domingo, 30 de dezembro de 2012

Uma Lista para 2012

Todo final de ano surgem as listas dos "melhores do ano". Aqui no Câmera Escura não poderia ser diferente, mas vou evitar falar em "melhores". Esta é uma lista para 2012. Filmes que, de alguma forma, chamaram a atenção, sem nenhuma ordem específica. Deixei de lado alguns que foram exibidos em 2012 aqui no Brasil, mas foram lançados ano passado nos Estados Unidos. Divirtam-se.




Argo - Filme comercial de primeira. Ben Affleck mostrando que é ótimo diretor.

Looper - A ficção-científica do ano. Inteligente, ousado, comercial.

Drive - Estiloso, cool, muito bem interpretado e dirigido. Filme cult instantâneo.

Valente - A Pixar incorporando a Disney e fazendo uma boa animação com uma personagem forte.

Elefante Branco - Pablo Tapero e Ricardo Darín mais uma vez chocando e denunciando.

O Som ao Redor - Estréia de Kleber Mendonça Filho no longa-metragem. Redondo, perto da perfeição.

Histórias que só existem quando lembradas - Filme nacional que quase ninguém viu. Uma joia escondida.


Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios - Beto Brant e Renato Ciasca em um filme pesado com grandes interpretações de Camila Pitanga (surpreendente) e Zecarlos Machado.

As Neves do Kilimanjaro - Bom filme europeu com mensagem social importante.

O Porto - Pequena obra-prima, para não perder.

Tomboy - História sensível de uma garota que pensa (ou quer) ser um menino.

As Mulheres do Sexto Andar - Gostosa comédia francesa sobre o choque de culturas e classes sociais.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Detona Ralph

"Detona Ralph" é fruto da geração fliperama, que gastava fortunas em fichas de "Pac Man" e "Space Invaders" antes que os consoles invadissem as casas. Ele tem como protagonista Ralph, o personagem de um jogo fictício aos moldes de "Elevator Action" e "Donkey Kong". Sua única função é "detonar" as janelas de um prédio de apartamentos, que são rapidamente consertadas por Felix, um rapaz com um martelo mágico. Ao final de cada jogo, Ralph é atirado de cima do prédio pelos moradores enfurecidos e passa a noite no lixão do mundo virtual. O começo do filme é bastante bom.  Ralph é visto em uma reunião aos moldes dos "alcoólicos anônimos" em que ele fala de suas frustrações por ser um vilão. Jogadores vão reconhecer figuras famosas do mundo dos games como o fantasminha do jogo "Pac Man", do Dr. Robotnik (do "Sonic") e de outros vilões de jogos como "Street Fighter" e "Super Mario". Vilões e heróis dos vários fliperamas passeiam pelos fios de força entre as máquinas, todas ligadas em uma espécie de estação de trem central.

Ralph, chateado por não ter a mesma fama dos heróis, decide invadir um jogo de tiro, muito mais moderno, para conseguir uma medalha e provar para os companheiros do seu mundo que ele vale tanto quanto Felix, o herói. Ele é bem sucedido, mas ao ser atacado por um inseto estilo "Aliens" ele vai parar em outro jogo, bastante feminino e "fofinho", passado em um mundo feito de balas e doces. É então que  o roteiro de "Detona Ralph" se perde completamente. O início é bastante promissor; a ideia de uma história passada dentro de um videogame não é nova, a mesma Disney fez "TRON" em 1982, mas era um filme adulto e cerebral. "Detona Ralph" prometia ser uma aventura divertida que, ao mesmo tempo que homenageava os jogos antigos, daria ao espectador uma viagem por dentro deles. Mas não é o que acontece. Personagens famosos dos games como os vilões já citados são acompanhados por aparições rápidas do porco-espinho Sonic, por exemplo, mas é de se perguntar porque os roteiristas do filme (o diretor Rich Moore, Phil Jonston, Jim Reardon e Jennifer Lee) resolveram passar grande parte da trama dentro de um mundo feito de chocolate, biscoitos e doces ao invés de em um mundo virtual quer realmente lembrasse um videogame. Neste mundo feito de açúcar, Ralph se torna aliado de uma garota irritante chamada Vanellope, que quer vencer uma corrida de carros para voltar a ser aceita como integrante daquele jogo (ela é considerada por todos um "bug" no sistema). O fato dela sequer saber dirigir só é uma desculpa para Ralph, que também não sabe, treiná-la por vários minutos do filme. Por esta descrição já dá para perceber o quanto os roteiristas se perderam.

"Detona Ralph" é, oficialmente, um produto dos estúdios Disney, embora tenha ficado confuso atribuir a autoria depois que eles se fundiram com os estúdios da Pixar. É um filme que deve agradar a crianças pequenas. Infelizmente, grande parte do público alvo (fãs nostálgicos dos games antigos) vá ficar entediado. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.


PS: Antes do longa há a exibição de um ótimo curta-metragem animado chamado "Avião de Papel" (Paperman), dirigido por John Kahrs. Passado em Nova York, o curta conta a história de um rapaz que encontra acidentalmente uma moça em uma estação de trem e os dois se apaixonam, mas vão cada um para um lado. Quando o rapaz está no escritório ele vê a moça do outro lado da rua e tenta chamar a atenção dela com vários aviões de papel que ele faz com os formulários do trabalho. Muito bem feito (e bem melhor do que "Detona Ralph"). Clique AQUI para ler mais a respeito da técnica por trás deste curta.




sábado, 22 de dezembro de 2012

As aventuras de Pi

"As Aventuras de Pi" é um filme com dois lados. Um é uma ótima aventura de fantasia que mostra a convivência forçada entre um garoto indiano e um tigre de bengala. O outro lado é um filme confuso sobre a disputa entre a Razão e a Religião. Baseado em um livro de Yann Martel, o roteiro de David Magee, provavelmente fiel ao material original, é bastante irregular. Acrescenta-se o fato de que o diretor Ang Lee, que já fez obras tão diversas quanto "Razão e Sensibilidade" (1995), "O Tigre e o Dragão" (2000) ou mesmo "Hulk" (2003) ter decidido testar em "As aventuras de Pi" todo tipo de efeito especial digital possível e o produto final, repetimos, é uma salada mista, por vezes brilhante, em outras entediante, frequentemente exagerado.

Pi (Suraj Sharma) é um rapaz indiano que cresceu em um zoológico administrado pela família. As finanças vão mal e o pai decide fechar o zoo e partir para o Canadá, onde pretende vender os animais e começar uma vida nova. Durante uma tempestade no Oceano Pacífico, o cargueiro em que viajam é tragado pelas ondas e Pi vai parar em um bote salva-vidas na companhia de um orangotango, uma zebra, uma hiena e do tigre do zoológico. A cena do naufrágio é assustadora e realmente impressionante. Há um plano que mostra Pi, sob as ondas, vendo o grande navio iluminado afundar na escuridão do mar, que é fantástico. De volta ao bote salva-vidas, Pi tem não só que cuidar da própria vida como administrar os animais a bordo que, aos poucos, vão sendo devorados primeiro pela hiena e depois pelo tigre. Quando sobram apenas Pi e o tigre, é um conflito entre a inteligência do garoto contra a força e os instintos do animal que, como mostrado em uma cena anterior, é um predador eficiente e letal. Pi constrói uma balsa com os coletes salva-vidas e os remos e passa grande parte do tempo nela, deixando o bote para o tigre. É uma convivência complicada, mas o roteiro (ao menos nesta parte da trama) é inteligente e mostra como Pi tem que pensar não só em saciar a própria fome (ele come biscoitos do bote salva-vidas) como a do tigre, que ele alimenta com peixes pescados com uma vara improvisada. Não é apenas uma boa ação; se o tigre ficar com fome demais ele pode tentar alcançar Pi na balsa e devorá-lo. Há belas cenas em que a tela do cinema se transforma em uma espécie de pintura em que Ang Lee mistura as cores do céu e do mar, ou as nuvens e as águas vivas. Há um clima um pouco "new age" demais, mas é certamente bonito. Se "As Aventuras de Pi" fosse feito apenas desta longa sequência passada no mar, seria um filme ótimo.

(ATENÇÃO SPOILERS) O problema é que há outra trama, passada no presente, que mostra um Pi adulto (Irrfan Khan) narrando sua história para um escritor canadense. Isto causa vários problemas; para começar, revela que Pi sobreviveu à aventura no mar, já que é visto vivo, e adulto, logo no início do filme. Além disso, passa-se um bom tempo (tempo demais) acompanhando a narração de Pi falando sobre a infância e seu envolvimento com várias religiões. Mas o pior é uma sequência final em que, depois de contar sua aventura fantástica ao escritor canadense, o Pi adulto resolve contar uma outra versão, possivelmente a "verdadeira", sobre o que realmente teria acontecido a ele e sua família durante o naufrágio. Seria uma decisão corajosa por parte de Ang Lee ou um terrível erro de cálculo? O resultado é que "As aventuras de Pi" termina com um tremendo anti clímax, lembrando aquelas histórias antigas que acabavam com "e foi tudo um sonho". 

