sábado, 31 de dezembro de 2011

Melhores de 2011

Fazer listas é sempre complicado. Qual o critério? Como comparar uma animação americana feita com milhões de dólares com um filme europeu de baixo orçamento? Estabelece-se um número? Os dez melhores? Os vinte? O Câmera Escura escreveu 91 textos este ano a respeito de vários tipos de filme, com uma predileção por filmes fora do grande circuito. Há filmes produzidos em outros anos mas que passaram no Brasil ou foram vistos por nós este ano. Obrigado aos leitores e até o ano que vem.

- Os Dez

- A Pele que Habito - Pedro Almodóvar se reinventa, choca e cria uma das histórias de obsessão mais fortes do cinema.

- Melancolia - Lars von Trier pinta um quadro ultra romântico (não no sentido amoroso) sobre o fim do mundo, ao som de Richard Wagner.

- Árvore da Vida - Se Melancolia é o "Apocalipse", o filme de Terrence Malick vai até o "Genesis" para, sem medo de ser pretensioso, explicar o sentido da vida. Há quem ame e quem odeie o espetáculo visual do diretor.

- Meia-Noite em Paris - Woody Allen típico, sim, mas com um toque de mágica e arte que conquistou o mundo.

- Trabalhar Cansa - Juliana Rojas e Marco Dutra fazem um filme brasileiro que não é uma comédia nem tem atores globais e constroem um retrato pesado, com toques de sobrenatural, da classe média do país.

- Um Conto Chinês - Ricardo Darín, o ator argentino mais presente nas telas brasileiras nos últimos anos, enfrenta seus preconceitos na convivência com um hóspede do outro lado do mundo. Escrito e dirigido por Sebastián Borensztein.

- Um Sonho de Amor - A sempre ótima Tilda Swinton em belíssimo filme de Luca Guadagnino. Roteiro, direção de arte, fotografia, interpretações, tudo é apropriadamente exagerado neste ambicioso filme italiano.

- Cópia Fiel - Abbas Kiarostami faz um filme curioso e inteligente sobre identidades, conflitos amorosos e o conceito da Arte em uma tarde passada na Toscana, Itália. Com Juliette Binoche.

- O Garoto da Bicicleta - Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne continuam a acertar com seu estilo documental e direto nesta história sobre um garoto abandonado pelo pai e sua amizade com a bela Cécile de France.

- Homens e Deuses - Filme sóbrio, mas comovente, sobre um grupo de monges que vive na Argélia em paz com a comunidade muçulmana local, até a chegada de rebeldes assassinos. De Xavier Beauvois.

- Outros notáveis

- Medianeiras - A crítica deste filme argentino é das mais visitadas no blog. Uma meditação sobre a solidão moderna em qualquer cidade grande do mundo; no caso, uma Buenos Aires irreconhecível.

- Rock Brasília - Era de Ouro - Documentário de Vladimir Carvalho sobre o grupo de jovens de Brasília que reinventaram o rock nacional nos anos 80, encabeçados por Renato Russo e sua Legião Urbana.

- Tudo pelo Poder - O primeiro filme "sério" da leva do Oscar 2012 é dirigido por George Clooney. Com grande elenco encabeçado pelo homem do momento em Hollywood, o bom ator Ryan Gosling, como um assessor de imprensa enfrentando problemas éticos.

- Rango - Esta animação de Gore Verbinski retoma os westerns italianos de Sérgio Leone em um filme mais voltado a adultos do que a crianças.

- Abutres - Ricardo Darín, sempre ele, é um corretor de seguros sem escrúpulos que explora vítimas de acidentes automobilísticos em um filme noturno e seco de Pablo Trapero.

- A criança da meia-noite - Delphine Gleize mostra a vida difícil de um grupo de jovens acometido por um tipo raro e incurável de câncer de pele. Com Vincent Lindon.

