Mágica e ilusão. Sylvain Chomet, o diretor da ótima animação "As Bicicletas de Belleville" (2003), usou da ilusão do cinema para trazer de volta a uma de suas figuras mais marcantes, o francês Jacques Tati. Herdeiro artístico de astros do cinema mudo como Charles Chaplin e Buster Keaton, Tati criou um personagem que quase não falava e protagonizou vários filmes, como "As Férias do Sr. Hulot" (1953) e "Meu Tio" (1958) (e, certamente, serviu de inspiração para o "Mr. Bean" de Rowan Atkinson). Em 1956, Tati escreveu um roteiro chamado "L'Illusionniste", que nunca filmou. Há controvérsias sobre as motivações por trás deste roteiro, mas a versão mais aceita é a de que Tati sentia remorso por ter abandonado uma filha (Helga Marie-Jeanne Schiel) quando criança. A filha mais nova de Tati, Sophie Tatischeff, foi quem autorizou Sylvain Chomet a levar para as telas, finalmente, o roteiro não produzido pelo pai.
A animação conta a história de um mágico que, no final dos anos 50, está enfrentando problemas para atrair público para suas apresentações. Seu número é tradicional (com coelho na cartola e tudo) e ele sofre com a concorrência do rock ´n roll e da televisão. A própria eletricidade representa uma ameaça, com toda a mecanização que ela traz. Há uma sequência linda em que o mágico é levado para uma pequena vila no litoral da Escócia, onde encontra uma platéia entusiasmada. Mas a eletricidade acaba de chegar na vila e, logo após sua apresentação, o dono do bar liga uma máquina de "jukebox" que toca, a todo volume, rock ´n roll. É a música gravada tomando o lugar das apresentações ao vivo.
Mas se engana quem pensa que este é um filme contra a modernização; é sem dúvida nostálgico, mas as mudanças fazem parte da vida. A mudança é representada na figura de uma garota que, fascinada com as ilusões do mágico, acredita que ele realmente consegue fazer coisas aparecerem no ar. Quando ele deixa a vila e parte para a cidade grande (Edinburgo, maravilhosamente desenhada), ela o acompanha. O filme é praticamente mudo, a história sendo contada apenas com imagens, música (do próprio diretor Sylvain Chomet) e frases curtas em inglês e francês (que sequer têm legendas em português). A relação entre o mágico e a garota nunca é explicada nem questionada. Ele apenas a acolhe e ela o acompanha em sua vida como artista. E ela realmente acredita (ou simplesmente não questiona) o fato dele fazer surgir presentes para ela, como sapatos e roupas novas quando, na verdade, ele batalha em vários trabalhos paralelos para ganhar algum dinheiro. Outros artistas frequentam o mesmo hotel em que eles estão, como um ventríloco, um palhaço e um grupo de malabaristas, todos em vários estágios de decadência.
O trabalho de animação é primoroso e os desenhistas conseguiram replicar os movimentos de Tati perfeitamente. Mas não só isso. Cada plano do filme é uma obra de arte cheia de luzes, cores e movimento. Como toda comédia séria (perdão pela contradição), "O Mágico" é também bastante melancólico, principalmente no retrato dos decadentes artistas de palco. É o final de uma era e o início da massificação e globalização do entretenimento. Mas, aparentemente, é também uma auto-espiação de Tati pela vida errante de artista e pelo tempo longe da família. Mas há esperança. Vários casais são vistos em cenas do filme e, não demora muito, a garota também vai achar seu par.
Destaque para uma cena memorável em que o Tati animado entra em um cinema que está passando "Meu Tio" e vê na tela Jacques Tati, em carne e osso, atuando. "O Mágico" foi indicado ao Oscar de Melhor Animação (deve perder para Toy Story 3) e é um trabalho maravilhoso. Em Campinas pode ser visto no Topázio Cinemas.
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