domingo, 26 de dezembro de 2010

Minha Terra, África

A África foi e continua sendo um dos continentes mais explorados e prejudicados da era moderna. Os países europeus a dividiram em pedaços, desrespeitaram fronteiras culturais e tribais e a pilharam até o último centavo. Os reflexos continuam sendo vistos; revoluções contínuas, fome, doenças, ditadores, minas terrestres, morte.

"Minha Terra, África", da roteirista e diretora francesa Claire Denis, vai fundo na exposição de todos estes problemas do ponto de vista de uma mulher branca, Maria Vial, apegada a uma plantação de café em um país africano não identificado. Maria é interpretada por Isabelle Huppert, e o primeiro plano dela no filme é um choque. A grande atriz francesa se expõe com todas as marcas da idade e um olhar que mistura cansaço com determinação cega. O país está tomado por uma guerra civil, pessoas estão sendo mortas à esmo e todos os empregados de Maria na fazenda estão fugindo, mas Maria, com um pragmatismo branco e capitalista, argumenta que falta apenas uma semana para o café estar pronto para vender e é incapaz de ver os problemas à sua volta. Crianças portando armas como lanças e rifles automáticos invadem a fazenda e, como fantasmas, passeiam pelos cômodos fazendo pequenos furtos e atacando o filho de Maria, Miguel (Nicholas Duvauchelle), mas ainda assim a francesa não consegue desistir do que considera sua propriedade e sua colheita.

Christophe Lambert (sim, o velho galã careteiro dos anos 80) interpreta André, marido de Maria, que tenta fazer um acordo com o prefeito local para trocar a fazenda pela segurança da família. Para isso ele precisa da assinatura do sogro, um senhor que mora em uma casa ocidental com ar condicionado em meio ao calor africano. "Minha Terra, África" não é um filme fácil. A câmera na mão está quase sempre próxima dos personagens, dando uma sensação de claustrofobia. O trabalho de som é muito bom, mas também serve para oprimir o espectador em um mundo em que a natureza é onipresente, com o constante som dos insetos zumbindo alto. A vida humana não vale muita coisa neste ambiente doente e em decadência, e Denis não tem escrúpulos em mostrar como tudo é pobre e sem esperanças. Em um diálogo revelador, um velho africano diz à Maria que não foi embora porque não conseguiria se adaptar em nenhum outro lugar. Quando Maria diz que também não, ele diz que há uma diferença importante: ela não vai embora porque tem medo que tomem o que ela julga ser dela. É essa possessividade que fará com que, no final, Maria fique sem nada. (visto em pré-estréia no Topázio Cinemas, em Campinas).


72 Horas

"72 Horas" carece de foco. É um filme indeciso entre ser um thriller clássico de fugitivo, um drama familiar ou, ainda, a saga particular de um marido obcecado pela inocência da esposa. O marido, no caso, é Russell Crowe, carismático e competente como de costume e carregando o filme nas costas. Sua esposa Lara (Elisabeth Banks) foi condenada pelo assassinato da própria chefe e enviada para uma prisão municipal em Pittsburgh.

As "72 horas" do título, na verdade, demoram a começar. O drama se estende por mais de três anos, desde a prisão de Lara, e foca na vida do professor universitário John Brennan (Crowe) e seu filho pequeno Luke. Escrito e dirigido por Paul Haggis, o roteiro não tem pressa. Haggis foi para o time "A" dos roteiristas/diretores de Hollywood após ganhar o Oscar por dois anos seguidos, o primeiro pelo roteiro de "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, e depois os prêmios de roteiro e direção por "Crash", filmes com duração longa. O cacife de Haggis é tão alto que, para "72 Horas", ele pode se dar ao luxo de ter coadjuvantes como Lian Neeson, que só aparece por alguns minutos, e Brian Dennehy, que interpreta o pai de Crowe e diz no máximo cinco frases.