- Os nomes do Amor - Michel Leclerc mostra a salada cultural e étnica que é a França de hoje, com vários problemas raciais e sociais. A herança do nazismo toca em um assunto também focado no bom "A Chave de Sarah", com Kristin Scott Thomas.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Missão: Impossível - Protocolo Fantasma

Tom Cruise, aos 49 anos, produz e estrela este quarto filme da série Missão: Impossível, que foi levada ao cinema pela primeira vez em 1996 por Brian De Palma. O segundo filme, dirigido pelo chinês John Woo em 2000, transformou a série em um veículo para o estrelismo de Cruise, que se tornou um James Bond alternativo. J.J. Abrams, em 2006, deu ao agente Ethan Hunt um motivo mais humano para lutar, colocando Michelle Monaghan como a namorada em perigo que ele tem que salvar.

Quando o tema já parecia esgotado, eis que surge Cruise novamente com direção de Brad Bird, que fez sua carreira no mundo da animação. Ele começou dirigindo episódios da série "Os Simpsons" e fez um ótimo longa metragem, "O Gigante de Ferro" (1999), que foi vítima de um mau lançamento dos estúdios Warner, tornando-se um fracasso. Os estúdios Pixar reconheceram seu talento e Bird fez dois sucessos em seguida, "Os Incríveis" (2004) e "Ratatoille" (2007). Quem viu "Os Incríveis" vai reconhecer o talento de Bird em criar cenas de suspense e de espionagem. As cenas em que o Sr. Incrível e a Sra. Elástico têm que invadir o quartel general do vilão Síndrome lembram muito "Missão: Impossível".

"Protocolo Fantasma" traz de volta o espírito de equipe da série original, assim como um senso de humor muito bem vindo. Ethan Hunt se vê envolvido em uma trama que retoma os temas da Guerra Fria quando um agente russo chamado Cobalto (Michael Nyqvist) rouba um lançador de mísseis nucleares do Kremlin. Ele tem um plano (apropriadamente maluco) de que a paz mundial pode ser alcançada após uma guerra nuclear, assim como Hiroshima e Nagasaki se tornaram símbolos depois da II Guerra Mundial. Hunt é acompanhado pelos agentes Benji (o britânico Simon Pegg), Jane (Paula Patton) e Brandt (Jeremy Renner) em uma aventura passada em Moscou, Dubai, Bombain e São Francisco. A sequência passada em Dubai é a mais espetacular e, paradoxalmente, a que menos faz sentido. Para alcançar os servidores do prédio mais alto do mundo, o "Burj Khalifa", Ethan Hunt tem que escala-lo por fora, estilo "homem-aranha", usando luvas especiais. A cena é muito bem feita, com Cruise pendurado a centenas de metros do chão, mas uma pergunta simples derruba qualquer verossimilhança: ninguém pode vê-lo de dentro do prédio? Mais interessantes são as cenas em que Hunt e Benji invadem o Kremlin usando uma tela que os faz invisíveis, ou a sequência em que Paula Patton usa seu "charme" para conquistar um playboy da mídia em Bombain, Índia.

Há uma tentativa de humanizar a história com uma subtrama envolvendo o passado do personagem de Renner e Cruise, mas este é, essencialmente, um filme de ação. Neste aspecto, "Missão: Impossível - Protocolo Fantasma" é extremamente bem sucedido. Brad Bird mantém a adrenalina alta o tempo todo sem atropelar o espectador. O filme é relativamente longo, com 133 minutos, e tem tempo de se desenvolver. O cinquentão Cruise tem várias cenas de heroísmo mas o roteiro dá chance aos outros personagens de ter seus momentos de aventura. A trilha de Michael Giacchino (o melhor compositor de trilhas atualmente) retoma o tema original de Lalo Schifrin, adaptando-o para os diversos países onde se passa o filme. Há uma cena final que deixa clara a possibilidade de outras contiuações; resta saber até quando Tom Cruise vai conseguir passar a imagem de galã de aventuras. Visto no Topázio Cinemas.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Garoto da Bicicleta

"O Garoto da Bicicleta" ganhou o prêmio especial do júri no Festival de Cannes deste ano (empatando com o filme turco "Era uma vez em Anatolia"). Ele conta a sensível história de Cyril (Thomas Doret), um garoto de dez anos que foi abandonado pelo pai em um orfanato. Dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, o filme tem um olhar documental sobre um garoto que não tem nada de idealizado; Cyril, interpretado magistralmente pelo jovem Doret, é um garoto de verdade, que sente saudades do pai e é turrão, briguento, foge quando pode e agride quem tenta segurá-lo.

