quarta-feira, 13 de julho de 2011

Trabalhar Cansa (Festival de Cinema de Paulínia)

Este é o tipo de filme que se sustenta mais pelos climas criados do que pela trama. A história é aparentemente simples. Otávio (Marat Descartes) é demitido da empresa após dez anos de serviços prestados. Sua esposa, Helena (Helena Albergaria), aluga um imóvel comercial em São Paulo e abre um pequeno supermercado. A família é de classe média, com carro, tevê a cabo, uma filha em escola particular e empregada. A perda do emprego, para Otávio, soa como uma sentença de morte. Os tempos são duros e seus cabelos ralos e grisalhos não conseguem competir com os jovens executivos que encontra nas dinâmicas de grupo. O orgulho o impede de trabalhar junto da esposa no supermercado e ele passa os dias acordando tarde e ficando de pijama. O supermercado parece ter vida própria. Um clima desconfortável se estabelece toda vez que a câmera entra no pequeno comércio. A luz é fria; as cores opacas; estranhas infiltrações aparecem nas paredes e, do nada, um líquido escuro e de odor forte começa a brotar do chão. Helena, no entanto, é uma mulher moderna e, como tal, está disposta a vencer as adversidades e provar que pode ser o "homem" da casa.

"Trabalhar Cansa" é escrito e dirigido pela dupla Juliana Rojas e Marco Dutra. Os dois têm uma bem sucedida carreira como curta-metragistas e este é o primeiro longa da dupla. O filme foi apresentado em Cannes e teve sua primeira exibição brasileira ontem, no 4º Festival de Cinema de Paulínia. Pouco antes da sessão começar, o jovem diretor, perguntado sobre a recepção ao filme, disse que "mesmo quem não gosta diz que é difícil de esquecer". É uma boa descrição.

A idéia de que o trabalho dignifica o homem é relativamente nova na história humana. Trabalhava-se para o próprio sustento, ou a serviço da nobreza, que não via o trabalho como algo dignificante. Nos tempos modernos, um homem sem trabalho significa um homem sem rumo, sem honra, sem responsabilidade. Há também a questão do trabalho escravo. Uma cena muito boa mostra a filha de Otávio e Helena, Vanessa, em uma apresentação da escola sobre a libertação dos escravos. Como nenhum dos alunos da escola particular é negro, há várias crianças loiras com o rosto pintado de preto interpretando para uma classe média branca que não percebe a ironia da situação. A empregada do casal, Paula (Lanoana Lima), é uma moça negra contratada por Helena por menos de um salário mínimo, sem registro, para morar no pequeno quarto de empregada do apartamento. O tratamento que Helena dá a seus funcionários do supermercado não é muito melhor. O nível de estresse aumenta a cada dia e coisas "estranhas" começam a acontecer. Um cão raivoso espera todas as noites na frente do supermercado e late ferozmente quando Helena vai embora. Arranhões são vistos na parede do estoque. Alguma coisa entope o encanamento e há "algo" escondido atrás de uma parede apodrecida. O clima de suspense é criado com maestria pelos diretores, que usam de artifícios simples para criar tensão, como um boneco do Papai Noel ou enfeites carnavalescos.

Bobagem tentar "explicar" o filme racionalmente. A tensão cresce plano a plano, sequência a sequência, até uma cena marcante (uma fogueira que deveria ter sido o final do filme, aliás). O elenco é muito competente e Marat Descartes, em especial, repete a boa atuação de "Os Inquilinos" de Sérgio Bianchi. Há certo paralelismo no clima pesado e na ironia brutal de "Trabalhar Cansa" que lembram o filme de Bianchi. A obsessão de Helena e as coisas estranhas que acontecem no supermercado também lembram "O Cheiro do Ralo", de Heitor Dhalia. Resta saber se o grande público vai querer conferir este filme inteligente e instigante nos cinemas.


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