De qualquer forma, "As aventuras de Pi" é ambicioso e muito bem feito. Os efeitos especiais chegaram a um nível em que praticamente tudo que pode ser imaginado pode ser materializado; fato que, se não for usado com cuidado, pode ser um problema.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Escrito pelo britânico J.R.R. Tolkien na década de 1930, "O Hobbit" era um livro infanto-juvenil leve, divertido e rico em detalhes, que contava a história de Bilbo Baggins (ou Bilbo Bolseiro), que acompanhava o mago Galdalf e 13 anões em uma aventura pela Terra Média. O grupo queria recuperar o ouro roubado pelo dragão Smaug e, no meio do caminho, Bilbo enfrentava uma série de aventuras; em uma delas, ele encontra no chão de uma caverna um grande anel de ouro que lhe dá o poder da invisibilidade. O livro foi um grande sucesso e Tolkien passou a vida escrevendo sobre a Terra Média e as aventuras em torno do anel encontrado por Bilbo. No século XXI, o neozelandês Peter Jackson embarcou na tarefa de transformar os três livros da série "O Senhor dos Anéis" em longos filmes que revolucionaram os efeitos especiais e puseram a Nova Zelândia no mapa cinematográfico mundial. O público respondeu com bilhões de dólares  nas bilheterias e, inevitavelmente, sabia-se que Jackson voltaria à Terra Média com sua versão de  "O Hobbit".

Só que o sucesso, assim como o Anel, é um aliado perigoso. Ao invés de fazer "O Hobbit" como um só filme de três horas, Jackson dividiu o livrinho em três partes, que prometem arrecadar o máximo de bilheteria possível para a New Line Cinema e os estúdios envolvidos na "franquia" de Tolkien. Com carta branca e precisando esticar ao máximo o roteiro (coisa que Jackson já faz normalmente), o roteirista/diretor traz a Terra Média de volta à telona em um filme com longas duas horas e cinquenta minutos de duração, um exagero. Não que "O Hobbit" seja uma experiência ruim de se assistir (apesar de ser voltado para um público dedicado). Jackson está à vontade com a mitologia criada por Tolkien e é um prazer rever Ian McKellen como o mago Gandalf. Também estão de volta, em pequenas aparições, Elijah Wood como Frodo e Ian Holm como o velho Bilbo. Interpretando o hobbit 60 anos mais novo está Martin Freeman, que faz um trabalho muito bom. Um numeroso elenco interpreta os 13 anões que, junto com Gandalf e Bilbo, partem para a "Montanha Solitária" para tentar recuperar o tesouro. Faz falta a presença sóbria de Viggo Mortensen, que interpretava Aragorn na trilogia anterior, mas o grupo de anões é divertido. A grande Cate Blanchett retorna como a Rainha dos Elfos, Galadriel, e sua beleza é um colírio como a única figura feminina em quase três horas de filme. Hugo Weaving também retorna como o sábio elfo Elrond, assim como Christopher Lee como Saruman.

O problema, repito, é a redundância do roteiro, claramente ganhando tempo para esticar a trama. Há longas sequências de flashbacks que explicam cada detalhe do passado dos personagens, assim como cenas intermináveis, como o jantar que acontece na casa de Bilbo antes da partida para a aventura. Outra questão é o uso excessivo dos efeitos digitais para criar centenas de vilões virtuais nas cenas de batalhas. Jackson se perde na sequência em que Gandalf e os anões fogem do interior da montanha dos orcs e há uma violência inconsequente (nenhum dos heróis chega sequer a se ferir). Há, porém, boas sequências, como a que mostra uma luta titânica entre gigantes de pedra, do tamanho de montanhas, que batalham sob a chuva. E o personagem Gollun, extraordinária criatura digital "interpretada" por Andy Serkis, continua o melhor ator da série. A trilha de Howard Shore repete quase todos os temas da trilogia original. A fotografia tem problemas; Jackson fez o filme em digital, em 3D e em um novo formato que grava a 48 quadros por segundo (contra os tradicionais 24 quadros por segundo do cinema), supostamente buscando uma qualidade melhor. O resultado é uma imagem ligeiramente embaçada e irreal, ao menos na cópia vista.

É um filme recomendável? Os fãs de "O Senhor dos Anéis", que não são poucos, certamente vão adorar. Outras centenas de espectadores vão assistir por impulso. Aos que não gostam de cinema de fantasia ou não têm paciência para ver anões correndo por quase três horas, melhor evitar. Visto no Kinoplex, em Campinas.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Homem da Máfia

"O Homem da Máfia" é o tipo de filme que se acha melhor e mais inteligente do que realmente é. Escrito e dirigido por Andrew Dominik e estrelado e produzido por Brad Pitt, a obra está longe da beleza de outro trabalho feito pela dupla, o ótimo "O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford" (2007). O roteiro está cheio daqueles diálogos longos que tentam  soar como Quentin Tarantino e as imagens lembram algum filme de Guy Ritchie, mas sem o mesmo talento.

O elenco, invejável, conta com Pitt, Ray Liotta, James Gandolfini e Richard Jenkins em uma trama passada no sul dos Estados Unidos envolvendo a Máfia e alguns ladrões de segunda classe. Dois deles invadem um jogo de cartas gerenciado por Markie Trattman (Liotta, grande ator desperdiçado há anos pelo cinema) e levam todo o dinheiro. Eles tem um plano "infalível"; Trattman, alguns meses antes, havia roubado a própria casa pra embolsar o dinheiro da Máfia e, bêbado uma noite, havia confessado o golpe para amigos. A lógica dos bandidos é clara; se a casa for roubada novamente, a Máfia irá desconfiar de Trattman e os deixará em paz. Mas as coisas não são tão simples. Após o assalto, Brad Pitt, um assassino profissional, vem à cidade negociar o destino dos bandidos com Richard Jenkins (chamado apenas de "Motorista" nos créditos). Como a trama não tem muito a dizer, o roteiro tentar disfarçar a superficialidade com sarcasmo e muita violência. Há uma cena forte de espancamento que, tecnicamente, é muito bem feita. O bom design sonoro faz o espectador quase sentir no próprio corpo os ossos se partindo; o problema é a gratuidade da coisa. Violência sem substância é apenas pornografia.

O filme desperdiça a presença de um grande ator como James Gandolfini, que interpreta outro assassino profissional; ele é trazido à cidade para matar os ladrões, mas seu personagem poderia ter sido cortado, já que desaparece de cena tão rápido quanto entrou. O roteiro força um paralelo entre a história americana recente e os fatos passados no filme; em todos os bares há um aparelho de televisão mostrando discursos de George W. Bush falando sobre a crise econômica e, no final, a vitória de Barack Obama deveria significar alguma coisa para o roteirista, mas não fica muito claro o que é. Visto no Kinoplex, em Campinas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Elefante Branco

A força de Ricardo Darín ("Um conto chinês", "O segredo de seus olhos") é tamanha que basta um plano para estabelecer todo um personagem. E é o rosto dele que abre "Elefante Branco", mais uma parceria entre o grande ator argentino e o diretor Pablo Trapero. Os dois trabalharam juntos no barra pesada "Abutres", um retrato cruel da máfia das indenizações na Argentina. 

Em "Elefante Branco", Trapero e Darín mergulham nos problemas de uma enorme favela nas cercanias de Buenos Aires onde moram 30 mil pessoas. Darín é o padre Julián, o pároco que reza missas, faz batismos coletivos, ajuda menores infratores e toca um projeto de revitalização de uma área dominada pelo "elefante branco" do título: um imenso prédio abandonado que havia sido construído décadas antes para ser o maior hospital da América Latina, promessa que ficou só no esqueleto. O padre é ajudado por uma assistente social engajada, Luciana (Martina Gusman, também de "Abutres") e por um padre belga chamado Nicolás (Jérémie Renier, de "O Garoto da Bicicleta"). Nicolás sente-se mal por haver sobrevivido a uma chacina em uma vila na Amazônia Peruana e foi recrutado pelo padre Julián para tomar seu lugar.  O personagem de Ricardo Darín esconde um segredo: está com um diagnóstico médico fatal e, provavelmente, não tem muito tempo de vida.

