domingo, 18 de setembro de 2011

Minhas Tardes com Margueritte

O filme está na sexta semana em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas, e a sala continua cheia. Não é para menos. A história da amizade entre um "ignorante" de bom coração e uma senhora amante dos livros é contada de forma bem humorada pelo veterano diretor francês Jean Becker.

Gérard Depardieu é Germain, um homem que teve a inteligência tolhida a vida toda pela mãe dominadora e cruel, pelos professores da escola ou pelos colegas. Ele vive de vários trabalhos, cuida de uma horta, é bom em trabalhos manuais e sabe o nome dos 19 pombos que alimenta, todos os dias, em uma praça. É neste lugar que ele conhece Margueritte (Gisèle Casadesus), uma senhora gentil que é das poucas pessoas no mundo que não zomba de seus eventuais defeitos. Pelo contrário, aos poucos ela começa a ler trechos de Albert Camus e outros autores clássicos para Germain, que se revela um aluno aplicado. As cenas entre Depardieu e Casadesus são ótimas, uma aula de interpretação.

Flashbacks revelam os problemas de Germain com a mãe, que o gerou depois de um caso passageiro. Ela é uma mulher orgulhosa e rude com o menino, que trata aos berros. O garoto tem que lidar com o abuso da mãe, dos eventuais namorados dela e de seus professores. Adulto, Germain mora em um trailer no quintal da casa da mãe, ainda viva mas, aos poucos, perdendo a lucidez. Ele tem uma namorada que é motorista de ônibus e tem idade para ser sua filha, mas a relação entre os dois revela a maturidade da garota. O filme ainda conta com uma série de personagens secundários muito interessantes, imigrantes e trabalhadores amigos de Germain que passam a trama toda em um pequeno bar. A convivência de Germain com Margueritte provoca uma melhora em seu vocabulário e um aumento em sua cultura, o que não passa despercebido por seus colegas. O roteiro é bem escrito e incorpora na trama elementos aprendidos por Germain dos livros que lê com Margueritte no banco da praça. Tudo isto é visto em bela fotografia de Arthur Cloquet.

O final é um pouco apressado e comportado demais, mas coroa de forma alegre a relação de amizade entre os personagens principais. Belo filme. Visto como cortesia no Topázio Cinemas.

Câmera Escura

domingo, 11 de setembro de 2011

Além da Estrada

O filme começa e termina na água. A primeira vez que o argentino Santiago (Esteban Feune de Colombi) vê a belga Juliette (Jill Mulleady) é no barco entre Buenos Aires e Montevidéu. Ele morava em Nova York mas, com a morte dos pais, resolveu voltar à terra natal e investigar um terreno que a família tem na cidade de Rocha, Uruguai. Após pegar a escritura do terreno com um senhor em Montevidéu, Santiago vê Juliette novamente, puxando uma mala à beira do Rio da Prata, e lhe oferece uma carona. Começa assim o road movie "Além da Estrada", cuja equipe é tão multicultural quanto seus personagens. O diretor é o brasileiro Charly Braun, formado em cinema nos Estados Unidos e que estréia em longas metragens. A produção é brasileira e uruguaia e o elenco conta com o argentino Colombi, a suíça Mulleady e vários não-atores uruguaios, interpretando a si próprios. Do nada, em uma cena, a top model Naomi Campbell faz uma ponta.

"Além da Estrada" é tão zen que, em alguns momentos, corre o risco de se transformar de um road movie em um vídeo amador de viagem. Há apenas um fiapo de roteiro. Santiago e Juliette se conhecem em um daqueles encontros que só acontecem no cinema e a garota é tão bela e bem vestida que, por vezes, parece que se está assistindo a um vídeo de moda. Mas a leveza do roteiro e a curiosidade criada pelos lugares por onde o casal passa mantém o interesse da platéia. O interior do Uruguai é menos conhecido para os espectadores brasileiros do que, digamos, as ruas de Nova York, e é interessante ver a sucessão de paisagens. Há algumas repetições interessantes; em quase todas as cenas há um ou mais cachorros que interagem com os personagens. Há também vários portões de madeira em pequenas estradas de terra perdidas pelo interior uruguaio. Juliette e Santiago acabaram de se conhecer mas há uma intimidade quase infantil entre os dois, que em grande parte do filme são vistos literalmente brincando um com o outro, seja correndo pela paisagem ou jogando-se na água. No caminho, conhecem vários habitantes locais e a interação entre eles e os atores se dá como em um documentário, com os não-atores falando sobre seu modo de vida. Santiago e Juliette visitam um tio dele, que é artista e faz uma vernissage em Punta del Leste. A agitação da cidade contrasta com uma comunidade hippie onde Santiago reencontra Juliette após breve separação.