John Brennan fica obcecado com a idéia de, esgotadas todas as opções legais, tirar a esposa da prisão por outro meio. Lian Neeson, um criminoso que escapou sete vezes da prisão, lhe passa as informações necessárias para que ele bole um plano que requer a obtenção de documentos falsos, ter um meio de sair do país e, claro, conseguir tirar a mulher da penitenciária sem ser preso ou morto. A interpretação sincera de Crowe e o passo lento do roteiro até conseguem, por vezes, dar verossimilhança a esta premissa absurda. Interessante como Haggis mostra que é teoricamente possível, pesquisando vídeos e tutoriais na internet, aprender desde como se abre uma fechadura até arrombar um carro. O problema é que o roteiro vai se tornando cada vez mais absurdo e, quando o espectador imagina que o filme está para acabar, é como se outro se iniciasse, a partir da fuga de Lara da prisão. Só então "72 Horas" passa a ter aquele ritmo e trama esperados de um filme no estilo de "O Fugitivo", com o agravante que não é só uma pessoa tentando escapar da polícia, mas um homem, uma mulher e uma criança de seis anos.

Para quem gosta de boas interpretações e um ritmo de um cinema mais "clássico", "72 Horas" tem seus pontos de interesse. Mas a trama é cheia de furos e, acabada a sessão, o filme não se sustenta até o final dos créditos.


domingo, 12 de dezembro de 2010

José e Pilar

José e Pilar é, antes de mais nada, uma bela história de amor. Gravado entre 2006 e 2009, o documentário acompanha a vida extremamente agitada e ocupada do escritor e de sua esposa, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Vinte e oito anos mais nova que o marido, Pilar é uma força na tela. Ela organiza a agenda de Saramago, dá entrevistas, organiza sua biblioteca e é a presidenta da "Fundação José Saramago". Sim, presidenta, com "A", como ela faz questão de frisar a um jornalista português que usa a palavra no gênero masculino.

O documentário tem produção do estúdio "El Deseo", de Almodovar e da produtora "O2", de Fernando Meireles. Dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, o filme começa em 2006, quando Saramago e Pilar estavam organizando uma biblioteca. O escritor é visto concentrado diante do computador, mas se engana quem o imagina escrevendo a mais nova obra prima das letras; a câmera revela que o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 está, na verdade, jogando "paciência" no notebook, para "afastar o Alzheimmer", diz Saramago. Um dos principais charmes deste documentário é exatamente o de mostrar momentos caseiros como este. O filme também exibe mais do conhecido ateísmo do escritor português, famoso por suas declarações polêmicas contra a religião e a igreja. "Era de se imaginar", diz Saramago, "que alguém com 83 anos começasse a ficar preocupado com deus, mas isso não acontece comigo".

A agenda do escritor é brutal. Com Pilar à frente, Saramago enfrenta uma maratona interminável de entrevistas, noites de autógrafo, horas passadas em aeroportos e voando entre os continentes e fazendo declarações aos jornalistas que, segundo ele, perguntam sempre a mesma coisa. Há uma cena muito engraçada em que Saramago vira para a câmera, antes de entrar em uma feira de literatura, e diz que vai reciclar uma frase antiga que ele nem lembrava que tinha dito. Segundos depois nós o vemos usando a frase, como havia prometido.

A saúde do escritor finalmente cedeu no final de 2007 e ele passou semanas no hospital, à beira da morte. Saramago chegou a dizer à esposa que temia não terminar o livro que estava escrevendo, "A Viagem do Elefante", mas ele não só o terminou como, saúde restabelecida, voltou às viagens internacionais. A parte final do filme é bem brasileira, passada entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Há uma cena muito tocante (que já circulou pelo youtube) de Saramago se emocionando com uma sessão privada de "Blindness", versão de Fernando Meirelles para "Ensaio sobre a Cegueira". Meirelles ficou tão feliz com a aprovação do escritor que mal pode se conter, chegando a beijar Saramago.

Mas o que fica de todas essas imagens, autógrafos, vôos internacionais e feiras de literatura é o amor entre Pilar e José. Os dois oficializam o casamento pela segunda vez em uma cerimônia civil simples e tocante. “Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho", Saramago diz em uma convenção. Em uma placa de rua que leva o nome da esposa, Saramago lhe fez esta dedicatória: "À Pilar que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

José Saramago morreu em 18 de junho de 2010, aos 88 anos. (o filme está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas). Imperdível.


Megamente

A animação em computação gráfica deixou de ser novidade há um bom tempo. Assim, quando vemos um filme animado que é tecnicamente bem feito, isso também não deveria mais contar como uma qualidade. Mesmo assim, é fato que a qualidade da animação em "Megamente", produção da mesma DreamWorks Animation que Shrek, é de um nível comparável à Pixar. Há uma cena passada na chuva em que dois personagens estão passando por uma separação difícil que é extraordinária na qualidade da imagem e na "interpretação" dos personagens. Mas não há muito mais em "Megamente" que possa ser recomendado.

