sexta-feira, 22 de abril de 2011

Contracorrente

Em uma pequena vila de pescadores, no Peru, Miguel (Cristian Mercado) está casado com Mariela (Tatiana Astengo), que espera seu primeiro filho. É uma vila bem tradicional, com um padre, um bar e pequenas casas de frente para o mar. Uma figura distoa da paisagem, o pintor Santiago (Manolo Cardona), um rapaz alto, que anda pela vila bem arrumado, tirando fotos que usa para suas pinturas. O espectador descobre então que Miguel tem uma vida de aparências; o pescador, marido e futuro pai, na verdade, mantém um caso secreto com o pintor Santiago. Os dois se encontram em praias escondidas e Santiago, na verdade, está um pouco cansado de manter o romance em segredo.

"Contracorrente" é escrito e dirigido por Javier Fontes León, que conduz o filme com sensibilidade. O roteiro demora um pouco para engrenar, mas o começo expositivo serve para explicar uma reviravolta, com tons sobrenaturais, que ocorre em seguida. O que parecia ser "apenas" a história de um amor homossexual escondido, ganha contornos mais interessantes quando Miguel (e o espectador) descobrem que o pintor Santiago pode estar morto. Ele teria batido a cabeça em uma pedra, na praia, e seu corpo está perdido em alguma "contracorrente", no mar. Enquanto isso, seu "espírito" passa a aparecer para Miguel, que é o único que pode vê-lo. Isso causa uma situação interessante; Miguel, que não queria assumir sua identidade e muito menos ser visto em público com Santiago, passa a desfrutar de sua companhia o tempo todo, o que não deixa de ser conveniente; ele acredita poder manter seu "segredo" e seu casamento.

Tudo isso se passa em uma bela paisagem filmada na costa do Peru, em Cabo Blanco. O elenco é muito bom, principalmente Tatiana Astengo, que interpreta a esposa de Miguel como uma mulher forte e decidida a lutar pelo marido. A vida dos pescadores é mostrada de forma sensível e vemos seu modo de trabalhar e sua religiosidade. Como curiosidade, os moradores são fãs das telenovelas brasileiras. Em vários momentos eles estão vendo "Direito de Amar", produzida pela Globo. O roteiro, naturalmente, tem semelhanças com "O Segredo de Brokeback Mountain", mas o filme peruano é bem menos ambicioso e, talvez por isso mesmo, melhor resolvido. "Contracorrente" ganhou o prêmio de público no Festival de Sundance e foi o vencedor do Festival Mix Brasil em 2010.


quarta-feira, 20 de abril de 2011

Bróder

"Bróder", de Jefferson De, foi apresentado no Festival de Cinema de Paulínia, em 2010, com boa aceitação, e agora ganha lançamento em circuito nacional. O filme foi feito no Capão Redondo, na periferia de São Paulo, e acompanha um dia na vida de três amigos, Macu (Caio Blat), Jaime (Jonathan Haagensen) e Pibe (Sílvio Guindane). Jaime é um badalado jogador de futebol que estava na Espanha mas, contundido, é dúvida para a escalação da seleção brasileira. Ele está em São Paulo para uma avaliação médica e para tentar se acertar com Elaine (Cíntia Rosa), que está grávida de um filho dele. Pibe é formado em Direito e se mudou da periferia para o centro da cidade. Ele se casou e tem um filho pequeno, mas a vida não está nada boa para o casal. Macu, branco, está fazendo aniversário e sua mãe (Cássia Kiss), lhe prepara uma festa surpresa. Ele está devendo dinheiro para um traficante barra pesada e precisa fazer um trabalho para quitar a dívida. Os três amigos se reencontram no Capão Redondo em uma cena insólita, em que o carrão do jogador Jaime contrasta com a pobreza do lugar e com o fato de haver um corpo jogado na calçada, com a família aos prantos.

Jeferson De brinca com a questão do que é ser negro ou branco na periferia. Quando o filme começa, por exemplo, vemos uma silhueta falando ao celular, usando de muitas gírias, e imaginamos na hora ser um personagem negro. Quando a cortina deixa a luz entrar, vemos que é Caio Blat. Cássia Kiss, branca, interpreta uma mulher evangélica que freqüenta uma igreja cujo pastor é João Acaiabe, negro. Aílton Graça, outro ator negro, interpreta o marido de Cássia Kiss. Como se vê, a pobreza não tem cor. Mas há uma cena que mostra o preconceito ainda existente na sociedade. Quando Macu, Jaime e Pibe estão “dando um rolê” pela cidade no carrão de Jaime, a polícia os para e começa a prender os dois negros, achando que eles estavam sequestrando o branco.

