sábado, 14 de janeiro de 2012

As aventuras de Tintim

Como explicar um diretor como Steven Spielberg? Como explicar que, no mesmo ano em que ele lança um dos filmes mais clássicos dos últimos anos, Cavalo de Guerra (filmado em película de 35mm, editado em moviola como nos velhos tempos), ele também lance um dos filmes mais avançados tecnicamente que o cinema atual pode produzir? "As aventuras de Tintim" não é só a primeira animação do diretor, mas também seu primeiro filme em computação gráfica, seu primeiro filme digital e o primeiro em três dimensões. A explicação está no fato de que ser ao mesmo tempo clássico e inovador nunca foi novidade para Spielberg. No mesmo ano em que lançou "Jurassic Park" (1993), com sua extraordinárias criaturas criadas em computação gráfica, também foi responsável por "A Lista de Schindler", um drama adulto sobre o holocausto, feito com atores de carne e osso e rodado em preto e branco.

Tintim, personagem do quadrinista belga Hergé, já era propriedade de Spielberg desde os anos 80, quando fez os filmes de Indiana Jones. Muitos notaram a semelhança entre o arqueólogo interpretado por Harrison Ford e o jovem jornalista de topete que investigava mistérios pelo mundo ao lado de seu cachorro Milu. De tantos em tantos anos ouvia-se rumores de que Spielberg finalmente faria a versão cinematográfica dos quadrinhos do aventureiro, mas o projeto nunca saia do papel. Então surgiu Peter Jackson e sua empresa de efeitos especiais, a WETA, baseada na Nova Zelândia. Em uma parceria que lembra os bons tempos da dupla Spielberg/Lucas (que produziu a série Indiana Jones), Spielberg e Jackson uniram forças para fazer um dos filmes mais empolgantes e inovadores dos últimos anos. "As Aventuras de Tintim" tem todos os ingredientes de um bom filme de aventura, mais passagens de filmes de suspense, ação, lutas de capa e espada e duelos entre navios de guerra. A semelhança de certas cenas com Indiana Jones é tão grande que, em alguns momentos, o espectador fica esperando que a trilha de John Williams toque o tradicional tema do arqueólogo.

"As Aventuras de Tintim" seguem o jovem aventureiro (voz original de Jaime Bell) em sua tentativa de desvendar o enigma do navio "Unicórnio", que afundou séculos atrás com centenas de quilos de ouro a bordo. Tudo começa quando o garoto compra um modelo do navio em uma feira de antiguidades. Assim que ele finaliza a compra outros interessados no navio aparecem. Um deles é o estranho Sr. Sakharine (voz de Daniel Craig), que tem em sua mansão outro modelo idêntico ao que Tintim comprou. Após Tintim ter seu modelo roubado ele e descobre que há, na verdade, três modelos do navio "Unicórnio", cada um contendo um manuscrito que é parte de um enigma. A chave para desvendá-lo está não só nos manuscritos como na mente do Capitão Haddock (voz de Andy Serkis), um experiente (e bêbado) lobo do mar que seria descendente do capitão Francis Haddock, comandante do "Unicórnio" original. O filme leva o espectador em uma aventura por terra, mar, ar e deserto que não só fazem juz aos quadrinhos originais como lembram os bons tempos do cinema de aventura.

Tecnicamente, o filme é surpreendente. Spielberg até engana o espectador com uma abertura com estilo "antiquado", com uma animação estilizada que lembra a abertura de "Prenda-me se for capaz" (2002), para então mergulhar a platéia em um espetáculo audiovisual que, à primeira vista, fica difícil identificar; é uma animação ou um filme com atores? Foi utilizado o sistema de "motion capture" para gravar a movimentação física e as expressões dos atores de verdade, que interpretam as cenas diante de um equipamento especial (veja vídeo de bastidores). Os dados então são transferidos para computadores e usados na animação dos personagens, que têm um visual que é um híbrido de realista com cartunesco. Após algum tempo o espectador se esquece que está vendo uma animação. Interessante como o estilo de dirigir de Spielberg foi bem traduzido para a técnica; em grande parte do tempo percebe-se que o diretor tentou se manter dentro das leis da física tanto na movimentação dos personagens quanto da câmera (que, a rigor, não existe). Em algumas sequências, porém, Spielberg se aproveitou da liberdade ilimitada proporcionada pela animação para criar planos fantásticos, principalmente na sequência em que o Capitão Hadocck se lembra de uma batalha naval e em um fantástico plano-sequência em que vários personagens estão tentando recuperar os manuscritos. Em meio à centena de nomes dos créditos finais pode-se notar que Steven Spielberg está também creditado como "Light consultant". A luz sempre foi marca registrada do diretor, que a usa para criar fachos na tela ou em belos planos em contraluz.

O final deixa clara a possibilidade de uma contiuação, que pode ser feita um dia por Peter Jackson. O filme não teve a bilheteria esperada nos Estados Unidos, apesar de ter sido bem aceito na Europa. De qualquer forma, "As Aventuras de Tintim" revelam que Spielberg, aos 65, ainda tem gás para inovar.


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