terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Suprema Felicidade

Uma aluna de jornalismo de 18 anos, ao ler um texto meu em que me referia ao "cineasta e jornalista Arnaldo Jabor", me perguntou: "Cineasta?". Para os mais novos, Arnaldo Jabor é sinônimo de jornalista, de crônicas apimentadas, polêmicas, de humor sarcástico e cínico. Os um pouco mais velhos lembram de Jabor como o cineasta de "Toda nudez será castigada" (1973, vencedor do Urso de Prata em Berlim) ou "Eu sei que vou te amar" (1986, que deu a Fernanda Torres o prêmio de Melhor Atriz em Cannes). Jabor se tornou colunista e cronista nos anos 1990, depois que a extinção da Embrafilme pelo governo Collor causou a queda brusca da produção cinematográfica brasileira.

Ele volta para trás das câmeras com "A Suprema Felicidade", que tem muitos dos cacoetes do cinema nacional pré-retomada (movimento iniciado com "Carlota Joaquina", em 1995), como cenas de nudez gratuitas, interpretações tendendo ao teatral e problemas de roteiro. Autobiográfico, "A Suprema Felicidade" fala sobre a vida de Paulo, um rapaz que cresce no Rio de Janeiro nos anos 50 e 60. Já a primeira cena do filme mostra uma cena de sexo entre Marco (Dan Stulbach) e Sofia (Mariana Lima) pais de Paulinho aos 8 anos (Caio Manhente). É das poucas cenas felizes entre o casal, que passa grande parte do filme brigando por problemas típicos da metade do século XX, como o machismo, a bebida e as relações fora do casamento. Marco é um aviador que sonha em voar com jatos e que conheceu a mãe de Paulinho em um baile, em 1939. As interpretações de Stulbach e Mariana Lima são exageradas. Há algumas cenas que não funcionam, como quando Stulbach ralha com o filho por não estar segurando a colher direito, no jantar, sendo que o garoto sequer estava com a colher na mão. Em uma cena de ciúme, ele rasga a alça do vestido da esposa, que fica com os seios à mostra da família e do próprio filho, chorando, por um longo tempo, sem se cobrir.

Jabor tenta mostrar os problemas do machismo no século XX com este casal, mas é importante dizer que a mãe de Paulo é das poucas mulheres a aparecer em cena que não são, ou foram, prostitutas. A avó de Paulo (Elke Maravilha, imaginem) era uma dançarina de cabaré quando o avô (Marco Nanini), um músico, a conheceu e se apaixonou. Nanini é, de longe, a melhor parte do filme. Seu personagem, mesmo que um pouco caricato, é a alma da história. Ele está ótimo como um boêmio que já viveu muito, viu de tudo e tem sempre bons conselhos para dar para o neto. É sem dúvida a melhor interpretação do filme, e merecia até mais espaço.

O resto da história é dedicada a um olhar nostálgico sobre um Rio de Janeiro sem traficantes de drogas ou policiais do BOPE. Mas será que era tão bom assim? No colégio, os padres ficavam contando histórias sobre o inferno para os estudantes que praticassem o "vício solitário". Michel Joelsas, que foi o garoto em "O ano que meus pais sairam de férias" (2006) interpreta Paulo aos 13 anos e Jayme Matarazzo aos 19. Há nostalgia também da "malandragem" carioca, das frases de duplo sentido ensinadas pelo pipoqueiro aos meninos e dos carnavais de rua. Mas é como se os personagens soubessem que estão em um filme. Há duas cenas que misturam sonho e realidade, uma em que dezenas de dançarinos invadem a rua em uma espécie de musical, e outra envolvendo várias prostitutas se exibindo em um casarão da Lapa. É assim que Paulo tem contato com as mulheres. Há uma sequência bastante bizarra envolvendo Maria Flor, que interpreta uma garota espírita que psicografa cartas da mãe morta. As flores do vestido, os quadros na parede e a alta torre remetem, sem motivo aparente, a "Um Corpo que Cai" (1958), filme de suspense de Alfred Hitchcock. Há também a "prostituta virgem" Marilyn (Tammy di Calafiori, lembrando muito Scarlett Johansson), agenciada pela própria mãe (Maria Luisa Mendonça, também bizarra). A garota é primeiro assediada pelo pai de Paulo, depois pelo próprio, que a paga para ser sua "namorada".

Longo (125 minutos) e episódico, "A Suprema Felicidade" tem bela fotografia de Lauro Escorel e direção de arte de Tulé Peak. Há várias boas sequências intercaladas por outras desnecessárias. Fica claro o calor de Jabor (expresso em suas crônicas) em fazer o filme, mas ele poderia ser menos irregular.


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