Steven Spielberg e os animais, via de regra, estiveram em lados opostos em seus filmes. "Tubarão" (1975) registrava o medo do diretor pelos animais aquáticos, assim como "Jurassic Park" (1993) mostrava que a relação de Spielberg com a natureza, como a de Indiana Jones com os répteis, não era muito amigável. Até mesmo o caminhão de "Encurralado" (1971) era visto mais como uma fera do que como uma máquina e, ao "morrer", o caminhão tanque soltava um lamento que lembrava um animal ferido.
Aos 65 anos e o diretor mais popular da história do cinema falado, Steven Spielberg faz seu primeiro filme em que um animal, o cavalo Joey, é o protagonista. Curioso o quanto o filme se parece com a animação "Spirit - O Corcel Indomável" (2002), produzido quando a DreamWorks (estúdio do qual Spielberg é dono) ainda era considerada uma competidora da Disney na animação tradicional. De fato, em muitas partes, "Cavalo de Guerra" parece uma versão em live action do desenho produzido por Jeffrey Katzenberg, o que não é um demérito. Acertadamente, Spielberg trata o cavalo Joey como um animal o filme todo, não caindo no recurso fácil de antropomorfizar demais a criatura, dando-lhe "sentimentos" humanos. Apesar do protagonista ser o cavalo, são as pessoas que chamam a atenção neste belo drama de guerra. A paisagem pedregosa de Devon, no Reino Unido, lembra a de "Depois do Vendaval" (1952), de John Ford (filme referenciado em "E.T. - O Extraterrestre", 1982), e é neste local que nasce o cavalo Joey, assim batizado por Albert Narracott (Jeremy Irvine). O rapaz é filho do teimoso agricultor Ted (Peter Mullen) que, contrariando a vontade da esposa Rose (a ótima Emily Watson), havia adquirido o cavalo em um leilão. Joey é um belo animal, mas não é adequado para arar o terreno que a família aluga do Sr. Lyons (David Thewlis), que ameaça tomar-lhes a propriedade. Interessante como Spielberg opõe "homem versus máquina" ao mostrar Lyons (e seu filho mimado) sempre andando de automóvel, enquanto os Narracott dependem da tração animal para tirar o sustento da terra.
Com o início da I Guerra Mundial, em 1914, Joey é vendido ao exército (contra a vontade do garoto Albert) e parte para a França. "Cavalo de Guerra" então se divide em uma série de "episódios" interligados pelo animal que tem diferentes donos no transcorrer da trama. Spielberg se vale de ótimos atores europeus como Niels Arestrup (de "O Profeta", 2009) ou Lian Cunningham (de "Borboletas Negras", 2011) para interpretar franceses, alemães ou soldados britânicos. Pena que ele não teve a coragem necessária para fazê-los falar em suas línguas originais (todos falam em inglês), mas seria ousado demais para o público médio americano, que abomina filmes legendados. Visualmente, porém, Spielberg está seguro como sempre. Poucos dominam seu olhar para enquadramentos e soluções visuais, e há cenas de extrema beleza, como o ataque da cavalaria britânica em meio a um campo dourado de trigo ou o uso sutil das pás de um moinho para encobrir uma cena de execução. As cenas de batalha são coreografadas milimetricamente em belos deslocamentos de câmera. E quando o cavalo fica preso em arame farpado no campo de batalha, há uma cena tocante e engraçada em que combatentes inimigos se juntam para tentar soltar o animal.
Steven Spielberg nunca teve medo de ser dramático, até piegas, para trazer o público para junto de seus filmes. O final de "Cavalo de Guerra" é uma homenagem ao cinemão hollywoodiano épico, mítico, passado em um pôr-de-sol que parece ter vindo diretamente de uma cena de "...E o Vento Levou" (1939) ou dos Westerns de John Ford. A direção de fotografia, excelente, é de Janusz Kaminski, que colabora com Spielberg desde "A Lista de Schindler" (1993), e a montagem clássica é do veterano Michael Kahn; tudo acompanhado pela trilha de John Williams, que musicou todos os filmes de Spielberg (com exceção de "A Cor Púrpura", 1985) desde "A Louca Escapada" (1974). "Cavalo de Guerra" recebeu duas indicações ao Globo de Ouro 2012 (Melhor Filme Dramático e Trilha Sonora) e com certeza estará entre as indicações ao próximo Oscar. Melhor do que tudo isso é dizer que "Cavalo de Guerra" é um filme bonito de se ver, de preferência na tela grande do cinema.
Um comentário:
Vc acertou na crítica justamente onde eu achei o que poderia ser melhor, todos FALAM INGLES. Então fica até perdido quem é quem ao longo do filme, é soldado alemão, é inglês é camponês francês.
Uma dica, presta atenção no Benedict Cumberbatch, que faz o oficial britânico arrogante (o de bigode) e dono do cavalo negro. Ele está fazendo muito sucesso no Reino Unido com a série "Sherlock" (uma série moderna, que mostra o Sherlock Holmes e Watson como pessoas do nosso tempo) e também coadjuvante no filme "O homem que sabia de mais". Ele foi escolhido para ser o vilão do Star Trek II, de J.J.Abrams.
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