O diretor italiano Giuseppe Tornatore tem treze longas-metragens em seu currículo, mas é conhecido mundialmente como "o diretor de Cinema Paradiso". De fato, sua homenagem ao cinema, produzido em 1988 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é, merecidamente, sua obra mais conhecida. Mas são dele também o falho (mas belo) "O Homem das Estrelas" (1995), ou o tocante "Malèna" (2000), com Monica Bellucci. Tornatore não tem medo do espetáculo, da teatralização e da emoção, o que é um alívio nestes tempos de filmes frios e assépticos.
E assim chegamos a "Baarìa" (2009), seu filme mais autobiográfico. O nome vem de como os nativos chamam a cidade de Bagheria, próxima a Palermo, na Sicília. Poucas imagens poderiam ser mais nostálgicas do que a que abre o filme, uma terra vermelha, empoeirada, onde crianças brincam de girar piões de madeira. Tornatore, em um início um pouco atrapalhado, nos apresenta a família Torrenuova, o pai Ciccio (Gaetano Aronica), Nino (Salvatore Ficarra) e o mais novo, Peppino (Francesco Scianna). É um pouco difícil entender quem é quem, porque "Baarìa" conta quatro décadas da história da Itália e da família Torrenuova, com saltos sutis no tempo mostrando as mudanças nos personagens e na paisagem. É impressionante o cenário construído por Tornatore para recriar a pequena Bagheria desde antes da II Guerra Mundial até os dias de hoje. De forma bem italiana, quente, gritante, dezenas de personagens e figurantes passeiam pela rua principal da cidade, com a igreja ao fundo, nas diversas épocas retratadas pela obra.
O foco, no entanto, está em Peppino Torrenuova (o ator, Francesco Scianna, me lembrou muito um jovem Paulo Betti). De família pobre, Peppino é um simples pastor quando criança, e passa dias longe da família com o rebanho de cabras. Ele é apresentado à uma lenda local, três grandes rochas que saem da paisagem árida; dizem que quem conseguir atingir as três com uma pedra abrirá as portas para um rico tesouro enterrado. Ao final da II Guerra Mundial, quando o ditador Mussolini é morto pela população italiana, o tesouro de Bagheria é pilhado pelos habitantes da prefeitura da cidade. Peppino, desde criança, era contra o fascismo e é fascinado pelo Partido Comunista Italiano, ao qual se filia. Já adulto, Peppino, em cenas épicas orquestradas por Tornatore, invade com um grupo de "sem terras" siciliano a região da família Corleone, em uma tentativa de reforma agrária.
Há também um romance proibido. Peppino se apaixona por Mannina (Margareth Madè), que havia sido prometida a um príncipe local. Os dois armam uma "fuga" inusitada, trancando-se dentro da própria casa da família. Os dois eventualmente se casam em uma cerimônia conturbada (Peppino, comunista, não se entende com o padre local), mas com típico humor italiano.
É um filme longo, com quase três horas, e Tornatore não tem pressa. Os anos se passam e ele conta a história da Itália segundo o ponto de vista dos Torrenuova, os conflitos sociais, as manifestações em que Peppino está engajado e, eventualmente, sua carreira política. Há uma cena muito interessante quando, pela manhã, vemos Peppino sair de sua casa, à esquerda da rua, despedindo-se da esposa. À direita da rua vemos um policial do governo fazendo a mesma coisa. Os dois se cumprimentam cordialmente enquanto caminham para o que será, provavelmente, mais uma manifestação violenta.
Épico, emocionante, "Baarìa" fala sobre política, nostalgia, religiosidade, erotismo (Monica Bellucci, em uma cena curta), família e, principalmente, da passagem do tempo. A trilha é do mestre Ennio Morricone, verdadeira lenda do cinema italiano e mundial, e a bela fotografia de Enrico Lucidi. O filme sofreu críticas por ter sido produzido pela empresa "Medusa", que pertence a Silvio Berlusconi. Segundo artigo do crítico Luiz Carlos Merten, Tornatore dispensou as críticas e disse ter tido mais liberdade para fazer o filme do que os jornalistas ao criticá-lo.
"Baarìa" está em cartaz, em Campinas, no Topázio Cinemas.
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