Nos primeiros dez ou quinze minutos acompanhamos a luta dele para reencontrar o pai e recuperar sua bicicleta que, insiste, ainda está no apartamento em que morava. A bicicleta lhe é devolvida por Samantha (Cécile de France, de "Além da Vida", de Eastwood, e "Um Segredo em Família"), uma cabeleireira que conhece o garoto por acaso e aceita ficar com ele durante os finais de semana. Os diretores evitam o sentimentalismo fácil, mas a cena em que Cyril reencontra o pai é de cortar o coração. Ele é um homem fraco que trabalha em um restaurante e diz a Samantha que não quer mais ver o garoto, porque está recomeçando a vida e não está preparado para isso. "Diga a ele você mesmo", diz Samantha.

O olhar realista dos irmãos Dardenne mostram como a falta de estrutura familiar e apoio podem expor uma criança a riscos como o tráfico de drogas e os crimes. Um jovem traficante da região atrai o garoto com videogames e, principalmente, lhe dando atenção.  Samantha não consegue entender porque Cyril se envolve com o traficante, mas está tão ligada ao garoto que até perde o namorado por causa dele. Impossível não se lembrar do mestre François Truffaut e seu primeiro longa metragem, "Os Incompreendidos" (1959), que mostrava a vida do jovem Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), que é abandonado pela família e vai parar em um reformatório. Mas Truffaut tinha um olhar mais carinhoso e nostálgico. Os irmãos Dardenne fazem um filme curto (87 minutos), com pouco espaço para concessões sentimentais. Há algumas cenas idílicas entre o garoto e a bela Cécile de France andando de bicicleta mas, em grande parte do tempo, o mundo não parece um lugar muito seguro para o pequeno Cyril, e o filme termina da mesma forma como começa, em aberto. O filme estréia no Topázio Cinemas, em Campinas, dia 23 de dezembro.


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Tudo pelo Poder

Falta pouco mais de dois meses para o próximo Oscar, o prêmio mais importante do cinema americano. É nessa época que os filmes do circuito comercial apresentam uma qualidade maior do que os tradicionais filmes de ação, efeitos especiais ou comédias românticas. "Tudo pelo Poder" chega como candidato sério a vários prêmios. George Clooney dirige, atua, produz e co-escreve o roteiro desta intriga política; ele interpreta Mike Morris, um dos finalistas à indicação de candidato oficial do Partido Democrata à presidência da república. Clooney é bom diretor, já tendo mostrado seu valor no ótimo "Boa noite e boa sorte" (2005) e em "Confissões de uma mente perigosa" (2002). Ele é abertamente liberal e simpatizante do Partido Democrata, o que não significa que "Tudo pelo Poder" seja um filme enaltecendo o partido. Pelo contrário, é um retrato cínico sobre os bastidores de uma campanha presidencial, em que não basta ser a "melhor pessoa" para ser o melhor candidato.

Ryan Gosling (de "Amor a toda prova") é Steve Meyers, um dos coordenadores da campanha de Morris ao lado do veterano Paul Zara (Philip Seymour Hoffman). Steve é competente mas tem uma característica que, no mundo da política, pode ser um ponto fraco; ele acredita que seu cliente seja não só o melhor candidato, mas um homem íntegro e honesto. "Ele é um político", lhe diz a jornalista interpretada por Marisa Tomei. "Ele vai decepcioná-lo". Morris está concorrendo à indicação democrata contra o Senador Pullman (Michael Mantell), mas seus inimigos verdadeiros estão entre os coordenadores da campanha do adversário, chefiados por Tom Duffy (Paul Giamatti). Como se pode ver, a produção tem um elenco acima da média; Gosling mostra a cada filme que é um ator de primeira e encara de frente feras como Clooney, Hoffman e Giamatti. Este último, como Tom Duffy, representa o tipo de assessor de imprensa que acredita que os fins justificam os meios.

