pornográficos. Ao chegar em casa, assiste com desinteresse a mais vídeos na internet, farta deste tipo de oferta. Faz sexo com frequência, mas as parceiras são prostitutas ou mulheres que "pega" nas baladas, também desinteressadas em um relacionamento genuíno.

"Shame" é um retrato frio e impiedoso da sociedade do prazer. Sexo pode ser conseguido de forma tão fácil que só se torna interessante quando carrega uma grande dose de perversão ou exibicionismo. A busca pelo prazer físico se transforma em um verdadeiro culto ao orgasmo, que, como uma droga, perde o efeito rápido e precisa ser alcançado novamente o mais breve possível. O alemão Michael Fassbender (de "Bastardos Inglórios", "X-Men - Primeira Classe") se entrega a um papel arriscado e se expõe tanto física (há várias cenas em que aparece em nu frontal) quanto emocionalmente, e sua ausência nas indicações ao Oscar foi muito comentada. Brandon é um personagem tão frio e de pouca empatia com o público quanto o filme. Carey Mulligan (do ótimo "Drive") também aparece repaginada; frequentemente nua e desbocada, ela está distante dos papéis de "menininha" que costuma interpretar. Ela é Sissy, uma cantora que é irmã de Brandon e que aparece em seu apartamento sem avisar. A relação entre os dois é tão complicada quanto tudo que envolve Brandon. Há, ao mesmo tempo, tanta intimidade física (fica difícil vê-los como irmãos) quanto distância emocional. A couraça de Brandon é arranhada em apenas uma cena, quando a irmã canta uma versão lenta de "New York, New York" em um clube noturno. 

O diretor britânico Steve McQueen (nehuma relação com o famoso ator) usa de longos planos para criar tensão em algumas cenas importantes. Quando Brandon sai para jantar com uma colega do escritório, a cena é toda filmada em um único plano estático que se fecha lentamente sobre o casal, revelando o nervosismo dele com uma situação rara: ele tem sentimentos por esta moça. Quando os dois vão para a cama, novamente a câmera se mantém sem cortes por vários minutos, enquanto Brandon vai ficando cada vez mais desconfortável com as intimidades da garota. Nas cenas de sexo causal, no entanto, a edição se torna rápida e sufocante, e a câmera não tem pudores ao mostrar os corpos nus em cena. O que não significa, no entanto, que o filme tenha intenções pornográficas. O sexo em "Shame" não é excitante, muito pelo contrário. A expressão no rosto de Fassbender enquanto transa não é de deleite, mas de desespero. O filme recebeu a classificação NC-17 nos Estados Unidos, associada geralmente a filmes pornográficos (e que custam milhares de dólares à bilheteria) e censura 16 anos no Brasil. "Shame" incomoda ao por o dedo na ferida da sociedade do consumismo desenfreado. Obra difícil, mas fascinante. Visto como cortesia no Kinoplex Campinas.

Câmera Escura

sábado, 10 de março de 2012

Tomboy

O dicionário Merriam Webster define "Tomboy" como "uma garota que se comporta de uma forma considerada masculina". Assim, não há muito o que esconder ao se escrever sobre um filme com este nome. Sim, "Tomboy" é sobre uma garota que se comporta como menino. O interessante é como, mesmo já tendo esta informação antes de entrar no cinema, você não deixa de se surpreender com a interpretação fantástica de Zoé Herán como o garoto "Michael". É necessário um vislumbre rápido do corpo de Herán em uma cena de banho para você se certificar de que se trata de uma menina. Mas este não é daqueles filmes engajados que normalmente são feitos por e para o público "mix". "Tomboy" é uma história contada com extrema sensibilidade pela diretora Céline Sciamma, responsável por algumas das melhores interpretações infanto-juvenis já vistas.

Uma família composta por pai, mãe grávida e duas crianças se muda para um calmo subúrbio francês. O pequeno conjunto de prédios é cercado por uma paisagem verdejante onde as crianças brincam como nos velhos tempos; há um bosque onde elas brincam de pega-pega, um campinho de futebol e um lago onde elas nadam tranquilamente. Nesta época de crianças super atarefadas ou grudadas constantemente no computador, chega a estranhar ver um cenário tão idílico. A menina mais velha se veste o tempo todo com bermudas, camisetas e tênis e só sabemos que é uma garota porque os pais a chamam de Laure. Para a vizinha pré-adolescente Lisa (Jeanne Disson), no entanto, Laure se apresenta como Michael, e é aceita como garoto por ela e por todas as crianças locais. Aos dez anos de idade, as características sexuais ainda não estão aparentes, de forma que Michael pode até jogar futebol sem camisa com os garotos sem levantar suspeitas. A irmã mais nova, Jeanne (uma pequena atriz maravilhosa), acaba entrando na "brincadeira" de Laure e fica até contente por ter um "irmão mais velho" que a leva para brincar com as outras crianças e a proteje dos garotos.

Quanto aos pais, o roteiro evita todos aqueles clichês que eram de se esperar de um filme como este. O pai é amoroso com as duas filhas e não se altera nem quando fica sabendo que Laure estava agindo como um garoto. Fica no ar a sensação de que a indefinição de gênero da garota não é novidade para a família, que já teria se mudado anteriormente por causa disso. A naturalidade com que Laure age como Michael é tamanha que a vizinha Lisa começa a se interessar por ele/ela. Há uma cena curiosa em que Lisa leva Michael para seu apartamento e começa a passar maquiagem nele. Mas é evidente que não são duas meninas brincando. Claro que a situação é uma bomba relógio. Uma hora ou outra a verdade virá à tona, até porque o período escolar está chegando e as crianças vão notar que não há nenhum "Michael" na lista de chamada. Novamente, a sensibilidade da diretora impede que a resolução seja "cinematográfica" e exagerada. Belo filme. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.


Românticos Anônimos

Há várias lendas sobre os poderes do chocolate. Ele seria tão viciante, e teria o mesmo efeito, de drogas como a maconha; ele serviria para atenuar a depressão e, nas mulheres, curaria a TPM; no cérebro, afetaria as mesmas regiões que ficam agitadas quando a pessoa está apaixonada.

Amor e chocolate são os temas da comédia "Românticos Anônimos", com roteiro e direção de Jean-Pierre Améris. O filme é leve e passageiro como uma caixa de bombons. Angélique (Isabelle Carrére, de "O Refúgio") é uma especialista em chocolates que sofre de síndrome de pânico. Ela frequenta um grupo de auto-ajuda para pessoas "emotivas" e, apesar de bonita e talentosa, tem tanto medo das pessoas que chega a desmaiar ao se apresentar. Ela vai procurar emprego em uma fábrica de chocolates e o dono, Jean-René (Benoît Poelvoorde, de "Coco antes de Chanel"), gosta dela e a contrata imediatamente. Jean-René tem uma fachada de homem duro e controlado mas, no fundo, tem tanto medo das pessoas quanto Angélique. O psiquiatra dele o aconselha a convidar a moça para sair, e o jantar dos dois em um restaurante fino é uma das cenas mais engraçadas do filme.

Não se pode esperar muito de "Românticos Anônimos"; ele serve para mostrar que "filme europeu" não é sinônimo de obra profunda e hermética. Com apenas 80 minutos de duração, a comédia romântica abusa da doçura e da previsibilidade. Há um momento em que até flerta com os musicais, como na cena em que Angélique canta uma versão em francês de "I have confidence in me",  música que Julie Andrews canta em "A Noviça Rebelde" (Robert Wise, 1965). Há poucos conflitos e o filme parte para soluções fáceis, como a cena final no grupo de auto-ajuda. Vale como passatempo. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.