domingo, 10 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro

"Tropa de Elite" (2007) foi um fenômeno do cinema brasileiro. Uma cópia com uma montagem temporária vazou, foi parar nas bancas dos camelôs e vendeu milhares de DVDs piratas. Antes mesmo do lançamento oficial, o filme já estava na boca do povo, que incorporou bordões como "pede pra sair!". O fenômeno não parou por ai. Os temas incendiários tratados pelo roteiro do diretor José Padilha se tornaram motivo de debates acirrados, teses acadêmicas e assunto para programas de televisão. A figura de um homem vestindo o uniforme preto do BOPE se tornou um herói inesperado, o "Capitão Nascimento", um policial incorruptível com métodos questionáveis de abordar os "vagabundos" da favela. Nascimento, incorporado por Wagner Moura, era honesto e matava com a mesma frieza policiais corruptos, traficantes de drogas e, a bem da verdade, qualquer um que ele julgasse estar do lado errado da lei. Em um país carente de justiça como o Brasil, a figura de Nascimento se tornou um modelo de conduta que podia ser torto e discutível, mas era considerado eficiente.
O agora Coronel Nascimento está de volta. "Tropa de Elite 2" tem todos os ingredientes que fizeram do primeiro filme um sucesso. Qualidade técnica inquestionável, elenco empenhado e grande dose de polêmica. José Padilha poderia, se quisesse, ter ido pelo caminho fácil e explorado a imagem do BOPE como em uma série de televisão americana, com seus membros participando de aventuras e passando por perigos nas favelas do Rio de Janeiro. Mas Padilha volta disposto a mostrar para todos os desavisados que o problema criminal na cidade carioca (e em todo o Brasil) é maior e mais perverso do que se imagina.
Dez anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, Nascimento e sua "cria" no BOPE, o Capitão Matias (André Ramiro), estão se preparando para invadir o presídio Bangu I, que está em chamas. Nascimento é novamente o narrador do filme, soltando frases polêmicas como "o homem dos Direitos Humanos é quem vagabundo chama quando fez merda". De fato, em Bangu I os detentos estão se matando e fizeram dois policiais reféns. Nascimento está com o governador do Rio no celular, pedindo a chance de matar as lideranças do tráfico que estão trancafiadas ali. O governador responde que "não quer outro Carandiru". É então que chega a pedra no sapado de Nascimento, o professor de História, esquerdista e membro da organização "Human Rights Aid", Fraga (Irandhir Santos). Assim como no primeiro filme, um tiro se mostra fundamental para a trama. Em "Tropa de Elite", Neto (Caio Junqueira) dava o tiro certeiro que matava um traficante em um ponto chave do filme. Em "Tropa 2" é André Matias que, contrário às ordens de Nascimento, executa o líder da rebelião durante uma situação de refém.
O fato faz com que Nascimento seja demitido "para cima". Ele é exonerado do BOPE para ser assistente da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. É de lá que ele planeja sua "luta contra o Sistema". "Tropa de Elite 2" não faz rodeios ao tratar dos problemas sérios que envolvem as polícias civil e militar do Rio de Janeiro, o BOPE, os políticos, traficantes e as milícias armadas. O roteiro é um labirinto denso e complicado envolvendo todas estas frentes. Há um ar de "filme de tese" ainda maior nesta continuação de "Tropa de Elite". É como se Padilha não quisesse mais que os espectadores, críticos e intelectuais confundissem seus personagens com heróis. É uma tarefa complicada. Padilha se utiliza dos mesmos recursos técnicos e da linguagem cinematográfica desenvolvidos por Hollywood para originalmente gramourizar seus temas. Às vezes fica difícil ver crítica nas cenas em que o BOPE, altamente técnico e especializado, invade uma favela com dezenas de homens, helicópteros e o "Caveirão", o carro blindado que é símbolo da corporação, para matar a maior quantidade de "vagabundos", os traficantes, possível.
Mas Padilha vai mais fundo. Ele mostra como a favela é um organismo vivo, que precisa de suprimentos para se alimentar. O massacre produzido pelo BOPE deixa a favela aberta para que policiais corruptos tomem o lugar dos traficantes e criem milícias armadas. O papel da mídia sensacionalista também é explorado. Fortunato (André Mattos) é um apresentador de televisão claramente baseado em Datena, com sua atuação teatral diante das câmeras, clamando por "justiça" e pela morte dos bandidos. Na verdade Fortunato está ligado às milícias que exploram as favelas. Há também citação aos bons jornalistas como no trágico caso de Tim Lopes, morto por traficantes durante uma reportagem. Nascimento tem que lidar com a ex-mulher e com o distanciamento do próprio filho, que o vê como um assassino. Fraga, um adversário constante, pode se tornar um aliado na cruzada por justiça de Nascimento.
Padilha termina seu filme com uma daquelas cenas que, novamente, se apropriam do cinema comercial americano, quando o herói vai a público contar a "verdade". O discurso do Coronel Nascimento ao final de "Tropa 2" provavelmente enojaria o Capitão Nascimento do primeiro filme. José Padilha e Wagner Moura, assim, deixam clara sua tese, da qual não escapa quase ninguém. A câmera voa então até Brasília, e a implicação é clara.
É, parceiro, quem disse que a vida é fácil? (visto no Topázio Cinemas).