Baseado em uma peça de Beau Willimon, o roteiro foi co-escrito pelo autor com Clooney e Grant Heslov, e é inevitável a comparação com os roteiros que Aaron Sorkin (Oscar de roteiro por "A Rede Social") escreveu para a série política de TV "The West Wing". Os diálogos são inteligentes e revelam o tortuoso processo democrático norte-americano, em que às vezes valem mais os votos dos delegados do que o voto direto da população (deve-se lembrar que George W. Bush chegou à Casa Branca mesmo tendo perdido no voto popular). Para dar mais tempero ao roteiro, Steve se envolve com uma bela estagiária (Evan Rachel Wood, de "O Lutador"), que carrega um segredo que, se revelado, pode se tornar uma "bomba" nas mãos da mídia. Contar mais seria estragar a trama. É curioso como Clooney tenta mostrar que talvez seja possível ser íntegro nas intenções mas podre na vida pessoal. Qual é o limite ético? É válido quebrar as próprias convicções para que o melhor programa de governo chegue ao poder?


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Chave de Sarah

Kristin Scott Thomas é Julia Jarmond, uma jornalista americana que construiu uma vida na França. Ela é casada, tem uma filha adolescente e está escrevendo uma matéria sobre um período pouco falado (e vergonhoso) da história francesa. Em julho de 1942, com a França ocupada pelo exército nazista, judeus franceses foram retirados à força de suas casas e levados a um velódromo de Paris, onde passaram cinco dias em condições sub-humanas. "Era necessário fechar a janela por causa do mau cheiro", diz uma vizinha do velódromo, anos depois, à jornalista.

O mais absurdo da situação é que os oficiais responsáveis pela operação não eram nazistas alemães, mas soldados franceses. Quando eles invadiram o apartamento da família Starzynski, em 1942, a pequena Sarah (Mélusine Mayance) levou o irmão Michel para um armário e o trancou lá, dizendo que voltaria para buscá-lo. Sarah e a família são levados primeiro ao velódromo e depois para campos temporários, onde os homens foram separados das mulheres e, depois, as crianças das mães. Sarah, apesar de cada vez mais fraca e doente, segura nas mãos a chave do armário onde trancou o irmão, imaginando um modo de fugir para resgatá-lo.

Dirigido por Gilles Paquet-Brenner, "A Chave de Sarah" alterna de forma eficiente a trama passada em 1942 e a pesquisa realizada por Julia em 2009. Apesar de mais de 60 anos separarem os dois eventos, há pontos em comum que deixam Julia cada vez mais incomodada. O apartamento em Paris que o marido está reformando, por exemplo, pertenceu à família dele desde a época da guerra. Um pesquisador sobre o Holocausto, depois de investigar o endereço, informa Julia que o apartamento havia pertencido à uma família judaica de nome Starzynski. Julia fica obcecada com a história trágica de Sarah e, depois de saber do irmão que havia sido deixado trancado no apartamento, se recusa a morar lá. A família do marido passa a questioná-la sobre o porquê dela estar desenterrando um passado que todos gostariam de esquecer. "A verdade tem um preço, para o bem ou para o mal", responde a jornalista.

Curioso que a trama de "A Chave de Sarah" também foi contada recentemente no filme "Os Nomes do Amor". Naquele filme, a mãe do personagem principal também era uma sobrevivente dos nazistas que havia sido criada em um orfanato, sofrendo com a perda da própria identidade. A colaboração dos franceses no massacre dos judeus é uma ferida aberta na história da Europa, que sofre até hoje com problemas de racismo e antissemitismo. Kristin Scott Thomas é uma ótima atriz que, assim como sua personagem, mudou-se para a França e construiu uma carreira sólida em filmes como "Partir", "Há tanto tempo que te amo" e vários outros. Ela interpreta Julia como uma mulher madura e cansada com a hipocrisia do mundo. Em meio à reportagem ela descobre que está grávida e se recusa a fazer o aborto que o marido gostaria que fizesse.

A parte final sofre pela longa duração e certo didatismo. A busca de Julia pela história de Sarah a leva aos Estados Unidos e depois à Itália, onde o ator Aidan Quinn faz uma participação especial como um filho de Sarah. Bom filme. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.

Câmera Escura

domingo, 18 de dezembro de 2011

Borboletas Negras

Na década de 60, na África do Sul, as leis segregacionistas do Apartheid ficaram ainda mais fortes, impedindo os negros da liberdade de ir e vir sem um salvo conduto, de circular em meios de transporte público e de se expressarem livremente. A poetisa Ingrid Jonker (pronuncia-se "ionker") e um grupo de escritores protestavam contra a segregação através de poemas, livros e peças de teatro, frequentemente censuradas pelo governo branco. Depressiva, Jonker cometeria suicídio aos 31 anos jogando-se no mar em 1965. Quando Nelson Mandela assumiu o poder na década de 90, ele leu um dos poemas de Jonker ("A Criança Morta de Nyanga") em seu discurso ao Parlamento.