O filme começa em um estilo "Superman". Dois planetas estão para ser sugados por um buraco negro e pais preocupados colocam seus filhos em naves espaciais que escapam da destruição e vão parar no planeta Terra. Uma das naves carrega "Metroman", um superbebê heróico, loiro, de olhos azuis, que cai na mansão de uma família rica dos Estados Unidos. A outra nave acaba caindo em um presídio de segurança máxima onde "Megamente", um alienígena de cor azulada e cabeça grande, aprende com os piores presos do país a ser um criminoso. Os dois são superdotados e têm poderes, mas somente Metroman é bem aceito pelos terráqueos. O feio Megamente acaba desistindo de querer agradar aos seres humanos e se transforma em um vilão, o principal antagonista de Metroman.

Os animados da DreamWorks costumam ser acusados de serem cópias de segunda classe dos filmes da Pixar, e com Megamente não é diferente. Há uma boa dose de "Os Incríveis" no roteiro, principalmente no personagem de um cinegrafista que, recebendo superpoderes de Megamente, é bastante parecido física e psicologicamente com o vilão do filme da Pixar. O próprio Megamente, a bem da verdade, com sua vontade de ser um vilão conhecido e conquistar a todos, lembra muito Gru, de "Meu Malvado Favorito" (que não é da Pixar, é verdade). Ele até tem um animal de estimação (um peixe de aquário) que lembra muito o cão de Gru. E por que os desenhos animados ultimamente tem que ser tão barulhentos? "Megamente" tem uma trilha sonora composta principalmente por AC/DC que é tocada no último volume o tempo todo.

O filme é de certa forma ousado, embora nada original, em subverter os papéis de vilão e herói. Logo no início, Megamente surpreende o mundo todo (e principalmente a si mesmo) quando consegue derrotar Metroman em um daqueles "planos infalíveis". Com Metroman destruído, ele ocupa a prefeitura e começa a saquear os tesouros do mundo. Isso o satisfaz por alguns dias, mas logo ele começa a sentir falta justamente de seu pior inimigo. O que foi que ele fez? De que adianta sequestrar a esperta repórter Rosana Rocha (obviamente baseada em Louis Lane) se Metroman não vai aparecer para salvá-la?

"Megamente" está sendo lançado em versões 2D e 3D, com seu preço exorbitante. A versão bidimensional funciona perfeitamente bem, sem ter que pagar o preço extra. "Megamente" é sem dúvida bem feito e tem algumas boas risadas mas, em termos de vilões, não chega perto do "Meu Malvado Favorito" (veja o filme no Topázio Cinemas).


sábado, 11 de dezembro de 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte

O último livro da saga Harry Potter foi dividido em dois filmes. Os fãs vão adorar, pois isso significa que praticamente cada palavra do enorme livro vai ser transposta para as telas. Para quem tem só um interesse cinematográfico ou passageiro no personagem, no entanto, a idéia soa como um grande golpe de marketing, para atrair duas bilheterias em lugar de uma.

Não é um filme ruim. Dirigido por David Yates, "As Relíquias da Morte" é bem feito, tem uma bela direção de fotografia e direção de arte inventiva. Mas sofre do problema de ter um público muito específico. É extremamente lento, pesado e, a bem da verdade, apenas um meio para se chegar ao final verdadeiro, em episódio que será lançado em julho de 2011.

Após a morte de Alvo Dumbledore (Michael Gambon) no final do filme anterior, o mundo está tomado pelos poderes das trevas, lideradas pelo malígno Lorde Voldemort (Ralph Fiennes, ótimo ator, escondido sob uma maquiagem que faz seu rosto parecer com o de uma cobra). Harry Potter (Daniel Radcliffe) e os amigos inseparáveis Ron Weasley (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) têm que encontrar as "horcruzes", artefatos que contem partes da alma de Voldemort, e destruí-las. Só assim o vilão poderia ser destruído. Mas onde estariam os tais artefatos? Dumbledore deixou algumas pistas na herança que deixou para Potter e seus amigos, e eles partem para encontrá-los.