Pablo Trapero dirige com ousadia em longos planos sequência que acompanham os atores por entre os andares do prédio em ruínas e vai com eles até a capela caindo aos pedaços que Julián chama de sua "paróquia". As questões políticas são mostradas de frente pela lente de Trapero, que denuncia a omissão do Estado e a opulência mal disfarçada da Igreja. Julián tenta fazer a ponte entre a pobreza da favela, com seus traficantes de drogas, viciados e pessoas passando necessidades com o bispado, que não quer se envolver politicamente na região. A questão do celibato também é colocada em cheque. O jovem padre Nicolás e a bela Luciana acabam se envolvendo física e emocionalmente e o filme encara o romance proibido dos dois de forma pragmática, não descambando para o melodrama. Eles têm uma missão a cumprir e são conscientes disso, apesar de não negarem a atração que sentem um pelo outro. Tudo culmina com uma sequência impressionante de desocupação da área pela polícia argentina que Trapero orquestra com maestria. Filme pesado e forte que trata de questões atuais e relevantes. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 11 de novembro de 2012

Argo

"Argo" é o terceiro filme dirigido por Ben Affleck que, como ator, é bastante limitado. Como diretor, porém, Affleck atingiu a maturidade com este filme inteligente que, baseado livremente em fatos reais, é uma boa mistura de entretenimento e suspense. Em novembro de 1979, a embaixada americana no Irã foi invadida por uma multidão que apoiava o Aiatolá Khomeini. Vários americanos foram feitos reféns mas, durante a confusão, seis diplomatas conseguiram fugir para a casa do embaixador do Canadá, onde ficaram escondidos por várias semanas, aguardando serem resgatados.

Ben Affleck interpreta Tony Mendez, um especialista da CIA em repatriar reféns. Ele é chamado pelo Departamento de Estado para dar sua opinião e, após refutar vários planos (um deles sugeria que os reféns pedalassem 500 quilômetros até a fronteira ao norte), criou um plano tão absurdo que poderia dar certo. Inspirado pelos filmes de ficção-científica e fantasia que viraram moda nos Estados Unidos no final dos anos 1970 (principalmente após o lançamento de "Star Wars", em 1977), Mendez sugere que a CIA crie uma companhia de cinema fictícia que iria procurar por locações exóticas no oriente para um filme B chamado "Argo". Para dar mais verossimilhança à ideia, Mendez contrata um produtor real de Hollywood chamado Lester Siegel (o ótimo Alan Arkin) e um especialista em efeitos especiais chamado John Chambers (o igualmente competente John Goodman). Os dois ficam responsáveis por espalhar  por Hollywood a notícia de que "Argo" é uma produção real, inclusive promovendo uma leitura de roteiro e publicando cartazes  do filme em jornais e revistas especializadas como a "Variety". Mendez então viaja ao Irã para treinar os seis reféns americanos, que fingiriam ser a equipe de filmagem de "Argo" e, se tudo desse certo, sairiam do país diretamente pelo aeroporto internacional, debaixo dos narizes da polícia fanática do aiatolá.

O filme é uma junção competente de filme de suspense, espionagem e, de quebra, mostra os bastidores de Hollywood. O roteiro (de Chris Terrio) lembra bastante "Mera Coincidência" (1997), de Barry Levinson, em que um produtor de Hollywood (Dustin Hoffmann) era contratado para criar uma guerra fictícia e desviar a atenção da imprensa de um escândalo da Casa Branca. Alan Arkin e John Goodman estão muito bem como produtores reais criando um filme irreal. Hollywood é uma força tão grande na imaginação coletiva mundial que a ideia "maluca" de Mendez de dizer que está no Irã para fazer um filme de ficção-científica em plena crise dos reféns não soa inverossímil. Há uma cena muito boa que mostra os guardas iranianos maravilhados com o "storyboard" de "Argo" enquanto o oficial superior tenta checar a história de Affleck. A recriação de época é muito boa e o filme transporta o espectador para o início dos anos 1980. Ben Affleck ficou tão orgulhoso com este aspecto do filme que "Argo" termina comparando imagens reais da época com outras recriadas para o filme. "Argo" estreou bem no mundo todo e há grandes chances de ser escolhido um dos candidatos ao próximo Oscar. Vale lembrar que Ben Affleck, junto com Matt Damon, já tem um Oscar de "Melhor Roteiro Original" por "Gênio Indomável", filme que escreveu em 1997.

Um aspecto que deve ser mencionado é o fato de que as relações entre os EUA e o Irã hoje vão de mal a pior, com grandes chances de uma intervenção militar por causa de supostas armas nucleares que o Irã estaria fabricando. Um filme como "Argo", que mostra os iranianos como fanáticos ignorantes, cai facilmente no gosto do público no momento político atual. Independente disso, é um ótimo filme de entretenimento, que pode dar a Affleck uma indicação ao Oscar de Melhor Diretor.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

007 - Operação Skyfall

O espião 007 completa 50 anos de vida nos cinemas e volta em um filme que faz um mergulho na história do personagem. Daniel Craig, o sexto ator a encarnar o espião, está mais maduro e à vontade com o papel que já interpretou em "Cassino Royale" (2006) e em "Quantum of Solace" (2008). "Operação Skyfall" é dirigido pelo competente Sam Mendes (de "Beleza Americana", de 1999) e tem os ingredientes comuns à franquia, como locações exóticas, mulheres bonitas e muita ação.

Como o filme pretende explorar mais o caráter de James Bond, nada melhor do que "matá-lo". Após uma grande cena de ação pelos prédios de Istambul, Bond é alvejado acidentalmente pelo tiro de uma agente que seguia as ordens de M (Judy Dench, ótima como sempre). Ele é dado como morto e tem até o obituário publicado. Na verdade, Bond, abalado pela suposta traição de M, resolveu tirar umas férias (em cenas que, a bem da verdade, lembram muito "A Identidade Bourne"; estaria o criador seguindo os passos da criatura?). Enquanto isso, na Inglaterra, a organização MI-6 é alvo de um atentado terrorista engendrado por um hacker internacional chamado Silva, interpretado por Javier Bardem (de "Onde os fracos não têm vez" e "Mar Adentro"). Silva tem um passado em comum com Bond e, principalmente, com M, de quem quer se vingar. Bond volta do exílio um homem diferente, cheio de dúvidas quanto a seu papel e desconfiado que M esteja escondendo alguma coisa.

Roger Deakins é o diretor de fotografia de "Operação Skyfall" e, visualmente, o filme é um dos mais belos da série. Deakins é um mestre da luz e há uma sequência passada em Shangai que impressiona. Logo em seguida, as lentes de Deakins e a direção de arte de Dennis Gasner criam um cassino flutuante em Macau, com centenas de lanternas vermelhas iluminando a noite que é de encher os olhos. Falando em beleza, Bond tem seus tradicionais affairs com duas mulheres neste filme; Eve (Naomie Harris) é uma companheira de trabalho e Severine (a francesa Bérénice Marlohe) é a namorada do vilão, Bardem. Ralph Fiennes também está no elenco, como o novo diretor da MI-6 e Albert Finney é um antigo empregado da família de Bond. O filme homenageia a série com citações aos outros filmes de 007, que inclusive usa um dos carros antigos do espião. Javier Bardem faz um vilão que, desta vez, não quer conquistar (ou destruir) o mundo, mas sim resolver pendências pessoais. Há sequências difíceis de acreditar, como esperado, e o final é um  tanto anticlimático. "Operação Skyfall", no entanto, é um bom episódio para comemorar os 50 anos da série que começou com "O Satânico Dr. No", em 1962, em que Bond era interpretado pelo eterno Sean Connery. Visto no Kinoplex Campinas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Felicidade (Glück, 2012)

Difícil definir este filme da diretora Doris Dörrie, do poético "Hanami - Cerejeiras em Flor". Em exibição na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "Felicidade" provocou as mais diversas reações, de lágrimas de tristeza a gritos abafados de aversão. Não é um filme comum. Alba Rohwarcher (de "Que mais posso querer", "Um Sonho de Amor") é Irina,  uma refugiada de guerra que, após ser estuprada e ver os pais serem mortos, foge para Berlim, Alemanha. Para sobreviver, ela se torna uma prostituta, ganhando 50 euros por programa. Nas ruas ela conhece um rapaz chamado Kalle (Vinzenz Kiefer), que vive de pequenos furtos e esmolas, e nasce um amor quase infantil entre eles. Ela se recusa a falar sobre o passado trágico e ele finge não ligar para o fato de que ela transa com outros homens para ganhar a vida.

Há uma cena terna quando um confessa ao outro que nunca havia estado com outra pessoa por amor antes e, por  um bom tempo, o filme parece que vai ser um romance dramático com momentos de comédia. Irina e Kalle se mudam para um apartamento novo, que ela decora com simplicidade; ele arruma um emprego como entregador de jornais, os dois passeiam pela cidade, brincam no playground e jantam pão de forma com mel todas as noites. Interessante o modo como o filme detalha o tipo de vida dupla e pragmática que levam Irina e Kalle. Toda manhã ela "expulsa" o companheiro do apartamento e, rapidamente, transforma a si mesma e ao ambiente; o quarto aconchegante e familiar se torna "sexy" (naquela forma cafona e distorcida do sexo pago) com a mudança sutil de uma cortina e na iluminação avermelhada.