6 comentários:

Thaís Inocêncio disse...

Acabei de chegar do cinema. Fui ver Tropa de Elite 2 que, por sinal, está esgotando os ingressos. (Tive q comprar o meu vários dias antes p conseguir ver o filme nesse fim de semana). Mas a espera valeu a pena! Adorei o filme e acho que merece mais tantos ursos de ouro e outros prêmios!

Erika Angeli disse...

É João, Padilha acertou a mão na câmera e você na escrita. Está muito bom o seu texto. O filme também é ótimo. Saí com a sensação de que "Vagabundo em favela" nem se compara com os "Vagabundos de Brasília e das várias facções estaduais, municipaise departamentais de governo. Por sorte, ainda temos o voto como um importante instrumento de mudanças, porém votar em Tiririca como forma de protesto posterga os problemas maiores por mais 4 anos.

Luis Carlos (Li) disse...

Fala Joao, nem sei se eu sei como fazer comentários aqui... só sei que que achei ANIMAL o filme. Tem o começo muito parecido com o primeiro filme, mas o desenrolar do filme é totalmente diferente do primeiro e de fato vai muito mais fundo nos reais problemas que estao por tras da corrupcao da policia e do (des)controle do tráfico. Até acho que o agora "Coronel Nascimento" está mais politicamente correto que no primeiro filme, provavelmente fruto do fato de ele ter sido transformado em herói depois da primeira versao. Mas a sequencia final é um soco de direita direto em Brasilia, mostrando uma coragem incrivel de Padilha. Aliás, vi no Roda Viva com Wagner Moura que ele e Padilha pensam em fazer um filme sobre o Mensalão de Brasilia. Quem sabe o final do Tropa de Elite 2 nao seja apenas uma prévia do que ainda pode vir? Minha conclusao: eu votaria no Coronel Nascimento até para Presidente depois que o filme acabou. abs. Li (sim, Luis Carlos, eu...heheh).

Bruno Mello Castanho disse...

Gostei do seu texto João e achei o filme muito superior que o primeiro. Porém, acredito que Padilha aborda o problema sem cercá-lo por todos os lados. Onde está a luta de classes no filme? E as grandes corporações que exploram esses favelados? Que sistema é esse que permite a existência de favelas? Acho que centralizar apenas na corrupção política é uma saída fácil.

um abraço

Bruno Mello Castanho

João Solimeo disse...

Thaís, de fato, soube que está difícil para o pessoal achar ingressos para o filme. Eu fugi dos cineplexes tradicionais da cidade e vi tranquilo no Topázio Cinemas. Bjo.

======================
Erika, obrigado pela visita. De fato, os "vagabundos" de Brasília são um problema sério, e o voto seria uma saída... o problema é votar em quem? A gente acaba votando no menos ruim, mas sem uma boa opção mesmo. Tiririca foi uma piada que deu certo, infelizmente.

===========================
Li, de fato o Coronel Nascimento acabou fazendo um "mea culpa" tremendo ao final do filme, se redimindo do que era. Se eles fizerem mesmo um filme sobre o Mensalão eu quero ver, resta saber se vão conseguir dinheiro público para produzir o filme.

==========================
Bruno, creio que a "luta de classes" está aparente nesta separação entre ricos e pobres no Rio de Janeiro. Padilha, desde o primeiro filme, lida com a questão policial e agora ampliou para a questão política. Talvez fosse ficar confuso demais tentar abarcar todas as frentes, válidas, que vc citou. Abs.

Anônimo disse...

Ótimo filme. O enredo ficou, infinitamente, bem melhor do que o primeiro. Agora eles abordaram EXATAMENTE como funciona o SISTEMA, falando sobre CASOS REAIS(rebeliao de bangu 1 em 2001) e não apenas colocando a culpa em playboys/usuarios de drogas. ;)
A rebeliao em bangu 1 foi comandada por Fernandinho Beira-Mar (comando vermelho) para matar seus desafetos de outra facção ADA. (Uê, Robertinho do Adeus, etc.) Inclusive tem até música do CV que diz à respeito, composto pelo mc g3. Só uma observação, o Fortunato se baseou no apresentador Wagner Montes, que na época que o filme se baseou(2001) era a favor das milícias. Ahhh, o governador da época era o Garotinho. Quem é envolvido sabe que ele é simpatizante do poder paralelo, incluindo o comando vermelho. Sem mais.