A trilha sonora tem sucessos de Mano Brown e Jorge Ben Jor, entre outros, e o filme soa bastante autêntico. A produção contou com o apoio de ONGs do Capão Redondo que garantiram que quase todo o filme fosse rodado no próprio bairro. Os atores estão muito bem e Caio Blat, em especial, surpreende. Interessante também a coincidência da história de Jaime, jogador de futebol que engravidou uma moça de periferia, e as notícias do goleiro Bruno e a antiga amante. Há também similaridades com "Quatro irmãos", filme de John Singleton rodado em 2005, que também tratava de uma família adotiva formada por jovens brancos e negros. Belo filme, que muda um pouco o cenário das tradicionais favelas do Rio de Janeiro para a periferia de São Paulo, igualmente perigosa e cheia de histórias para contar.


domingo, 17 de abril de 2011

Cópia fiel

Abbas Kiarostami trata de dois temas em "Cópia Fiel": o conceito de Arte e as relações amorosas. O filme brinca o tempo todo com noções pré-concebidas do que seria uma narrativa linear, além do que é "real" ou "fictício" em uma obra cinematográfica. Como toda boa obra de arte, a trama é polissêmica, isto é, tem vários significados, que podem ser interpretados de forma diferente por cada espectador. Complicado? Tão complicado quanto são as relações amorosas.

Há um casal. Ele é James Miller (William Shimell), um escritor que vai à Toscana, na Itália, para o lançamento de seu último livro, chamado "Cópia Fiel". Ela é Juliette Binoche, que sequer tem um nome (o banco de dados IMDB a chama de "Elle", que quer dizer "ela" em francês), a dona de uma loja de antiguidades e mãe de um pré-adolescente. Binoche compra seis cópias do livro de Miller e o convida para um passeio pela Toscana, de carro, em uma bela tarde de domingo. Aparentemente, são dois estranhos que estão se conhecendo. No caminho conversam sobre o significado da arte e o tema do livro de Miller. Há uma tensão palpável no ar, partindo principalmente da personagem nervosa de Binoche. Quando os dois param para tomar um café o filme, sutilmente, muda de direção. A dona do "Café" os confunde por marido e mulher e Binoche não a corrige. Enquanto Miller está ao celular, na rua, Binoche e a mulher discutem o valor do casamento e a aparente frieza e distância dos homens. Ao saírem deste café, Binoche e Miller começam a agir como se realmente fossem casados e a relação estivesse em crise.

É aqui que o espectador é convidado para refletir sobre o que está vendo. O casal na tela está apenas representando um papel? Estaria Miller, o escritor inglês, apenas provocando Binoche e entrando no jogo dela, fingindo ser seu marido? Ou, na verdade, eles são realmente casados e a representação era anterior, quando se faziam passar por desconhecidos? As possibilidades são muitas. Os significados, também. Kiarostami joga com os conceitos de "original" e "cópia" em uma obra de arte e os transfere para a criação e manutenção de uma relação amorosa. O casal na tela é "real" ou está apenas representando? Na verdade, não importa. Encarar "Cópia Fiel" como um enigma a ser desvendado não só é perda de tempo como também limita os vários significados encontrados no filme. Binoche e James Miller passam grande parte da trama andando pela pequena vila de Lucigniano, onde dezenas de noivos e noivas vão tirar uma foto junto a uma árvore considerada abençoada. É em meio a estes novos casais, cheios de esperança e alegria, que os personagens passam por várias das situações comuns de um casal que está junto há muito tempo: cobranças, acusações e discussões entrecortadas por pequenos momentos de compreensão e amizade. A interpretação de Juliette Binoche, como sempre, é extraordinária. Falando três línguas (inglês, francês e italiano), sua presença na tela é inigualável. Binoche ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, em 2010, pelo papel

O resultado é um filme intrigante e muito bem feito. Destaque para a bela fotografia de Luca Bigazzi. Repare como o enquadramento, por diversas vezes, também brinca com o conceito de "original versus cópia", utilizando diversos espelhos para mostrar o contra-plano.


domingo, 10 de abril de 2011

Rio

Brasileiro é um povo estranho. Quando o seriado "Os Simpsons" fez um episódio em que os personagens vinham ao Brasil destilar seu humor afiado, cheio de críticas, ouviu-se a ira "patriótica" de muitos. Agora, quando o brasileiro Carlos Saldanha, um dos diretores de animação mais bem sucedidos do mundo, resolveu usar seu poder nos estúdios "Blue Sky" (produtores da série "Era do Gelo") para fazer um filme passado em um Rio de Janeiro belo e alegre, escuta-se novamente o brado de que ele estaria mascarando os problemas da cidade maravilhosa. Nas duas situações, há muita bobagem e pouca crítica séria.