E, então, o filme dá uma reviravolta bizarra, com uma sequência tarantinesca de violência explícita que rendeu ao filme a classificação etária de 18 anos. Sem revelar detalhes, o fato é que por todo o cinema escutavam-se gemidos e risos nervosos e se viam pessoas tampando os olhos com as mãos. É uma cena gratuita? Depende. O tema do filme é até que ponto alguém iria para não perder o amor da sua vida. Qual o limite? Doris Dörrie faz um filme ousado, um romance terno, violento e chocante como a vida de seus personagens.

Câmera Escura

domingo, 21 de outubro de 2012

O Som ao Redor

Exibido ontem na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com ingressos esgotados rapidamente, "O Som ao Redor" é o primeiro longa-metragem do pernambucano Kleber Mendonça Filho, que vem de uma longa carreira como crítico de cinema e curtametragista. Ainda inédito no circuito comercial brasileiro, o filme já tem uma carreira internacional consolidada e premiada. Estreou em fevereiro no Festival de Roterdã, na Holanda, e já passou por lugares tão distantes quanto a Austrália, além de vencer festivais brasileiros como o Festival do Rio de Janeiro. Em Gramado levou os prêmios de crítica, púbico, som e direção.

Passado em uma rua do Recife, "O Som ao Redor" poderia ter sido feito em qualquer grande cidade brasileira, em que as casas estão dando lugar a edifícios cada vez mais altos, isolados e guardados. Grades de ferro, aliás, são um dos elementos mais vistos no longa. Em quase todo plano podem ser vistas barras de proteção, câmeras de segurança, vigias ou cães de guarda. De quem estes brasileiros estão tentando se proteger? Filmado em 35mm, com decupagem clássica e elegantes movimentos de câmera, o filme esconde uma tensão que vai crescendo até o final explosivo.

O decano Francisco (W.J. Solha) é praticamente dono de uma rua de classe média alta. Mora na cobertura de um prédio de luxo e tem um engenho de cana-de-açúcar no interior. É com ele que vai conversar Clodoaldo (Irandhir Santos, de "Febre do Rato"), responsável por uma firma de segurança que quer se instalar na rua. Clodoaldo tem a fala mansa e aquele discurso que se escuta de qualquer flanelinha; por uma taxa, ele e uma equipe garantem  zelar pela tranquilidade da vizinhança. Coincidência ou não, no mesmo dia dois carros haviam sido roubados, um deles de Sofia (Irma Brown), namorada de João (Gustavo Jahn), herdeiro do império de Francisco. Já Bia (Maeve Jinkings), mãe de dois filhos, não consegue dormir em paz por causa do cachorro da casa ao lado, que late a noite toda. Os filhos pré-adolescentes estudam inglês e chinês (sinal dos tempo) com uma professora particular. Um humor crítico permeia diversas situações, como quando a compradora de um imóvel pergunta a João se não pode ter um desconto porque uma mulher havia se suicidado naquele prédio. Em uma reunião de condomínio, um garoto de no máximo dez anos é testemunha chave da suposta incompetência do porteiro do prédio; apesar de trabalhar há anos no local, os moradores querem demiti-lo por justa causa e economizar as taxas de rescisão.

Um excepcional trabalho de som enfatiza a ameaça invisível que rasteja por debaixo da aparente tranquilidade destas famílias de classe média. Figuras reais e imaginárias são vistas de relance em alguns planos e até a praia, com seus avisos da presença de tubarões, não está livre de perigos. "O Som ao Redor" é fruto do bom momento do cinema pernambucano, mas funciona como um retrato genérico do Brasil, o país que aparentemente chegou àquele "futuro" prometido, mas que não sabe direito o que fazer com ele.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tropicália

O documentário de Marcelo Machado poderia ser mais uma colagem de depoimentos sobre os anos 60, com as profundas mudanças culturais e sociais da época. O filme, no entanto, acerta em uma montagem inventiva que acompanha o visual dos diversos momentos retratados; no surgimento do tropicalismo, em 1967, o filme é todo psicodélico, misturando capas de discos com obras e Hélio Oiticica (que cunhou o termo "tropicália"), imagens de "Terra em Transe", de Glauber Rocha, trechos de peças de José Celso, centenas de fotos e trechos de programas de televisão. É uma edição inspirada, que acompanha depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, entre dezenas de outros, usando apenas imagens e fotos.

Com a chegada do AI-5, no entanto, o filme muda de tom. Pela primeira vez, as vozes tomam a forma dos personagens como estão hoje, quase cinquenta anos depois. É um choque, depois de acompanhar por quase uma hora as imagens vibrantes dos jovens Caetano e Gil, dos Mutantes, Maria Bethânia, Gal Costa, entre outros, encará-los com 70 anos. Foi uma escolha interessante dos realizadores. É como se a maturidade chegasse junto com a repressão do ato institucional. Há imagens raras de arquivo de Caetano e Gil na Europa, como em uma apresentação para um programa de televisão português em 1969 ou no lendário Festival da Ilha de Wight, Inglaterra, em 1970, onde se apresentaram bandas como Jethro Tull, Supertramp, The Who, Jimi Hendrix e Joan Baez. Há também uma ótima apresentação de Caetano cantando "Asa Branca" para a televisão francesa.

O que fica do documentário é a incrível força criativa que havia na música brasileira (e mundial) naquela época. Ficam também alguns depoimentos surpreendentes de Caetano Veloso, que diz que, na época, ele via com muita desconfiança os movimentos "anti imperialistas" que havia no país e que, no fundo, ele gostava da música americana. Interessante perceber como uma força repressora como a ditadura acabou gerando uma reação cultural extremamente rica. Por tabela, percebe-se também a genialidade dos Mutantes, um grupo que foi musicalmente comparado aos Beatles e que tinha uma força e teatralidade impressionantes. "Tropicália" deve ser visto, de preferência, em conjunto com outros documentários recentes como "Uma Noite em 67", de Renato Terra e Ricardo Calill e "Loki - Arnaldo Batista", de Paulo Henrique Fontenelle. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Procurando Nemo 3D

Quando John Lasseter apresentou "Luxo Jr." (assista aqui), primeiro curta metragem feito pela "Pixar Animation Studios" em uma feira de tecnologia, em 1986, um figurão da área veio conversar com ele. Lasseter já estava esperando alguma pergunta técnica sobre algoritmos mas, ao invés disso, lhe perguntaram se a luminária maior era a mãe ou o pai da menor. Mais do que a tecnologia, o trunfo da "Pixar" sempre foi o lado humano da história, a preocupação com o roteiro. 

"Procurando Nemo" é de 2003 e já pode ser considerado um clássico. A animação está de volta aos cinemas em versão 3D; sim, pode ser considerado mais um relançamento "caça-níqueis" de um estúdio explorando os próprios filmes, mas "Procurando Nemo" é tão bom que vale voltar ao cinema para vê-lo na tela grande. O roteiro é um primor e é possível imaginar o grupo de roteiristas da "Pixar" ao redor de uma mesa jogando ideias como: "E se Dory tivesse um problema de memória?"; ou "Vamos colocar uns tubarões na história, mas que tal fazê-los em uma reunião dos Alcoólicos Anominos?"; ou mesmo "Já que o aquário fica em um consultório dentário, por que não escrever um diálogo em que os peixes discutem as técnicas usadas pelo dentista para tratar de um paciente?". São estes detalhes, e centenas de outros, que sempre colocaram a "Pixar" acima dos outros estúdios de animação. Ou, ao menos, até recentemente, quando o estúdio parece ter perdido a originalidade. Mas esta é outra discussão.

"Procurando Nemo" conta a história de Marlin, um peixe-palhaço que faz de tudo para reencontrar o filho Nemo depois que este foi capturado por mergulhadores nos recifes de coral na Austrália. Marlin (voz original de Albert Brooks) é um pai traumatizado por ter perdido a esposa e centenas de filhotes que foram devorados por uma barracuda. Nemo foi o único sobrevivente e o pai sempre foi excessivamente protetor. A jornada de Marlin do recife de coral até Sydnei, para onde o filho foi levado, é acompanhada por Dory, uma peixinha azul que sofre de memória curta. Quando está com Marlin, estranhamente, ela se sente melhor e é a única que se lembra do endereço dos mergulhadores, que ela leu em uma máscara de mergulho derrubada no mar. A viagem dos dois é uma aventura em que eles enfrentam tubarões, um cardume de águas-vivas, um passeio em alta velocidade por uma corrente marítima e até passam um tempo dentro de uma baleia gigante. Em paralelo, Nemo tem que encontrar um modo de tentar fugir do aquário em que foi colocado, onde encontra peixes como Gil (voz original de Willen Dafoe), um veterano do mar que há anos também tenta escapar. O filme foi escrito e dirigido por Andrew Stanton que, cinco anos depois, faria outra obra-prima da "Pixar", "Wall-E". "Procurando Nemo" e "Wall-E", a propósito, são provavelmente as duas animações mais belas visualmente produzidas pelo estúdio. As cenas passadas no recife de coral, com suas centenas de espécies de peixes, anêmonas, estrelas do mar, arraias, etc, são extremamente realistas e coloridas, e o efeito tridimensional, no caso, até veio adicionar ao encanto.