Além (ou, na verdade, dentro) do road movie, porém, há escondido um álbum de recordações. Durante os créditos são exibidas imagens aparentemente reais de uma família nas mesmas paisagens vistas no longa. O diretor é meio-irmão da atriz Guilhermina Guinle (que é uma das produtoras do filme) e seu pai é argentino; ele passou a infância em vários dos locais mostrados em "Além da Estrada". Braun ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival do Rio e o filme é bastante interessante em sua mistura entre realidade, ficção e recordações, embora não seja para todos os gostos. Visto como cortesia no Topázio Cinemas.



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Medianeiras - Buenos Aires na Era do Amor Virtual

Escrito e dirigido por Gustavo Taretto, "Medianeiras" é simpático e inteligente. É passado em Buenos Aires mas poderia facilmente ser ambientado em São Paulo, Nova York, Tóquio ou qualquer cidade grande do mundo. Econômico nos diálogos, o filme conta a história de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar Lópes de Ayala, de "Lope"), dois solitários cujo mundo interior é contado ao espectador através de narrações e colagens de imagens. O estilo lembra muito o usado pelo roteirista e diretor brasileiro Jorge Furtado em filmes como "Ilha das Flores" ou "O Homem que Copiava", embora em um ritmo mais lento.

Martín e Mariana moram a poucos metros de distância em Buenos Aires, mas não se conhecem. Eles compartilham as mesmas angústias de milhões de pessoas no mundo inteiro; solidão, isolamento, dependência de anti-depressivos e problemas de relacionamento. A namorada de Martín foi para os Estados Unidos para passar um mês e nunca mais voltou, deixando com ele a poodle de estimação. Mariana acabou um relacionamento de quatro anos e está morando no mesmo apartamento em que vivia antes do namoro. Martín é um web designer e não lhe falta serviço, mas vive enfurnado em uma kitnete entulhada de monitores, tabuleiros de xadrez, action figures e outras quinquilharias de um nerd solteiro. É hipocondríaco e está se recuperando de uma síndrome de pânico; o primeiro site que criou foi, não por acaso, para seu psiquiatra. Já Mariana é arquiteta mas nunca construiu nada, por falta de oportunidades. Ela ganha a vida criando vitrines para lojas; sozinha em casa, ela conversa com os manequins.

Há dezenas de referências "pop" que, nos dias de hoje, são reconhecíveis em qualquer lugar do mundo. Há citações a "Star Wars", "O Estranho Mundo de Jack" (Tim Burton), "Manhatan" (Woody Allen), "Feitiço do Tempo" (filme em que Bill Murray acorda todos os dias no mesmo dia, uma sutil comparação com a vida repetitiva dos personagens), jogos de videogame etc. E há uma referência importante tirada do livro infantil "Onde está Wally?", em que o famoso personagem tem que ser encontrado no meio de uma multidão de anônimos. É bastante inteligente o modo como o diretor/roteirista se utiliza destas referências para criar uma história bastante humana sobre a individualização da sociedade. Buenos Aires é também uma personagem e uma metáfora. Em um de seus monólogos, Mariana diz que a tecnologia prometeu poder controlar a temperatura de casa pelo celular, para encontrar o apartamento quentinho quando se chega em casa. "É porque não vai ter ninguém nos esperando", diz ela. O filme foi muito bem recebido no último Festival de Gramado, onde ganhou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Visto como cortesia no "Topázio Cinemas".

domingo, 4 de setembro de 2011

Amor a toda prova

O casal está no restaurante tentando decidir o que pedir. "O que você vai querer?", pergunta o marido. "Um divórcio", responde a esposa. Assim começa "Amor a toda prova" (mais um desses títulos brasileiros genéricos, inferior ao original, "Crazy, Stupid, Love"). O marido é Cal Weaver, o sempre competente Steve Carell. A esposa, Emily (ninguém menos que Julianne Moore), "não quer magoar" Cal, mas além do anúncio do divórcio ainda confessa ter transado com um companheiro de trabalho, David Lindhagen (Kevin Bacon), o que é mais informação do que Cal estava disposto a receber. Desolado, Cal começa a passar suas noites bebendo em um bar da moda, onde conhece o "homem perfeito", Jacob (Ryan Gosling), um conquistador que leva uma garota diferente para casa todas as noites. Jacob, afetado pela figura triste de Cal reclamando suas "histórias de corno" todas as noites no bar, resolve ajudá-lo a sair do buraco.

Steve Carell, que foi lançado à fama com a comédia escrachada "O Virgem de 40 Anos", tomou um rumo curioso (e muito bem sucedido) em sua carreira. Seu tipo "homem comum" se adaptou tranquilamente a filmes engraçados, mas com um foco mais "família", como "Agente 86", "A volta do Todo Poderoso" e "Eu, meu irmão e nossa namorada" (além da voz de Gru na ótima animação "Meu malvado favorito"). Assim como neste último, Carell eleva o nível do batido gênero "comédia romântica" de "Amor a toda prova", do qual é um dos produtores, com um roteiro inteligente escrito por Dan Fogelman. Robbie (Jonah Bobo, uma boa descoberta), seu filho de 13 anos, é um romântico incurável que é apaixonado pela baby sitter Jessica (Analeigh Tipton), de 17 anos. Ela, por sua vez, é apaixonada pelo patrão Cal e, com o divórcio, Jessica resolve partir para o ataque, consultando a "piranha" do colégio, uma garota que só transa com homens mais velhos. Cal, auxiliado pelas dicas de conquista de Jacob, faz uma reciclagem no guarda roupa, ganha um novo corte de cabelo e, após alguns tropeços, também se torna um conquistador competente. Há uma cena hilariante estrelada por Marisa Tomei, sua primeira conquista, que vale o filme.