Sim, "Rio" é uma animação extremamente colorida e alegre que, pecado dos pecados, mostra um Rio de Janeiro lindo, com fauna exuberante e pessoas preocupadas só com o Carnaval. Como produto de entretenimento e filme infantil, "Rio" não tinha nenhuma obrigação de ser polêmico ou mesmo verossímil. Seria como criticar "A Era do Gelo" por não ser cientificamente correto. Por uma terrível coincidência, o filme foi lançado um dia depois do massacre causado por um homem fora de controle em uma escola do Rio de Janeiro, em que 12 crianças foram assassinadas. Uma pena que o Rio de verdade não seja mais parecido com o animado mas, repetindo, não se pode julgar Paris pelo visto em "Ratatouille".

Blu é uma arara azul muito rara que, ainda filhote, foi capturado por contrabandistas de animais exóticos e levado aos Estados Unidos. Ele se torna animal de estimação de Linda, uma moça tímida que o trata como se fosse da família. Mas um dia um cientista brasileiro chamado Tulio aparece e diz que Blu é o último macho da sua espécie, e deve ser levado ao Rio de Janeiro para se acasalar com Jade, a última fêmea. Blu é tão domesticado que sequer sabe voar; ao conhecer Jade, não entende o porquê dela querer escapar e voltar para a natureza. As duas araras acabam roubadas por um garoto que trabalha para contrabandistas de animais. Estes contrabandistas moram, sim, em uma favela que, se não mostra traficantes trocando tiros, é realista e visualmente interessante o suficiente para a animação.

A cidade do Rio, claro, é a principal personagem do filme. E os animadores a mostram com grande beleza e riqueza de detalhes. As cenas noturnas são particularmente bem feitas e, estilizada ou não, não deixa de ser interessante ver a paisagem brasileira na tela. Tudo culmina com um feito técnico impressionante, o desfile de uma escola de samba em pleno carnaval carioca. Há literalmente milhares de "figurantes" tridimensionais nesta sequência, embalados pela trilha sonora criada por Sergio Mendes. Saldanha, que é carioca e migrou para os Estados Unidos para aprender animação, sem dúvida se coloca um pouco no personagem de Blu, um expatriado que volta ao Rio de Janeiro e a vê mais com os olhos maravilhados de um turista do que com o realismo de um morador local. "Rio" não é nenhum clássico, mas é diversão leve e bem feita para crianças e adultos.


sábado, 9 de abril de 2011

Sidney Lumet (1924 - 2011)

Morreu o grande cineasta Sidney Lumet. Estava com 86 anos, mas bastante ativo. Seu último filme foi "Antes que o diabo saiba que você está morto" (2007), com Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke e Marisa Tomei, que mostrava a ousadia e força de um diretor em início de carreira.

Lumet teve uma carreira prolífica e marcante.

Em 1957 dirigiu Henry Fonda em "12 Homens e uma Sentença". A parceria com Al Pacino deu ao mundo "Serpico" (1973) e "Um dia de Cão" (1975); quem pode se esquecer de Pacino gritando "Attica! Attica!"?
Em 1976, fez um dos filmes mais corrosivos sobre o mundo do jornalismo, "Rede de Intrigas", com o famoso discurso de Peter Finch revelando, ao vivo, os "podres" da mídia televisiva. Com Paul Newman, James Mason e Charlotte Rampling fez o drama de tribunal "O Veredicto" (1982).

E mais uma série de filmes de todos os tipos, bons e ruins, sempre interessantes e com algo a dizer.

Parte Lumet, ficam seus filmes. Sua morte deixa o cinema menos inteligente.








segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uma Manhã Gloriosa

Há muitos anos existe um debate entre o que é entretenimento e o que é notícia. Nos Estados Unidos até se criou o termo "infotainment", ou "infoentretenimento", que englobaria aqueles programas matinais como o icônico "Today Show", da rede NBC, que mistura as notícias da manhã com receitas de bolo e matérias sobre obesidade. Como vivemos em plena era da publicidade, infelizmente o jornalismo clássico tem perdido terreno para o sensacionalismo e os programas apelativos. "Uma Manhã Gloriosa" trata destes assuntos, ironicamente, de forma leve e divertida, embora seria injusto exigir algo mais profundo de um produto que é, descaradamente, entretenimento.

Rachel McAdams, mais adorável do que nunca, é Becky Fuller, uma produtora de TV workaholic que assume a produção executiva do programa "Daybreak", da fictícia emissora IBS, em Nova York. "Daybreak" está com péssima audiência e a emissora está pensando em cancelá-lo, mas Becky, com uma dedicação patológica, começa a fazer mudanças. A mais drástica é demitir o âncora do programa e, em seu lugar, colocar o lendário (e ranzinza) jornalista Mike Pomeroy (Harrison Ford, assumindo a idade). Pomeroy representa o jornalista clássico, hard news, e só se interessa pela verdade e por sua inabalável integridade. Baseado em Mike Wallace (do programa 60 Minutes), Pomeroy aceita o trabalho pelo dinheiro, mas se recusa e entrar no "clima" do programa matutino. Becky, além dos problemas de audiência, precisa também controlar a briga de egos entre Pomeroy e a outra apresentadora do "Daybreak", Collen (Diane Keaton), que já foi Miss Arizona.