A vida de Jonker é contada no cinema com direção de Paula van der Oest. A produção segue basicamente as regras das cinebiografias de artistas autodestrutivos; a vida da poetisa, segundo o filme, foi uma mistura de consciência social alimentada por traumas de infância, problemas com um pai dominador e distante, alcoolismo e promiscuidade. A atriz holandesa Carice von Houten (de "A Espiã") interpreta Ingrid de forma convincente e o grande Rutger Hauer interpreta o pai dela, Abraham Jonker, um homem religioso e racista que chefiava o departamento de censura na África do Sul. A visão política da filha lhe era constante forma de embaraço, e ele via a obra dela como mera forma de lhe atacar. Jonker, de fato, responde aos problemas com o pai autoritário envolvendo-se com homens muito mais velhos e tentando chamar a atenção através de um comportamento destrutivo. Ela é salva de um afogamento logo no início do filme pelo escritor Jack Cope (Liam Cunningham, que está muito bem e lembra o ator inglês Rex Harrison), com quem começa a ter um caso. Jack tem idade suficiente para ser pai dela, tem dois filhos e está se divorciando. Ingrid também é recém divorciada e tem uma filha pequena, Simone, que carrega para cima e para baixo, como um pacote, o filme todo.

Passado na Cidade do Cabo, a produção é muito bem feita, com bela fotografia de Giulio Biccari, que compõe os planos através de janelas, reflexos ou plantas, como que mostrando que tanto os problemas políticos do país quanto os problemas psicológicos de Jonker estão escondidos. A poetisa tem mudanças de humor constantes e a tendência de afastar todos à sua volta. Ao abortar clandestinamente um filho de Cope, ela associa o próprio ato com os assassinatos cometidos pela polícia branca contra os negros dos guetos, o que serve de inspiração para o poema narrado por Mandela citado anteriormente. Von Houten é uma atriz muito boa e sua espiral descendente à loucura é bem interpretada. Não é um filme confortável de se assistir. O padrão suicida de Jonker se torna repetitivo e, a bem da verdade, a descrição de sua vida depressiva acaba por tirar a atenção dos acontecimentos políticos que acontecem nos bastidores e, até, levantando questionamentos sobre sua obra. Jonker segue um padrão romântico estabelecido por vários poetas na história da literatura, que aparentemente precisavam destruir as próprias vidas para conseguir produzir sua obra. O filme é válido como mensagem anti racismo e é bom ver atores adultos representando papéis sérios. Como cinebiografia, porém, "Borboletas Negras" acaba por reduzir a obra de Jonker a delírios produzidos em meio a álcool e depressão. Visto no Topázio Cinemas, Campinas.



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O Preço do Amanhã

O diretor e roteirista Andrew Niccol tem apenas quatro filmes como diretor, e seu roteiro para "O Show de Truman" (1998, dirigido por Peter Weir) foi indicado ao Oscar. Niccol tem uma visão de mundo pastante crítica e interessante. Em "Gattaca" (1997), o destino dos homens era ditado pelo código genético, sendo que um mero fio de cabelo poderia  denunciá-lo caso você não tivesse os genes "certos".  "O Show de Truman" (1998) trazia Jim Carrey como um rapaz comum que, sem o saber e contra sua vontade, é a estrela de um programa de televisão que o acompanha 24 horas por dia. Em "S1m0ne" (2002), a computação gráfica cria uma atriz perfeita (mas virtual) para o diretor vivido por Al Pacino. Nicolas Cage é um frio vendedor de armas no pesado "O Senhor das Armas" (2005). Niccol também escreveu a história que Spielberg levou às telas com Tom Hanks em "O Terminal" (2004), sobre um homem obrigado a viver em um aeroporto após seu país entrar em guerra civil. Como se vê, Niccol é obcecado por histórias sobre pessoas comuns esmagadas por algum poder superior , criado pelo próprio homem através do mau uso da tecnologia.