"Amor a toda prova", porém, não é um filme sobre conquistas adolescentes. O roteiro, apesar de moderno, é voltado a valores tradicionais como romance e casamento. Cal e Emily têm uma longa história juntos e mesmo Jacob, após conhecer a bela Hannah (Emma Stone), começa a repensar seu modo de vida. Com 118 minutos, o filme poderia ser um pouco mais curto, mas o roteiro inteligente tem até espaço para algumas surpresas e reviravoltas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Planeta dos Macacos: A Origem

Este filme começa de forma tão acelerada que promete ser uma grande aventura. Will Rodman (James Franco), um geneticista, está apresentando uma droga nova para possíveis investidores de uma empresa farmacêutica; ele promete curar o Mal de Alzheimer e os testes preliminares com chimpanzés foram promissores. Em plena apresentação, no entanto, uma das primatas testadas com a droga se solta e, em fúria, causa caos na empresa até ser abatida pela segurança. O chefe de Will ordena que as pesquisas sejam canceladas e todos os chimpanzés mortos. Will descobre que a chimpanzé estava cuidando secretamente de um filhote e, sem coragem de sacrificá-lo, o leva para casa, onde mora com o pai, Charlie (John Lithgow), que sofre, claro, de Mal de Alzheimer. Charlie se apega ao macaquinho e o chama de César, em homenagem a uma peça de William Shakespeare.

É então que o ritmo do filme muda drasticamente. Dirigido por Rupert Wyatt, este é mais um filme com subtítulo "A Origem" a ser lançado nos cinemas (assim como "Wolverine", "X-Men", entre outros). A saga "Planeta dos Macacos" iniciou-se em 1968, com o clássico dirigido por Franklin J. Shaffner. O roteiro, baseado em livro de Pierre Boulee, passou pelas mãos de Rod Serling (criador da série "Além da Imaginação") e o final surpresa marcou época. Houve quatro continuações, séries de televisão, uma série animada e, em 2001, Tim Burton fez um remake que teve recepção morna. O filme de Wyatt entra na moda das "origens" e, apesar de auxiliado por efeitos especiais realmente impressionantes, tem problemas de ritmo e de roteiro. O chimpanzé César é "interpretado" por Andy Serkis, que se tornou um especialista em atuações criadas em "motion capture"; os movimentos do ator são "capturados" pelo computador e transformados em dados para que o personagem em computação gráfica ganhe vida. Serkis, entre diversos trabalhos, já interpretou Gollum, na trilogia "O Senhor dos Anéis" e o gorila gigante de "King Kong", mas as expressões faciais e a linguagem corporal de César são realmente impressionantes.

O roteiro tem vários tropeços. Não fica muito clara a posição do personagem de James Franco depois do fracasso do início do filme. Há diversas passagens temporais em que o escutamos, em uma locução em off, narrar a evolução de César; a inteligência do macaco é superior aos outros da sua espécie graças aos genes que herdou da mãe, que havia testado a droga do Dr. Rodman. O cientista passa a roubar a droga da empresa (a pesquisa não havia sido cancelada?) e a usá-la no próprio pai que, a princípio, também demonstra uma melhora milagrosa. César cresce e se torna um "adolescente" problemático que começa a questionar (através da linguagem dos sinais) sua origem. Um dia ele agride um vizinho e a justiça determina que ele seja trancafiado no abrigo para primatas da cidade de São Francisco, onde sofre "bullying" dos outros macacos e de um cruel humano (interpretado por Tom Felton, o "Draco Malfoy" da série Harry Potter, igualmente maldoso). Há uma longa passagem que mostra a transformação de César de animal dócil para um ser ferido e ressentido. Aos poucos sua inteligência vai formando um plano de vingança que culmina com dezenas de macacos inteligentes soltos pelas ruas de São Francisco, em um final que acaba sendo um anticlímax.

É possível dizer que a interpretação de César, com todo respeito a James Franco, é a melhor do filme. "Planeta dos Macacos: A Origem", a não ser em momentos isolados, não chega a empolgar. A idéia da "cura" e subsequente epidemia lembram diversos outros filmes, principalmente "Eu sou a lenda", com Will Smith. Vale como marco nos efeitos visuais e, para os fãs da série, como mais um capítulo na saga dos macacos