domingo, 17 de abril de 2011

Cópia fiel

Abbas Kiarostami trata de dois temas em "Cópia Fiel": o conceito de Arte e as relações amorosas. O filme brinca o tempo todo com noções pré-concebidas do que seria uma narrativa linear, além do que é "real" ou "fictício" em uma obra cinematográfica. Como toda boa obra de arte, a trama é polissêmica, isto é, tem vários significados, que podem ser interpretados de forma diferente por cada espectador. Complicado? Tão complicado quanto são as relações amorosas.

Há um casal. Ele é James Miller (William Shimell), um escritor que vai à Toscana, na Itália, para o lançamento de seu último livro, chamado "Cópia Fiel". Ela é Juliette Binoche, que sequer tem um nome (o banco de dados IMDB a chama de "Elle", que quer dizer "ela" em francês), a dona de uma loja de antiguidades e mãe de um pré-adolescente. Binoche compra seis cópias do livro de Miller e o convida para um passeio pela Toscana, de carro, em uma bela tarde de domingo. Aparentemente, são dois estranhos que estão se conhecendo. No caminho conversam sobre o significado da arte e o tema do livro de Miller. Há uma tensão palpável no ar, partindo principalmente da personagem nervosa de Binoche. Quando os dois param para tomar um café o filme, sutilmente, muda de direção. A dona do "Café" os confunde por marido e mulher e Binoche não a corrige. Enquanto Miller está ao celular, na rua, Binoche e a mulher discutem o valor do casamento e a aparente frieza e distância dos homens. Ao saírem deste café, Binoche e Miller começam a agir como se realmente fossem casados e a relação estivesse em crise.

É aqui que o espectador é convidado para refletir sobre o que está vendo. O casal na tela está apenas representando um papel? Estaria Miller, o escritor inglês, apenas provocando Binoche e entrando no jogo dela, fingindo ser seu marido? Ou, na verdade, eles são realmente casados e a representação era anterior, quando se faziam passar por desconhecidos? As possibilidades são muitas. Os significados, também. Kiarostami joga com os conceitos de "original" e "cópia" em uma obra de arte e os transfere para a criação e manutenção de uma relação amorosa. O casal na tela é "real" ou está apenas representando? Na verdade, não importa. Encarar "Cópia Fiel" como um enigma a ser desvendado não só é perda de tempo como também limita os vários significados encontrados no filme. Binoche e James Miller passam grande parte da trama andando pela pequena vila de Lucigniano, onde dezenas de noivos e noivas vão tirar uma foto junto a uma árvore considerada abençoada. É em meio a estes novos casais, cheios de esperança e alegria, que os personagens passam por várias das situações comuns de um casal que está junto há muito tempo: cobranças, acusações e discussões entrecortadas por pequenos momentos de compreensão e amizade. A interpretação de Juliette Binoche, como sempre, é extraordinária. Falando três línguas (inglês, francês e italiano), sua presença na tela é inigualável. Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, em 2010, pelo papel

O resultado é um filme intrigante e muito bem feito. Destaque para a bela fotografia de Luca Bigazzi. Repare como o enquadramento, por diversas vezes, também brinca com o conceito de "original versus cópia", utilizando diversos espelhos para mostrar o contra-plano.


Nenhum comentário: