Nina (Natalie Portman) é uma boa moça. Ela mora com a mãe amorosa (Barbara Hershey) e dorme em um quarto que ainda parece o de uma menina, com bichos de estimação e caixinhas de música. Ela é uma bailarina dedicada que através de muito esforço chegou onde queria, ao papel principal de um dos balés mais famosos da música, "O Lago dos Cisnes".
Nina (Natalie Portman) é uma moça problemática. Aos 28 anos, ainda mora com a mãe superprotetora, que trata a filha como se fosse uma criança. Os anos de dedicação e obsessão com o balé estão cobrando seu preço e Nina tem pesadelos constantes, vomita o pouco que come e tem marcas estranhas pelo corpo, como arranhões e sangramentos inexplicados. O papel principal em "O Lago dos Cisnes" a está enlouquecendo; o diretor do balé (Vincent Cassel) quer que ela faça igualmente bem o Cisne Branco e o Cisne Negro, lados opostos em comportamento, modo de agir e personalidade. Qual das duas Ninas é a real?
O novo filme de Darren Aronofsky (de "Requiem para um Sonho" e "O Lutador") é uma viagem alucinógena ao mundo competitivo e perfeccionista da dança. O balé clássico, com suas sapatilhas apertadas e horas exaustivas de ensaios e treinamentos, envolve também muito ego e os sonhos e a sensibilidade de mulheres que ainda tem o corpo (e talvez a mente) de uma criança. Aronofsky aproxima a câmera dos dançarinos e nos leva para dentro de ensaios e apresentações. Não só isso, ele nos leva para dentro da mente conturbada de Nina, que não sabe mais se pode confiar nos próprios olhos. Para complicar, a chegada de uma nova e sensual bailarina, Lily (Mila Kunis), afeta ainda mais Nina; ela sente atração ou repulsa? O trabalho de maquiagem e iluminação iludem o espectador fazendo com que Nina e Lily se confundam em cena, como reflexos em um espelho distorcido. Lily parece mais do que interessada em Nina, e algumas cenas entre Natalie Portman e Mila Kunis causaram alvoroço no público americano, mas diria que elas são mais bizarras do que sexy. Estaria Lily planejando tomar o papel de Nina no balé? Ou, como diz o diretor a Nina, seu maior obstáculo é ela mesma?
Tecnicamente falando, atente para o ótimo uso de espelhos e de falsos espelhos criados pela fotografia do filme. A câmera é literalmente invisível em alguns planos em que, pela lógica, ela deveria estar sendo refletida no espelho mostrado em cena, mas engenhosos truques óticos (usando dublês e um cenário maior do que o real) enganam os olhos. Inteligente também o uso dos reflexos para representar idéias e sensações. Quando Nina está no metrô, por exemplo, seu reflexo no vidro está sempre com um fundo sombrio atrás, mostrando sua insegurança. Há uma ótima cena em que vemos Nina, jovem e esguia, em primeiro plano, e o reflexo de uma velha bailarina em segundo plano, como que representando a inevitável decadência do corpo humano.
Pelo lado humano, "Cisne Negro" pode ser descrito como a história triste e trágica de uma garota dominada pela mãe e presa em uma cela sem grades. Curiosamente, é o mesmo tema encontrado no infantil "Enrolados", também lançado em 2010. Assim como a estranha relação espelhada entre Nina e Lily, o visual de Natalie Portman e Barbara Hershey também é semelhante. A relação aparentemente amorosa entre mãe e filha, na verdade, mascara uma simbiose doentia entre as duas. A mãe não quer que a filha cresça, e as tentativas de rebelião de Nina acabam se refletindo em seu próprio corpo, com feridas que surgem não se sabe de onde. São auto infligidas? São apenas ilusões? Natalie Portman está excelente e sua interpretação é aposta certa no próximo Oscar.
Certas sequências (e grande parte do final), a bem da verdade, não podem ser explicadas racionalmente. Mas Aronofsky envolve o espectador em uma espiral descendente em que, assim como a personagem principal, não sabemos se podemos ou não confiar em nossos sentidos, e muito menos na razão. "O Lago dos Cisnes" é uma das composições mais trágicas do grande compositor russo Tchaikovsky, e o tema principal é dos mais belos, e tristes, da sua obra. Ele é aproveitado pelo compositor da trilha, Clint Mansell (habitual colaborador de Aronofsky) durante a estonteante sequência final. Aronofsky não é um diretor habituado a sutilezas e, assim como a música de Tchaikovsky, "Cisne Negro" é por vezes exagerado, mas é forte, sublime e trágico.
3 comentários:
Eu gostei de CISNE NEGRO, mas acho que as pessoas estão exagerando... não é isso tudo não. O LUTADOR é bem mais filme.
Eita, blog de visual novo! :)
abs
Fernando
Sim, depois de enrolar muito mudei o visual do blog hoje. Tava precisando de uma modernizada. Complicado comparar Cisne Negro com O Lutador, hehe...é Rocky versus...sei lá. Obviamente é um filme mais feminino e bem mais pretensioso. Mas achei bastante ousado, provocador, sem medo de exageros e com interpretações ótimas. Filmão.
Já ia assistir o filme só por se tratar de ballet (amo pouco), depois da crítica, vou mais que correndo!!!
Saudades, Johnny!
Bjos
Postar um comentário