Interessante como o roteiro é, no fundo, uma homenagem aos contadores de histórias. Marlin começa o filme como um peixe-palhaço que não sabe nem mesmo contar uma piada. Suas aventuras, no entanto, fazem com que ele tenha o que contar e ele narra sua busca pelo filho para vários personagens no caminho. Há uma sequência muito boa em que se vê sua história ser passada para frente pelos peixes até chegar aos ouvidos de Nemo, que sabe que o pai está vindo. Assim, mesmo que seja um relançamento, "Procurando Nemo" vale a visita à telona. Visto no Kinoplex, Campinas.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os Infratores

"Os Infratores" vale mais pelos aspectos técnicos e pelo elenco do que pelo filme. Passado nos anos 1930 durante a "lei seca", ele é extremamente violento e trata da família Bondurant, formada por três irmãos, Forrest (Tom Hardy, de "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge"), Howard (Jason Clarke) e Jack (Shia Labeouf, de "Wall Street"). A "lei seca" proibia a fabricação e comercialização de bebidas alcoólicas, o que causou o surgimento de milhares de produtores ilegais de bebida. No condado de Franklin, no estado da Virginia, havia tantos fabricantes que, à noite, as florestas ficavam iluminadas pelo fogo dos alambiques ilegais. A família Bondurant é uma das mais prósperas, e há uma lenda que diz que os irmãos são invencíveis, quase imortais.

Os negócios da família são ameaçados pela chegada do agente federal Charlie Hakes (Guy Pearce, de "Prometheus"), um homem elegante mas extremamente cruel. Vestido sempre com roupas sociais, gravata borboleta e luvas, Hakes tem os cabelos tingidos e a fala suave, mas é um homem corrupto que quer uma parte do negócio dos Bondurant. Forrest, o mais velho, se recusa a colaborar e começa uma guerra particular com o agente federal. O problema é que o roteiro (escrito pelo músico e ator Nick Cave), uma vez estabelecida a premissa da história, não consegue desenvolvê-la direito. Fica clara logo no início a situação de antagonismo entre os irmãos Bondurant e Charlie Hakes mas, estranhamente, nada acontece por boa parte do filme. Ou, quando acontece, não há as consequências esperadas. Há uma sequência, por exemplo, em que Hakes dá uma surra em Jack, o irmão mais novo, interpretado por Shia Labeouf. É de se esperar que os irmãos mais velhos de Jack, cabeça quente que são, ataquem Hakes, mas nada acontece. Não só isso, depois de ser surrado violentamente no rosto, Jack aparece com apenas alguns hematomas na cena seguinte. Para um filme tão cuidadoso na direção de arte e recriação de época, falhas como esta chamam a atenção. Em meio a tanta testosterona, há duas mulheres na trama. Uma é Maggie, interpretada por uma das atrizes mais belas hoje em Hollywood, Jessica Chastain (de "A Árvore da Vida", "Coriolano", "Histórias Cruzadas"). Ela é uma ex-dançarina de Chicago que deixa a cidade grande para, ironicamente, procurar por uma vida mais calma no interior. Ela arruma emprego no restaurante dos Bondurant e, aos poucos, ganha o coração duro do irmão mais velho, Forrest. A outra mulher é Bertha (Mia Wasikowska, de "Inquietos"), a filha do pastor da cidade. Ela atrai a atenção do personagem de LaBeouf, que faz de tudo para impressionar a moça, como comprar roupas novas e um carro caro.

"Os Infratores" é dirigido pelo australiano John Hillcoat e tinha tudo para ser muito bom, mas o espectador fica esperando o filme decolar. Há boas cenas de suspense e tiroteio entre os irmãos e a polícia, e cenas ternas de romance entre Shia Labeouf e Mia Wasikowska, mas é tudo muito longo e, o que é pior, inconsequente. O grande ator Gary Oldman, que faz o gângster Floyd Banner, é simplesmente esquecido pelo roteiro no meio do filme. A lenda sobre os Bondurant serem imortais, ao invés de ser contrariada pelo roteiro, acaba sendo confirmada por várias situações difíceis de acreditar. Jessica Chastain é atacada por dois gângsters violentos em uma cena e, pouco depois, aparece intocada. E o próprio caráter dos Bondurant é incongruente. Eles são vistos praticando atos de extrema violência em alguns momentos, mas são incapazes de fazer mal a Charlie Hakes, cada vez mais sanguinário. Assim, "Os Infratores" pode ter seus bons momentos, mas acaba sendo uma experiência decepcionante. Visto no Kinoplex, Campinas.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Coriolano

William Shakespeare escreveu a peça "Coriolano" em 1608; o grande ator Ralph Fiennes ("A Lista de Schindler", "Quiz Show", "O Jardineiro Fiel"), que interpretou o papel principal no teatro, resolveu estrear como diretor de cinema adaptando a peça de Shakespeare para a tela grande. Originalmente passada na Roma antiga, a versão de Fiennes se passa agora na Europa moderna; as espadas e lanças foram trocadas por automáticas e fuzis, mas a trama política de Shakespeare permanece atual.

Fiennes interpreta o general Caius Martius Coriolanus, um homem tão duro e invencível quanto antissocial. Ele volta de uma guerra contra o país dos Volscos, liderados por Tullus Aufidius (Gerard Butler), e encontra uma Roma faminta e revoltosa. Os tribunos querem honrar Coriolanus com o cargo de Cônsul, mas ele não tem as habilidades políticas necessárias para conquistar a afeição do povo. Nem mesmo a poderosa mãe de Coriolanus, interpretada pela grande Vanessa Redgrave, consegue fazer com que ele aja de forma apropriada e ele acaba banido de Roma. Magoado e carregando cicatrizes de várias batalhas, Coriolanus vai até seu inimigo, Aufidius, e oferece seus serviços. Ele pretende, assim, se vingar de Roma por tê-lo banido.

O filme foi rodado em grande parte na atual Sérvia, que ainda mostra as marcas da longa guerra que se abateu sobre o país nos anos 1990. Há um elaborado trabalho de figurino e maquiagem, e a interpretação de Fiennes, com o rosto coberto de sangue, é de primeira. É verdade que causa estranheza a linguagem rebuscada de Shakespeare dentro deste cenário moderno, o que dificulta um pouco o entendimento da trama. Mas depois de certo tempo esta estranheza desaparece. Curioso que o roteiro foi adaptado por John Logan, o mesmo que escreveu o épico "Gladiador", filme de Ridley Scott de 2000. Pode-se perceber várias similaridades entre a trama do filme de Scott e a peça de Shakespeare. Assim como Coriolanus, o personagem de Russell Crowe, Maximus, é um general romano que é banido de Roma após uma batalha e volta para a cidade em busca de vingança. O elenco conta ainda com Brian Cox e Jessica Chastain (de "A Árvore da Vida"). "Coriolano" foi co-produzido pela BBC e está disponível no Brasil em DVD.

Câmera Escura

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Selvagens

O diretor Oliver Stone volta à boa forma com este filme cínico e violento. Stone tem uma carreira com altos e baixos, quase sempre marcada pela polêmica. Fez um dos filmes mais realistas sobre a Guerra do Vietnã, "Platoon" (1986), expôs a cobiça do capitalismo em "Wall Street" (1987), apresentou sua versão sobre o  assassinato do Presidente Kennedy em "JFK" (1991), contou a vida do poeta do rock, Jim Morrison, em "The Doors" (1991), narrou a vida dos presidentes "Nixon" (1995) e George W. Bush em "W." (2008), e assim por diante. Depois do fracasso retumbante com o épico "Alexandre" (2004), fez o comportado "As Torres Gêmeas" (2006) e uma continuação para "Wall Street" em 2010.