Dirigido por Roger Michell, "Uma Manhã Gloriosa" parece um sitcom bem produzido e está mais para filmes como "O Diabo Veste Prada" do que para clássicos sobre jornalismo como "Todos os Homens do Presidente" (Alan J. Pakula, 1976) ou mesmo filmes mais leves como "Broadcast News" (de James L. Brooks, 1987). Mas o carisma do elenco, principalmente de Rachel McAdams, mantém "Uma Manhã Gloriosa" razoavelmente interessante. As mudanças que a produtora tem que fazer para aumentar a audiência mostram como nossa sociedade está mais interessada em coisas bizarras do que em notícias sérias. Um dos repórteres mais antigos do programa, por exemplo, começa a fazer "matérias" que mostram sua reação desesperada ao andar em uma montanha russa ou saltar de paraquedas. Mas Mike Pomeroy acaba mostrando, mais para o final, que ainda há lugar para o jornalismo sério. Mesmo que venha entre uma matéria sobre vidas passadas e uma receita de omelete.


sábado, 2 de abril de 2011

VIPs

Quase todo mundo já ouviu a história: em um carnaval em Recife, durante uma transmissão do apresentador Amaury Jr., um rapaz se fez passar pelo filho do dono da empresa aérea Gol. Ele era Marcelo Nascimento da Rocha, que já vinha de uma série de trambiques em que se fazia passar por outras pessoas. O episódio mostrou como o mundo das celebridades é frágil, em que pessoas bem falantes, em camarotes VIP, são tratados como membros da realeza. Isso daria um filme igualmente interessante mas, infelizmente, não é o caso de "VIPs", dirigido por Toniko Melo e estrelado por Wagner Moura.

Moura é um tremendo ator, mas certas decisões do filme o colocaram em situações difíceis, a começar pela caracterização psicológica do personagem. Teria sido mais acertado se o Marcelo mostrado no filme fosse mais parecido com o personagem real no qual é baseado, um rapaz basicamente irônico e muito "cara de pau". Ao invés disso, o roteiro de Bráulio Mantovani (craque de filmes como "Cidade de Deus") e Thiago Dottori tentam dar uma explicação psicológica ao comportamento de Marcelo, criando um filme irregular. Wagner Moura usa os piores penteados e perucas da sua carreira para interpretar Marcelo desde os tempos do ensino médio, em que era chamado de "Bizarro" pelos colegas e tinha conversas imaginárias com um pai aviador (Norival Rizzo). A mãe, Silvia (Gisele Fróes), é uma cabeleireira que mima muito o garoto mas, ao mesmo tempo, diz que ele não vale nada. Marcelo foge de casa e vai parar no Paraguai, onde assume o nome "Carrera" e se torna piloto de avião de um traficante.

Há várias situações interessantes em meio a erros estranhos; um amigo de Marcelo, Baña, é interpretado pelo brasileiro Juliano Cazarré, que fala o tempo todo em um "portunhol" nada convincente. E outra, o "Carrera" criado por Marcelo não é imitação de ninguém, então fica difícil acreditar que esta sua passagem como traficante (a melhor parte do filme) o levaria a fazer o que fez depois. Na "vida real" não há necessariamente uma ordem de causa e efeito, mas na dramaturgia isso é necessário, ou então se tem a impressão que o espectador está vendo dois filmes independentes. E é nisso que resulta "VIPs". Não há muita relação entre o traficante (real) vivido por Marcelo na primeira parte do filme com o "filho do dono da Gol", Henrique Constantino, que ele cria na segunda parte. O que o filme quer mostrar, que ele é um picareta querendo se aproveitar do mundo das celebridades ou que é um homem com problemas mentais? O resultado é que o personagem de Marcelo se torna muito frágil e até inverossímil.

Inevitável também comparar "VIPs" com "Prenda-me se for capaz", de Steven Spielberg, em que Leonardo DiCaprio interpretava Frank Abagnale Jr., um rapaz inteligente que, forçado por diversas situações, se fazia passar por várias pessoas, inclusive um piloto de avião. Há várias similaridades entre os dois filmes, principalmente na relação dos personagens com suas mães complicadas e na adoração a um pai ausente. A diferença, infelizmente, está em que o roteiro de "VIPs" é tremendamente inferior, que não faz justiça a seu personagem que, na vida real, parece ser muito mais interessante.