Em "O Preço do Amanhã" não é diferente, e a visão cínica de Niccol é tão inteligente quanto absurda. Em um futuro indeterminado, as pessoas são criadas geneticamente para viver até os 25 anos, quando param de envelhecer; mas há um porém. A partir dos 25 anos, um relógio digital/biológico começa uma contagem regressiva de um ano de vida. Este tempo passa a ser a moeda de troca das pessoas, que podem comprar mais "créditos" (minutos, horas, anos, décadas) através do trabalho ou em trocas com outras pessoas. A premissa é absurda, mas a metáfora do mundo moderno e a interpretação literal do ditado "tempo é dinheiro" feitas por Niccol são tão interessantes que não devem ser descartadas facilmente. No mundo habitado por Will Salas (Justin Timberlake), uma frase como "Ei, tem um minuto?" ganha outro significado. Ele vive nos "guetos", a região pobre da cidade, em que todo mundo tem pressa. Will faz trabalhos em troca de minutos extras e já conseguiu viver três anos além da marca dos 25 regulares. A sociedade está dividida em "fusos horários", regiões separadas por barreiras e guardas armados em que cada nível representa uma casta diferente. No topo está a elite, que literalmente pode viver para sempre, com milhares de anos estocados em bancos ou negociados na bolsa de valores. Após ganhar um século de crédito por salvar a vida de um homem rico, Will resolve ir até o nível mais alto para vingar a morte de sua mãe, que literalmente ficou sem tempo.

A metáfora do sistema econômico moderno é tão interessante que é uma pena que ele tenha que usá-la de forma tão banal, em um filme que mistura ficção-científica, aventura e policial. O personagem de Timberlake se junta à uma garota rica, Sylvia (Samanta Seyfried) e os dois se tornam uma espécie de "Bonnie e Clyde" misturados com "Robin Hood", roubando "bancos de horas" e os distribuindo aos pobres. Eles são perseguidos por um "Protetor do Tempo" chamado Raymond (Cillian Murphy). O roteiro faz observações muito inteligentes sobre a sociedade moderna, em que os ricos se julgam imortais e cada vez mais todos parecem ter a mesma idade. Em "O Preço do Amanhã" todos estão "congelados" com a aparência de jovens de 25 anos, o que faz com que um personagem diga uma das melhores frases do filme. Ao perceber que Timberlake está interessado em uma garota, o homem diz que são tempos complicados, pois não se sabe se a garota é filha, mulher ou mãe dele. É só folhear uma revista de "celebridades" para ver como o mundo real não é muito diferente disso. Quando se trabalha, alguém está literalmente trocando seu tempo de vida por dinheiro, e é visto como "natural" que uma pessoa com recursos financeiros viva mais e melhor do que uma pessoa pobre.

Todas estas boas idéias estão misturadas em um roteiro que alterna bons momentos com cenas sofríveis, e o resultado é um filme interessante que, infelizmente, não atinge tudo o que poderia ser.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Os Muppets

Os Muppets foram criados na década de 70 por Jim Henson, mestre criador de bonecos que já havia marcado época com "Vila Sésamo".  Os bonecos de Henson, apesar de serem fantoches básicos, pareciam ter vida própria e conquistaram o mundo. Vila Sésamo ainda é produzida em vários países e, entre os anos 70 e final dos anos 90, Os Muppets mantinham um show na televisão e fizeram vários filmes para o cinema (o último, "Muppets from Space", foi lançado em 1999).

Será que nesta era de computação gráfica e desenhos violentos Os Muppets teriam lugar? A resposta, felizmente, é sim. Caco, Miss Piggy, Ênio, Animal e todo elenco de bonecos está de volta em um longa produzido pela Disney, que comprou os direitos dos personagens. O filme é escrito e interpretado por Jason Segel, que  é Gary, um rapaz comum de Smalltown (a típica cidadezinha americana) que tem um "irmão" chamado Walter. Os dois fazem tudo juntos desde crianças, mas há um problema: Walter não é humano, é um Muppet. Quando Gary decide levar a namorada Mary (Amy Adams) a Los Angeles para comemorar os dez anos de namoro (em camas separadas), Walter vai junto. Ele quer conhecer o decadente estúdio dos Muppets. Um velho guia (Alan Arkin, uma das várias participações especiais do filme) leva meia dúzia de turistas pelos prédios empoeirados, quando Walter entra no escritório do sapo Caco e descobre um segredo; um magnata do petróleo chamado "Tex Richman" (Chris Cooper, tirando sarro de si mesmo) quer destruir o estúdio para cavar poços no local. Se os Muppets não conseguirem levantar dez milhões de dólares em poucos dias eles perderão os estúdios para Richman.