"Selvagens" é narrado do ponto de vista de O. (Blake Lively), abreviação de Ofélia, uma "patricinha" loira da Califórnia que é namorada de dois traficantes modernos. Chon (Taylor Kitsch) é um ex-combatente das guerras do Iraque e Afeganistão que trouxe do oriente as sementes para um tipo especial de maconha, cultivada e melhorada por Ben (Aaron Johnson), um "neo hippie" formado em botânica. Os dois são discretos, eficientes e produzem a melhor erva da Califórnia, ganhando milhões de dólares e dividindo o tempo entre surfar, transar com O. ou, no caso de Ben, fazer viagens humanitárias para a África ou Indonésia. Tudo vai bem até que um cartel mexicano resolve entrar no negócio de Ben e Chon e lhes envia vídeos mostrando como eles lidam com os inimigos, degolados por serras elétricas. Chon, o ex-soldado, é partidário de uma resposta à altura; Ben, o humanitário, acha que eles podem chegar a um acordo. Quando eles resolvem fugir para a Indonésia com O., ela é sequestrada pelo cartel, que começa a fazer uma série de exigências. Começa então uma guerra entre o cartel mexicano, liderado por Elena (Salma Hayek) e os dois americanos.

O roteiro, de Oliver Stone, Don Winslow e Shane Salerno, é por vezes atrapalhado pela narração  redundante de O. Tirando este detalhe, ele tem boas sacadas. A personagem de Salma Hayek é uma das mais interessantes; ela tem uma filha na Califórnia que se recusa a falar com ela, e quando O. é sequestrada e mantida em cativeiro surge uma ligação afetiva entre a rainha do crime e a patricinha americana. John Travolta, em um papel diferente do habitual, faz um agente federal corrupto cuja lealdade varia entre Ben e Chon e o primeiro tenente de Elena, um capanga chamado Lado (Benicio Del Toro, apropriadamente asqueroso). Emile Hirsch interpreta um hacker responsável pela lavagem de dinheiro dos traficantes, e há um grande número de bons coadjuvantes. O filme é bastante violento e Oliver Stone usa a trama para cutucar o modo de vida americano. Stone inclusive brinca com os clichês do gênero em um final que, dependendo como se olha, pode significar algo completamente diferente. É discutível se uma dupla de traficantes como Ben e Chon seria tão "nobre" a ponto de arriscar tudo pela vida da namorada em comum, e o filme por vezes esbarra no melodrama. Como é típico de Oliver Stone, a dose de exagero é alta, mas é visível o talento do diretor. Visto no Kinoplex Campinas.

Câmera Escura

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Looper: Assassinos do Futuro

"Looper" é uma ficção-científica que tem viagens no tempo, cidades futuristas, mutantes, uma boa dose de "animê" japonês e até uma bem bolada releitura do clássico "O Exterminador do Futuro" (1984). Na década de 2040 as viagens no tempo ainda não foram inventadas. Mas, como explica o narrador, elas seriam criadas 30 anos depois e usadas para um fim macabro: organizações criminosas, quando quisessem executar uma pessoa e se livrar do corpo, enviariam a vítima para o passado onde "loopers", assassinos profissionais contratados, as matariam a sangue frio. Sim, é uma premissa um tanto exagerada; afinal, se os criminosos têm o poder de enviar pessoas para o passado, por que não enviá-las para o meio do Oceano Atlântico, por exemplo, onde morreriam afogadas? Não importa. A partir desta ideia o diretor e roteirista Rian Johnson criou um dos filmes mais originais dos últimos anos.

A trama é focada em um "looper" particular, Joe (Joseph Gordon-Levitt), que um dia tem que enfrentar um dilema: o homem que aparece à sua frente para ser assassinado é uma versão 30 anos mais velha dele mesmo (interpretado por Bruce Willis). O "velho Joe" consegue escapar e, com isso, cria um paradoxo que deve ser evitado, a todo custo, pelo chefão dos "loopers", Abe (o bom Jeff Daniels). Viagens no tempo quase sempre rendem boas histórias, ainda mais quando envolvem pessoas encontrando elas mesmas. O que aconteceria se o "velho Joe" matasse a sua versão mais nova? E se fosse o contrário? Há uma cena muito bem bolada em que o Joe mais novo quer se encontrar com o mais velho e "manda um recado" a  si mesmo cortando uma frase no próprio braço, o que faz surgir uma cicatriz no braço do Joe mais velho. O roteiro de "Looper" está cheio destas situações criadas pela relação de causa e efeito. Como se não bastasse a trama da luta do "velho Joe" contra o "novo Joe", o roteiro ainda acrescenta uma segunda trama que, de forma inteligente, faz uma releitura do filme de 1984 de James Cameron, "O Exterminador do Futuro". Um dos motivos do "velho Joe" em voltar para o passado é o de matar uma criança que, no futuro, se tornará um cruel criminoso conhecido como "Rainmaker". A referência fica escancarada quando se descobre que a mãe desta criança se chama Sara (Emily Blunt), o mesmo nome da mãe de John Connor nos filmes de Cameron. As cenas com o menino, interpretado pelo jovem Pierce Gagnon, são assustadoras e têm ecos do animê "Akira" (1988), de Katsuhiro Ohtomo.

Assim, Rian Johnson consegue a proeza de equilibrar todas estas referências e tramas em um filme envolvente, violento na dose certa e muito interessante. O final, surpreendentemente, não decepciona. Visto no Kinoplex, Campinas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Ted

Era uma vez um garotinho que não tinha amigos. Até  que, em uma noite de Natal, ele ganhou um ursinho de pelúcia chamado Ted; o garoto desejou que  ele fosse vivo de verdade e seu amigo pelo resto da vida. Como era noite de Natal, seu desejo foi realizado e os dois viveram felizes para sempre. Ou não.

"Ted" é criação de Seth MacFarlane, da série "Uma Família da Pesada" (Family Guy), e o filme é como um conto de fadas estrelado pelas novas versões de Beavis e Butthead. O garotinho cresceu para se transformar em John Benett (Mark Wahlberg), um adulto irresponsável de 35 anos que ainda se diverte com Ted, seu ursinho, mas em brincadeiras bem diferentes dos tempos de criança. Os dois passam grande parte do tempo no sofá experimentando drogas e vendo televisão. Ted continua fofo, mas a voz engrossou e ele se tornou um drogado que solta uma frase chula atrás da outra. Por mais improvável que pareça, um cara como John tem um emprego em uma locadora de carros e uma bela namorada, Lori (Mila Kunis), com quem está junto há quatro anos. Lori trabalha em uma empresa grande, onde todos os dias tem que aguentar as "cantadas" de um chefe que tem nome de cachorro, Rex (Joel McHale). Ele é irritante, mas é rico, ambicioso e muito mais adulto do que John. Apesar de amar muito o namorado, Lori gostaria que ele deixasse o ursinho de lado e se tornasse, finalmente, "gente grande".

Não deixa de ser interessante que, no mundo politicamente correto de hoje, um filme como "Ted" tenha sido feito. Há situações engraçadas geradas pelo absurdo de ver um ursinho de pelúcia agindo como um canalha completo, viciado em drogas e mulheres. Quando se esperaria ver, em um filme de um grande estúdio americano, uma cena de sexo entre um boneco e uma loirona? A voz de Ted é feita pelo próprio MacFarlane, que também escreve, produz e dirige o filme. Claro que é tudo uma grande bobagem e há algumas sequências em que se percebe que o filme está apenas girando em círculos. Sam J. Jones, o ator de "Flash Gordon", filme ultra brega produzido em 1980, aparece como ele mesmo em uma festa promovida no apartamento de Ted. Jones tira sarro de si e do personagem, mas a sequência é longa e é só mais uma desculpa para mostrar outras cenas com drogas e nudez. O relacionamento entre John e Lori passa por todos os clichês esperados e é de se admirar o fato de que Mila Kunis, aparentemente, leva o papel a sério. Já Wahlberg, com 41 anos, não convence muito como um "garotão" de 35. As cenas de drogas e o tema "adulto" da produção levaram a censura brasileira a classificar o filme para maiores de 16 anos, o que não impediu um caso pitoresco, tipicamente brasileiro, de um deputado querer proibir "Ted" de ser exibido em território nacional. Sim, o filme não é para crianças e os cinemas que permitirem a entrada de menores de 16 anos na sala (como fez o deputado, que levou o filho de 11 anos ao cinema, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo) deveriam ser punidos. Quando for lançado em DVD, espera-se que a embalagem deixe bem claro que o conteúdo não é adequado para crianças. Quanto aos adultos, "Ted" rende algumas risadas e nada mais. Visto no Kinoplex, Campinas.


domingo, 23 de setembro de 2012

A vida de outra mulher

É de se surpreender que atores do calibre de Juliette Binoche ("Cópia Fiel", "A Liberdade é Azul") e Mathieu Kassovitz ("Munique", "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain") tenham aceitado fazer um filme tão formulaico como este. Binoche é Marie, uma mulher que acorda em um apartamento enorme, em Paris, e não sabe quem é. A última coisa de que se lembra é de ter 25 anos e de ter conhecido Paul (Kassovitz), um desenhista de histórias em quadrinhos. Agora ela se olha no espelho e descobre que está com 41 anos e é casada com Paul, com quem tem um filho pequeno. Os três vivem em um apartamento luxuoso e ela é uma empresária de sucesso, muito rica.

