domingo, 18 de dezembro de 2011

Borboletas Negras

Na década de 60, na África do Sul, as leis segregacionistas do Apartheid ficaram ainda mais fortes, impedindo os negros da liberdade de ir e vir sem um salvo conduto, de circular em meios de transporte público e de se expressarem livremente. A poetisa Ingrid Jonker (pronuncia-se "ionker") e um grupo de escritores protestavam contra a segregação através de poemas, livros e peças de teatro, frequentemente censuradas pelo governo branco. Depressiva, Jonker cometeria suicídio aos 31 anos jogando-se no mar em 1965. Quando Nelson Mandela assumiu o poder na década de 90, ele leu um dos poemas de Jonker ("A Criança Morta de Nyanga") em seu discurso ao Parlamento.

A vida de Jonker é contada no cinema com direção de Paula van der Oest. A produção segue basicamente as regras das cinebiografias de artistas autodestrutivos; a vida da poetisa, segundo o filme, foi uma mistura de consciência social alimentada por traumas de infância, problemas com um pai dominador e distante, alcoolismo e promiscuidade. A atriz holandesa Carice von Houten (de "A Espiã") interpreta Ingrid de forma convincente e o grande Rutger Hauer interpreta o pai dela, Abraham Jonker, um homem religioso e racista que chefiava o departamento de censura na África do Sul. A visão política da filha lhe era constante forma de embaraço, e ele via a obra dela como mera forma de lhe atacar. Jonker, de fato, responde aos problemas com o pai autoritário envolvendo-se com homens muito mais velhos e tentando chamar a atenção através de um comportamento destrutivo. Ela é salva de um afogamento logo no início do filme pelo escritor Jack Cope (Liam Cunningham, que está muito bem e lembra o ator inglês Rex Harrison), com quem começa a ter um caso. Jack tem idade suficiente para ser pai dela, tem dois filhos e está se divorciando. Ingrid também é recém divorciada e tem uma filha pequena, Simone, que carrega para cima e para baixo, como um pacote, o filme todo.

Passado na Cidade do Cabo, a produção é muito bem feita, com bela fotografia de Giulio Biccari, que compõe os planos através de janelas, reflexos ou plantas, como que mostrando que tanto os problemas políticos do país quanto os problemas psicológicos de Jonker estão escondidos. A poetisa tem mudanças de humor constantes e a tendência de afastar todos à sua volta. Ao abortar clandestinamente um filho de Cope, ela associa o próprio ato com os assassinatos cometidos pela polícia branca contra os negros dos guetos, o que serve de inspiração para o poema narrado por Mandela citado anteriormente. Von Houten é uma atriz muito boa e sua espiral descendente à loucura é bem interpretada. Não é um filme confortável de se assistir. O padrão suicida de Jonker se torna repetitivo e, a bem da verdade, a descrição de sua vida depressiva acaba por tirar a atenção dos acontecimentos políticos que acontecem nos bastidores e, até, levantando questionamentos sobre sua obra. Jonker segue um padrão romântico estabelecido por vários poetas na história da literatura, que aparentemente precisavam destruir as próprias vidas para conseguir produzir sua obra. O filme é válido como mensagem anti racismo e é bom ver atores adultos representando papéis sérios. Como cinebiografia, porém, "Borboletas Negras" acaba por reduzir a obra de Jonker a delírios produzidos em meio a álcool e depressão. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.



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