sábado, 9 de julho de 2011

"Uma Longa Viagem" e "O Palhaço" (Festival de Cinema de Paulínia)

"Uma Longa Viagem" foi apresentado pela própria diretora, Lúcia Murat (do bom "Quase Dois Irmãos") como "um filme muito pessoal". O documentário conta a história de Murat e de seus dois irmãos, Miguel e Heitor, que viveram durante o período da ditadura militar no Brasil. Lúcia foi presa por seu envolvimento com grupos de esquerda, Miguel fazia o "meio de campo" entre os irmãos rebeldes e a família tradicional e Heitor foi enviado para Londres para não ter o mesmo destino de Lúcia. O filme usa o ator Caio Blat para interpretar Heitor quando jovem, em recriações interessantes feitas através de cenários simples e projeções feitas sobre o corpo do ator. A "longa viagem" do título se refere pricipalmente aos oito anos em que Heitor esteve viajando pelo mundo, por lugares como Índia, Nepal, Paquistão, Afeganistão, Bali, Ilhas Fiji, Austrália, entre vários países. O próprio Heitor, que passou anos em clínicas de desintoxicação e psiquiátricas, conversa com Lúcia sobre este período. O documentário acaba mostrando as contradições tanto da época quanto dos próprios personagens. Lúcia se considera revolucionária, mas admite que só conseguiu ser libertada da prisão por fazer parte de uma família da elite e ter dinheiro para pagar bons advogados. Heitor é um "free spirit", um homem "livre", mas suas viagens pelo mundo foram custeadas pela família rica e pelo tráfico de diversos tipos de drogas. Seu uso abusivo de drogas, aliás, acabou resultando em sua internação e na dependência de remédios, e sua figura hoje, os olhos arregalados, a fala desconexa e desencontrada, contrastam com a representada por Caio Blat no "passado". A trilha sonora tem Janis Joplin e diversos hits da década de 1970. O documentário é interessante e bem feito, embora longo demais e, por vezes, pareça realmente um álbum de família.

"O Palhaço", de Selton Mello, era o filme mais esperado da noite (e um dos mais aguardados do Festival). A divulgação foi tão grande e Selton Mello atrai tanta atenção que uma verdadeira multidão tentava entrar no Theatro Municipal de Paulínia. A confusão gerou um atraso considerável na programação e a segurança do teatro acabou autorizando que parte do público se sentasse nas escadas. Houve reclamação também por parte do público e dos jornalistas presentes ao fato de que toda a parte da frente do teatro foi reservada para a enorme equipe do filme. O próprio Selton Mello, quando subiu ao palco, disse que se surpreendeu com as proporções que o Festival de Paulínia tomou e que os organizadores deveriam tomar alguma medida. Mello esteve em Paulínia em 2008, lançando seu primeiro longa-metragem, o pesado "Feliz Natal", e a expectativa quanto a "O Palhaço" era grande.

Senton Mello interpreta Benjamim, um palhaço de circo que acha que perdeu a graça. Seu pai, o palhaço "Puro Sangue", é interpretado pelo ótimo Paulo José. Selton é responsável pelo roteiro do filme (em parceria com Marcelo Vindicatto), pela direção, interpretação, co-produção e também fez parte da edição (com Marília Moraes). "O Palhaço", infelizmente, está longe da força de "Feliz Natal". O filme é muito bem intencionado e é louvável sua tentativa de resgatar uma época ingênua e lúdica, represantada pela trupe de artistas do circo "Esperança". Apesar das boas intenções, faltou ao filme um roteiro mais interessante. O caráter episódico fica evidente na participação especial de atores como Moacyr Franco, ótimo em uma sequência passada em uma delegacia de polícia, ou do ex ator infantil Ferrugem, engraçado como escrevente de um cartório onde Benjamim vai tentar tirar a carteira de identidade. Há uma boa sequência passada na casa do prefeito de uma das cidades por onde passa o circo, e um toque de romance é representado por uma fã que convida Benjamim para visitar a cidade. De resto, o filme se resume a longas cenas entre Selton Mello e Paulo José no picadeiro, fazendo números de pastelão que deveriam passar por engraçados, mas no máximo produzem um sorriso na platéia. Selton Mello é bom ator, mas não há nada de muito original em um palhaço triste. Há cenas que tentam evocar Charlie Chaplin e Buster Keaton, mestres do cinema mudo. Keaton, aliás, tinha como marca o fato de ser engraçado sem nunca esboçar um sorriso. O filme foi muito aplaudido no festival, mas como praticamente metade da platéia do teatro era composta pela equipe do filme, fica difícil entender a reação do público comum à produção de Selton Mello.


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