Só que as coisas não vão bem entre eles. Paul está lançando um livro de histórias em quadrinhos que é um sucesso, mas ele está o tempo todo com um rosto triste e não entende a súbita mudança no comportamento da esposa. Clichê atrás de clichê, o filme mostra como Marie descobre que havia se tornado uma "bruxa" odiada por todos e que, agora, tem a chance de se redimir e salvar o casamento. Você já viu este filme antes. O roteiro da diretora Sylvie Testud (de "Piaf, um hino ao amor") e Claire Lemaréchal é um pastiche de filmes americanos como "Quero ser grande" ("Big", Penny Marshall, 1988), "Uma Segunda Chance" ("Regarding Henry", Mike Nichols, 1991) e vários filmes adolescentes em que uma pessoa se descobre muito mais velha de uma hora para outra, como "De repente 30", com Jennifer Garner. Chega a ser triste ver a grande Juliette Binoche, de 48 anos, agindo como uma criança perdida em Paris, correndo para lá e para cá enquanto tenta convencer o mundo (e os espectadores) de que ela ainda é a mesma empresária barra pesada que todos conheciam. Matthieu Kassovitz faz o que pode em um papel unidimensional de marido abandonado pela esposa. Em "Uma segunda chance", de Nichols, ao menos havia um motivo para que o personagem de Harrison Ford, um advogado ranzinza, perdesse a memória de repente (ele leva um tiro durante um assalto). E mesmo quando Tom Hanks acorda adulto em "Quero ser grande" há uma explicação razoável, dentro do gênero fantasia ao qual o filme pertence. "A vida de outra mulher" nem se dá ao trabalho de criar um motivo para a súbita amnésia de Marie. Ou de criar um final para o filme que, de repente, termina.

Com exceção de uma ou outra cena interessante (como algumas em que Binoche contracena com o filho), o roteiro é preguiçoso e redundante. Uma pena. Binoche e Kassovitz mereciam coisa melhor. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Os Infiéis

Um desperdício de talento generalizado pode ser visto neste "Os Infiéis", estrelado pelo astro de "O Artista", Jean Dujardin, e por Gilles Lellouche. Os dois interpretam amigos de meia idade, maduros, bem-sucedidos financeiramente, casados e com filhos, mas com um "vício" incontrolável, a infidelidade. Em uma série de episódios curtos, Dujardin e Lellouche batem na mesma tecla machista e anacrônica de que os homens foram feitos para "procriar e copular" (frase do filme) e que as esposas devem se manter fiéis donas de casa. Tem-se a sensação de se estar assistindo a um "E ai, comeu?" falado em francês, mas ainda pior.

Os episódios são dirigidos por oito diretores diferentes, inclusive pela dupla principal de atores. O filme abre e fecha com a história de Fred e Gregg, dois amigos de Paris que fazem tudo juntos, inclusive transar no mesmo quarto com garotas que "pegaram" na balada. Os dois enganam as esposas e vão para mais uma série de orgias em Las Vegas, onde a amizade deles se transforma em outra das piadas sem graça do filme. O diretor de "O Artista", Michel Hazanavicious, dirige Dujardin em um episódio em que ele tenta, sem sucesso, transar com alguém em um hotel, durante uma conferência. Eric Lartigau dirige Gilles Lellouche na história de um dentista que trai a esposa com uma adolescente muitos anos mais nova (e paga o preço por isso). Há também episódios que são apenas "cenas" curtas, uma envolvendo um homem que vai parar no hospital "atracado" com uma mulher e outra que mostra uma cena de sadomasoquismo que termina mal.

Há apenas dois episódios, um dramático e outro cômico, que têm algum mérito. Na história dirigida por Emmanuelle Bercot, uma esposa (Alexandra Lamy), com a pulga atrás da orelha, começa uma daquelas conversas aparentemente leves e divertidas com o marido, provocando-o a contar se teve algum caso extra-conjugal. O marido (Dujardin) sabe que aquilo não vai terminar bem e tenta fugir do assunto o máximo que pode. Quando a verdade (tanto do marido quanto da esposa) acaba vindo à tona , os ânimos se alteram e é o momento mais dramático do filme. É o único momento em que o assunto "infidelidade" é tratado com certa seriedade e realismo. O outro episódio digno de nota mostra uma reunião dos "infiéis anônimos", em que vários maridos pegos em flagrante estão em uma sessão de terapia coletiva conduzida por uma mulher (a ótima Sandrine Kiberlain, de "As Mulheres do Sexto Andar", "Mademoiselle Chambon", etc). Dirigido por Alexandre Courtès, o episódio é divertido, bem escrito e o melhor resolvido. O resto, infelizmente, não passa de uma série de generalizações simplistas sobre homens, mulheres e a infidelidade. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.

domingo, 9 de setembro de 2012

13 Assassinos

O diretor Takashi Miike se inspira no mestre Akira Kurosawa (1910-1998) ao fazer "13 Assassinos", baseado no clássico "Os Sete Samurais", que Kurosawa lançou em 1954 (depois transformado no ótimo western "Sete Homens e um Destino", em 1960). No Japão feudal, em 1844, o sistema de governo dos shoguns está em decadência. O meio irmão do atual shogun, Lorde Naritsugu (Goro Inagaki) é um homem cruel que se diverte humilhando os servos e matando a esmo homens, mulheres e crianças. Sir Doi (Mikijiro Hira), um dos conselheiros, decide ir contra o cruel Lorde contactando um experiente samurai para matá-lo, o mestre Shinzaemon (Koji Yakusho, ótimo). Assim como em "Os Sete Samurais", Shinzaemon começa a recrutar samurais para a missão praticamente suicida de assassinar o tirano.

Samurais eram servos treinados para seguir o código do bushi-dô, o código do guerreiro, e dar a vida pelo seu senhor feudal. Para um samurai, pior do que a morte era a vergonha, e a saída "honrosa" para grande parte dos dilemas morais era a morte pelas próprias mãos, no ritual do seppuku, que os homens realizavam cortando as próprias entranhas (as mulheres o pescoço). Em "13 Assassinos", esta lealdade cega é colocada em dúvida por Shinzaemon, para verdadeiro horror do samurai Hanbei (Masachika Ikimura); é visível que ele não tem grande estima por seu mestre, Lorde Naritsugu, mas nunca passa por sua cabeça desrespeitar o código de obediência. Miike filma com grande elegância e, no início, tem um estilo quase teatral, passado em salas iluminadas por velas e filmado em lentos movimentos laterais de câmera; conforme o filme avança,  o filme se abre para cenas ao ar livre e ensolaradas. Leva um tempo para se acostumar ao início ritualizado e cheio de personagens. A cultura japonesa é focada na perfeição, e a perfeição só é alcançada na morte; assim, o filme tem uma beleza mórbida conforme os poucos samurais, armados com suas espadas, lanças e arcos de uma outra era, se preparam para enfrentar um exército de centenas de homens. Antes da parte final, passada inteiramente em uma luta sangrenta, há momentos pitorescos e até engraçados, a maior parte deles protagonizada por Koyata (Yusuke Iseya), um caçador que os samurais encontram na floresta e que, mais tarde, se revela mais do que um homem comum.

A batalha final, também reminiscente de "Os Sete Samurais", se dá em uma pequena vila que é preparada pelos samurais para enfrentar o exército de Lorde Naritsugu. São apenas 13 homens contra centenas de soldados mas, apesar do claro exagero, o filme mostra como os samurais são mais do que simples guerreiros. O banho de sangue é grande e há espaço para uma discussão sobre a futilidade da guerra e a validade do poder. A cena de batalha se estende por mais do que o necessário, e Lorde Naritsugu poderia ser um vilão menos caricato. O filme, porém, é extremamente bem produzido, com fotografia caprichada e direção de arte correta. O ator Tsuyoshi Ihara, que protagoniza o filme brasileiro "Corações Sujos", faz parte do elenco. É um épico à moda antiga. Visto no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

domingo, 2 de setembro de 2012

Margin Call - O dia antes do fim

"É só dinheiro", diz o chefão de uma grande empresa financeira em Wall Street. "São pedaços de papel com figuras que nos impedem de ter que brigar por comida". A principal força por trás de "Margin Call", além do fantástico elenco, é o quão claro ele mostra como as grandes transações do mercado financeiro são, no fundo, um grande jogo de adivinhações e atribuir valor a algo que, na verdade, talvez nem exista.