A fórmula é antiga e já foi usada em diversos musicais; o grupo que não se vê há anos tem que se juntar para  criar uma atração e ganhar o dinheiro necessário para comprar o estúdio (ou escola, orfanato, faça sua escolha) de volta. Walter, Gary e Mary (cada vez mais desconsolada pela falta de atenção do namorado) conseguem encontrar o sapo Caco e eles partem para reunir a turma. Caco, a propósito, está sendo chamado de "Kermit", seu nome original em inglês, na dublagem e material promocional do filme. É uma grande bobagem, provavelmente exigida pelo departamento de marketing da Disney (que não vai precisar mudar o nome escrito nos brinquedos vendidos mundo afora). Independente destas questões, o filme é bastante divertido e é assumidamente nostálgico. O veterano dos musicais da MGM, Mickey Rooney, de 91 anos, aparece durante um número no início do filme. Os estúdios dos Muppets estão cobertos com cartazes promocionais do antigo show, em que estrelas como Steve Martin, Elton John, Orson Welles, Julie Andrews e dezenas de outros apareceram. Há boas piadas, como na cena em que a turma vai procurar Miss Piggy em Paris e a encontram editora da revista de moda Vogue. A secretária dela, claro, é Emily Blunt, a secretária de Meryl Streep em "O Diabo Veste Prada". Jack Black aparece como ele mesmo em uma cena que, sutilmente, faz piada com os filmes em computação gráfica de hoje; quando os Muppets o encontram ele está em seu trailer vestindo uma daquelas roupas usadas para gravar em "motion capture", técnica em que os atores apenas fazem os movimentos que são capturadas por um computador. É um contraste interessante com a técnica simples utilizada para movimentar os Muppets.

O filme, dirigido por James Bobin, é simples, engraçado e apropriadamente ingênuo. O que não impediu a Fox News, nos Estados Unidos, de considerar os Muppets "comunistas", por sua mensagem aparentemente dirigida contra a indústria do petróleo. Para eles, um Manah Manah. (visto no Topázio Cinemas); Site oficial


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os Nomes do Amor

É de se imaginar que uma história de amor entre um homem judeu e uma mulher árabe seja confusa, mas o filme de Michel Leclerc adicionou elementos ainda mais complicadores. Arthur Martin (Jacques Gamblin) é um quarentão que se define como o típico francês. Seu nome é tão comum que ele se sente como um membro da seleção de futebol coreana (em que mais da metade dos jogadores se chamava "Kim"). Já Bahia Benmahmoud (Sara Forestier) tem orgulho de ter um nome único, apesar de ser sempre confundida como brasileira. Ela é descendente de um imigrante ilegal argelino e de uma hippie francesa, mas suas feições (branca e com grandes olhos azuis) não aparentam sua origem. Já Arthur é filho de um ex militar francês que trabalha com energia nuclear e que se casou com uma judia com um passado difícil; os pais dela foram enviados ao campo de concentração de Auschwitz, e ela cresceu em um orfanato. Os pais de Arthur nunca conversavam sobre o assunto e ele passou a vida aprendendo a como falar com eles sobre "nada", já que não podia mencionar assuntos considerados tabu.

A família de Bahia, apesar de muito mais liberal, também guarda um segredo. Quando criança, ela foi abusada sexualmente por um professor de piano. Segundo os psicólogos, Bahia tinha duas opções quando se tornasse adulta: tornar-se pedófila ou prostituta. Ela decidiu tornar-se prostituta, mas de um tipo diferente. Seguindo o ditado "faça amor, não faça a guerra", Bahia tem como missão transar com homens da "direita" para mudar sua opção política. Assim, do encontro deste homem reprimido e careta, Arthur, com esta garota desinibida e política, Bahia, o roteiro faz uma bizarra história de amor. Mistura-se a isso uma forte dose de crítica aos problemas raciais e de imigração que existem hoje na França e se tem "Os nomes do amor".