Ao contrário dos filmes anteriores, que se passavam na escola de Hogwarts e arredores, "Relíquias da Morte" tem longas sequências passadas em florestas cobertas de neve ou penhascos cheios de pedras. O grande número de personagens do início do filme dá lugar a cenas intermináveis em que os três amigos, agora adolescentes, caminham por estes cenários desolados enquanto escutam, no rádio, o nome dos bruxos mortos ou desaparecidos na guerra que está acontecendo à distância. O fato deles não serem mais crianças traz problemas novos entre os três, como o ciúme de Ron por Harry Potter por causa do suposto interesse dele por Hermione.

Com 147 minutos de duração, é realmente um filme voltado exclusivamente aos fãs fervorosos da série. Boas sequências, como quando Potter volta à sua terra natal e encontra o túmulo dos pais, estão perdidas em meio a cenas intermináveis, deprimentes e sombrias. Personagens importantes como Snape (Alan Rickman) aparecem momentâneamente para nunca mais voltar. Hermione passa grande parte do tempo tentando explicar o próprio enredo a Potter e Weasley, que também parecem cansados. Há, porém, uma sequência extraordinária quando um personagem conta a história das "Relíquias da Morte" para Harry Potter. Toda feita em animação, a sequência é como um curta metragem à parte, magnificamente projetado e criado em computação gráfica. É um exemplo de síntese que, infelizmente, não foi aplicado ao resto do filme.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Rede Social

Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) descobriu o potencial das redes sociais quando era aluno na Universidade de Harvard. Uma noite de 2003, depois de levar um "fora" da namorada, ele quis se vingar falando mal dela online. Também invadiu o banco de dados das alunas de Harvard e de diversas outras redes, criando um site em que os visitantes eram convidados a escolher, na tela do computador, qual a mais "atraente" entre duas garotas. Em poucas horas seu site se espalhou de forma viral pelo campus e o tráfego de informações foi tão grande que Zuckerberg derrubou o servidor de Harvard. A experiência lhe mostrou o quanto as pessoas se interessam em saber da vida alheia e em como elas, na verdade, colocariam voluntariamente informações sobre suas vidas para os outros verem. O ambiente universitário, carregado com altas doses de ambição, sexo e dinheiro, caiu como uma luva para a "república" virtual que Zuckerberg criou. Ele seria o bilionário mais jovem do mundo em pouco tempo.

Esta história é contada de forma muito competente pelo diretor David Fincher (de "Clube da Luta", "Zodíaco"), com roteiro de primeira de Aaron Sorkin, escritor e criador de séries premiadas como "The West Wing" e "Sports Night". Sorkin é habilidoso em escrever diálogos rápidos, irônicos e cheios de informações técnicas que, às vezes, até deixam o filme difícil de acompanhar, mas são um prazer de escutar. O filme parte de dois processos judiciais contra Zuckerberg. Um deles é feito por dois irmãos gêmeos de Harvard (interpretados pelo mesmo ator, duplicado digitalmente, Armie Hammer), campeões de remo que contrataram Zuckerberg para desenvolver um site. Eles o acusam de roubar a idéia deles para criar o Facebook.

O outro processo é mais pessoal, envolvendo o antigo melhor amigo de Zuckerberg, Eduardo Saverin (Andrew Garfield). Saverin teria desenvolvido o código matemático usado por Zuckerberg em seu site, além de bancar financeiramente os primeiros passos do Facebook. Acompanhamos as tramas em elaborados flashbacks que mostram o ambiente ultracompetitivo, classe alta, branca e protestante de Harvard. Também tem papel importante o criador do Napster, Sean Parker (o cantor Justin Timberlake), que consegue "enfeitiçar" Zuckerberg com suas histórias sobre como teria derrubado a indústria da música (além de ser processado, preso por porte de drogas e outros delitos) enquanto tenta afastar Eduardo Saverin do Facebook.

Com duas horas de duração, "A Rede Social" é bem mais profundo e bem feito do que se poderia esperar de um filme sobre um programa de computador. Fincher e Sorkin, auxiliados por um ótimo elenco (Eisenberg está especialmente bem como o obsessivo Zuckerberg) conseguem capturar o lado humano destas pessoas extremamente técnicas e ambiciosas, além de revelar o lado exibicionista, e carente, da sociedade moderna.