O filme, escrito e dirigido por J. C. Chandor, mostra 24 horas na vida de um grupo de funcionários de uma empresa de Wall Street. As 24 horas que antecederam o grande crash de 2008, quando a bolha do mercado imobiliário americano, há meses inflada artificialmente por especuladores, finalmente estourou. É um grande filme, dirigido em um estilo que lembra o que Michael Mann usou em "O Informante" e filmes similares. O elenco de peso inclui Paul Bettany, Zachary Quinto, Kevin Spacey, Jeremy Irons, Demi Moore, Stanley Tucci, entre outros. É o personagem de Tucci, Eric Dale, um analista de riscos, que descobre que há um problema com as contas. Ele não consegue soar o alarme pois, na véspera do crash, ele e vários outros funcionários são demitidos em um corte de gastos. Por razões de segurança, ele tem seu e-mail e celular cortados e, após 19 anos de trabalho, é escoltado por um segurança até o elevador. Pouco antes de sair, no entanto, ele entrega um pendrive a um jovem chamado Peter Sullivan (Zachary Quinto, o Sr. Spock da nova Jornada nas Estrelas). "Cuidado", diz ele. Sullivan, apesar da pouca idade, é um doutor em engenharia aeroespacial que foi atraído pelo dinheiro de Wall Street. Ele consegue deduzir pelas anotações de Dale que a empresa vem trabalhando com números superfaturados há semanas. Lentamente, o filme mostra como  o pânico começa a se espalhar pelos corredores da firma, enquanto a informação vai chegando a níveis hierárquicos superiores. A notícia chega aos ouvidos do chefão da empresa, John Tuld (Jeremy Irons), que vem de helicóptero, no meio da madrugada, intervir. (mais abaixo)


O roteirista/diretor consegue realizar a difícil tarefa de transmitir o que está acontecendo mesmo para quem ignora o jargão financeiro. O filme se passa quase todo durante a noite, enquanto o resto do mundo dorme, um paralelo com a situação de Wall Street em 2008, aparentemente rica, mas a ponto de desabar. Jeremy Irons, com seu modo britânico sofisticado, mostra com que frieza se pode salvar a própria pele vendendo milhões de ações que, no fundo, não valem nada. O personagem de Kevin Spacey é um dos únicos que mostra alguma indignação moral frente ao esquema proposto pelo chefe, não que isso o impeça de fazer o trabalho. Zachary Quinto, o analista, lida apenas com números, independente do que eles vão significar para as pessoas "comuns". Stanley Tucci tem um bom monólogo em que lembra da época em que, engenheiro civil, construiu uma ponte que encurtou em dezenas de quilômetros a distância percorrida pelos motoristas. Hoje, enquanto o mercado desaba à volta dos personagens, todos recolhem seus bônus e continuam com seu trabalho. Filme disponível em DVD. PS: Para uma visão mais técnica do que foi a crise de 2008, veja o documentário "Trabalho Interno".

sábado, 1 de setembro de 2012

Intocáveis

Philippe (François Cluzet) é um ricaço que tem uma casa enorme, vários empregados e carros esporte estacionados na garagem. O problema é que ele depende dos outros para quase tudo; ele perdeu os movimentos do pescoço para baixo em um acidente de paraglider anos atrás e agora está procurando um novo cuidador. Na fila de entrevistados há um grande número de candidatos, mas nenhum lhe agrada. Até que entra sala adentro Driss (Omar Sy), um senegalês de dois metros de altura, falante e sem intenção de pegar a vaga. Ele só quer que assinem um documento para poder entrar com o seguro desemprego. Philippe, cansado de ser olhado com dó e compaixão por todos, resolve desafiar Driss. "Você é capaz de aceitar a responsabilidade? Aposto como terá desistido em duas semanas".

"Intocáveis" é uma comédia dramática muito bem feita que mostra a amizade que nasce destas pessoas tão diferentes. Driss, que mora em um apartamento pequeno com vários irmãos mais novos e tem passagem pela polícia, é um homem das ruas. Malandro, sem educação formal, é fã das músicas dançantes do grupo "Earth, Wind and Fire". Philippe é um aristocrata francês, especialista em Chopin e Berlioz, que é capaz de passar horas olhando uma pintura moderna antes de comprá-la por 41 mil euros. Driss não é bobo e percebe que tirou a sorte grande, o que não o impede de, a princípio, se recusar a fazer algumas das tarefas a ele delegadas, como vestir Philippe com meias especiais ou lhe fazer a higiene pessoal. O filme funciona em grande parte pelo acerto da escolha do elenco. Cluzet só pode atuar do pescoço para cima, mas consegue passar frases inteiras apenas com um olhar. Omar Sy é um vulcão constantemente em erupção, e seu bom humor contagia a todos rapidamente. Há cenas bem escritas pelos roteiristas e diretores Olivier Nakache e Eric Toledano. A relação entre Philippe e Driss é uma troca de amizade e de conhecimento. Driss tem contato com um mundo que lhe é extraterreno, tanto materialmente ("Eu tenho uma banheira!" diz ele a uma empregada da casa) quanto intelectualmente. Ele leva Philippe a galerias de arte e concertos de música erudita, nem sempre com os resultados esperados, e sua honestidade causa momentos hilariantes. Já Philippe aprende com Driss a escutar música popular, a fumar um baseado de vez em quando e, principalmente, a ter coragem para enfrentar algumas situações, como finalmente telefonar para uma mulher com quem vinha se correspondendo há seis meses.

"Intocáveis" fez grande sucesso na França e chega ao Brasil em um circuito que não se limita aos cinemas de "arte", o que é bom sinal. O roteiro, apesar de um pouco longo e não fugir do final feliz, é uma bem sucedida mistura de momentos cômicos com cenas dramáticas, e é ótima pedida.

Câmera Escura


terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro

A ideia é interessante. Na falta de dinheiro ou oportunidade para fazer uma viagem ao redor do mundo, que tal comprar um implante com as memórias desta viagem, como se você a tivesse feito de verdade? A empresa Rekall, no final do século 21, promete lhe fornecer a experiência. Esta é a premissa criada pelo escritor de ficção-científica Philip K. Dick em seu conto "We can remember it for you wholesale", escrito em 1966. A história deu origem a um espetacular filme de aventura dirigido pelo holandês Paul Verhoeven em 1990, estrelado por Arnold Swarzenegger. Hoje, 22 anos depois, uma nova versão é dirigida por Len Wiseman.

Douglas Quaid (Colin Farrell) é um homem que, todas as noites, sonha que é um agente secreto. Na vida real, porém, ele é um simples operário das indústrias Cohaagen, que fabrica soldados robóticos do outro lado do planeta. A Terra foi quase toda destruída em guerras biológicas e apenas dois lugares ainda são habitáveis: a "Federação Unida da Bretanha" (Inglaterra e arredores) e a "Colônia" (a Austrália). Os dois são ligados por um túnel/elevador que atravessa o núcleo do planeta, por onde Quaid e milhares de operários da "Colônia" se deslocam para trabalhar na sede do novo "Império Britânico". Quaid gostaria que a vida dele e da esposa Lori (Kate Beckinsale) fosse diferente, e um dia resolve comprar memórias na Rekall. O vendedor lhe oferece um pacote em que ele seria um agente secreto que trabalharia tanto para o Chanceler Cohaagen (Bryan Cranston) quanto para o líder da resistência, Matthias (Bill Nighy, desperdiçado). O problema é que quando o procedimento de implante está para começar, descobre-se que Quaid realmente é um agente secreto, e dezenas de policiais invadem a Rekall. Descobrindo habilidades que não sabia que tinha, Quaid consegue matar a todos e fugir. Quem ele seria realmente? E, o mais importante, seria aquilo tudo real ou ele estaria vivendo as memórias implantadas pela Rekall?

A versão de 1990 levava Swarzenegger em uma aventura até o planeta Marte, onde ele lutava ao lado da resistência contra Cohaagen, um empresário que explorava os colonos. O roteiro era cheio de reviravoltas e Paul Verhoeven, como de hábito, criou um filme bastante violento, mas empolgante. A versão de Wiseman é muito mais "clean"; o visual é claramente baseado em "Blade Runner" (1982, de Ridley Scott, também tirado de um conto de Philip K. Dick) e Colin Farrell, sem dúvida, é melhor ator que Arnold Swarzenegger. O que não significa que este filme seja melhor; pelo contrário, falta a habilidade de um diretor como Verhoeven. Kate Beckinsale, apesar de bonita, está muito mal como a "esposa" de Quaid e passa o filme fazendo uma expressão forçada de vilã. Jessica Biel, como a comparsa de Quaid na resistência, se sai um pouco melhor, mas tanto seu visual quanto os figurinos são tão parecidos com os de Beckinsale que, por diversas vezes, elas se confundem. Os poucos momentos de calma são seguidos por sequências absurdas, como a passada dentro de elevadores que podem se movimentar em qualquer direção. A trama se passa toda no planeta Terra, mas o roteiro até referencia o primeiro filme em uma fala de Colin Farrell, que diz que ele sempre quis ir à Marte. O final é uma confusão de cenas de ação com as  esperadas explosões e fugas impossíveis. Prefira o original. Visto no Kinoplex Campinas.