O filme foi escrito pelo diretor Michel Leclerc e por sua esposa, Baya Kasmi, com grande quantidade de fatos autobiográficos. Há tantas questões sendo tratadas (racismo, imigração, nazismo, sexismo, política etc) que o roteiro peca por excesso. O ponto principal, quando todas estas diferenças acabam se chocando, demora a chegar em uma ótima cena em que Michel, Bahia e seus pais se encontram em um jantar. Sara Forestier é um vulcão em erupção o tempo todo, contrastando com o modo frio e controlado de Jacques Gamblin. Há partes românticas, como na delicada cena em que Arthur veste Bahia, misturadas a  outras  inverossímeis, como quando Bahia se esquece de colocar as roupas e sai nua pelas ruas. É usado o recurso (já um tanto batido) dos personagens falarem diretamente para o espectador, principalmente quando contam a história de seus pais. Em outros momentos, os personagens conversam com versões mais novas deles mesmos.

"Os nomes do amor" melhora quando diminui um pouco o ritmo para dar lugar à seriedade de certas situações, como a reação da mãe de Arthur ao ser confrontada pelo passado. A II Guerra Mundial ainda tem marcas profundas na Europa ("Things all long gone, but the pain lingers on", como diz a letra de Pink Floyd, The Wall), e a França teve um comportamento questionável na época. As consequências podem ser sentidas até hoje e o filme levanta, de modo leve, questões extremamente sérias. Visto no Topázio Cinemas, em Campinas.



domingo, 4 de dezembro de 2011

Gato de Botas

O primeiro "Shrek" foi lançado pela DreamWorks em 2001 e foi um sucesso acima do inesperado. O sarcasmo e as piadas rasas foram consideradas uma resposta ao estilo comportado dos filmes da Pixar e "Shrek" foi recebido com entusiasmo nas bilheterias. Entre as dezenas de paródias com os contos de fadas havia um personagem que chamou a atenção, o gatinho de olhos grandes e voz suave (de Antonio Banderas) chamado Gato de Botas. O ogro verde teve mais três continuações, arrecadou uma fortuna e o Gato de Botas acaba de ganhar seu primeiro filme.

Dirigido por Chris Miller (de "Shrek Terceiro"), "Gato de Botas" é melhor do que se poderia esperar. Miller é também ator e interpretou a voz de vários personagens da série (como o Espelho Mágico). Apesar de estar muito longe da fonte original (o conto de Charles Perrault), o "Gato de Botas" tem um humor menos sarcástico do que o apresentado na série "Shrek" e um estilo mais cinematográfico, que lembra o adotado no superior "Rango" (de Gore Verbinski). Tecnicamente a animação é extramamente bem feita, com bela iluminação e seres humanos menos caricatos que em "Shrek". Há uma sequência de dança bastante "realista" (isto é, se gatos pudessem dançar como seres humanos) e boas cenas de perseguições.

O roteiro, claro, é uma bobagem. Gato de Botas, tradicional conquistador e exímio espadachim, decide roubar os "feijões mágicos". Juntam-se a ele o ovo "Humpty Dumpty" (personagem de histórias infantis tradicionais inglesas da "Mamãe Gansa") e a gata Kitty Pata Mansa (voz de Salma Hayek, no original). Eles querem os feijões para poder roubar a gansa dos ovos de ouro no castelo do Gigante, de "João e o pé de feijão". A cena em que os personagens plantam os feijões e sobem ao castelo é tão bem feita que merecia estar em um filme melhor. O resto não passa de clichês envolvendo intrigas, traições e redenção. A pergunta que os pais provavelmente estão fazendo é: as crianças vão gostar? Sim, elas irão gostar. O filme é bastante colorido, o personagem principal engraçado e o roteiro não chega a ser uma afronta tão grande à inteligência. Está longe dos bons tempos da Pixar ou de animações melhores como "Meu Malvado Favorito". Mas para uma animação baseada em um personagem secundário dos filmes de Shrek, repito, é melhor do que se poderia esperar. Site oficial em português. Topázio Cinemas.