É um sonho. Você não sabe como foi parar lá. Enquanto ele acontece, parece tão real que você sente as mesmas dores, medos, alegrias, frustrações e desejos de quando está acordado. Ao mesmo tempo, há "algo" que lhe diz que não é verdadeiro. A cronologia é bagunçada. Você é capaz de feitos incríveis, como voar ou conquistar aquela pessoa que deseja. E quem nunca acordou assustado ao sonhar que estava caindo?
Todas estas situações, e muito mais, são usadas pelo diretor Christopher Nolan na criação de "A Origem". Nolan sempre gostou de desafios. Em "Memento" (2000) ele contou uma história ao contrário, com o filme partindo do final e indo para o começo. Em "Insônia" (2002) ele explorou a estranha investigação de um crime em um lugar em que nunca anoitecia. Em "O Grande Truque" (2006), a rivalidade entre dois mágicos é levada às últimas consequências. Nolan também foi o responsável pela volta do Homem Morcego nas versões sombrias de "Batman Begins" (2005) e "O Cavaleiro das Trevas" (2008). Seu enorme sucesso lhe permitiu produzir este roteiro ambicioso, de própria autoria, que lida com o mundo dos sonhos e do subconsciente.
Leonardo DiCaprio é Cobb, um especialista pago para invadir o sonho de pessoas para, através de manipulação ou intimidação, roubar informações. Seu próprio subconsciente carrega um problema, um trauma causado pela morte de sua esposa, Mal (Marion Cotillard), que invariavelmente acaba invadindo seus sonhos e atrapalhando a missão. Cobb não realiza as operações sozinho. Ele precisa da ajuda de outros especialistas, como uma "Arquiteta" (Ellen Page, a eterna "Juno"), responsável por criar o ambiente em que o sonho se passa. Há também o "Químico" (Dileep Rao), responsável por fazer a equipe dormir através de drogas de potências variadas. Há especialistas em se passar por outras no subconsciente da pessoa "invadida", e assim por diante. Há várias influências de "Matrix" (que já era um pastiche de várias fontes pop, como o livro "Neuromancer", de William Gibson) no roteiro. Mas "Matrix" influenciou mais na composição da equipe de DiCaprio do que propriamente no conceito de viver em uma realidade alternativa. Nolan poderia ter feito um filme voltado somente para o lado psicológico do ser humano, mas deve-se levar em conta seu lugar como diretor de filmes de massa, com a necessidade de entreter a parte da platéia que, lá pelo meio do filme, já não está entendendo mais nada.
Assim, pondo um pouco de lado e aceitando esse lado comercial do filme (que envolve perseguições e tiroteios, esperados em um filme de ação), o roteiro de Nolan é inteligente. Não contente em escrever uma história que se passa dentro do sonho de uma pessoa, "A Origem" mergulha em diversos níveis de sonho dentro de sonhos, cada um influenciado pelos acontecimentos do nível superior. Assim, como acontece na vida real, estímulos externos como movimentos bruscos ou ruídos afetam o que acontece no sonho, o que rende situações incríveis. Como se isso não bastasse, Nolan ainda usa o princípio de que, no sonho, o tempo parece passar mais devagar do que na vida real. Quem nunca cochilou por apenas cinco minutos e passou por um sonho que parece ter durado horas? Assim, o roteiro envia Cobb e sua equipe para dentro de diversos níveis de sonhos na mente de Robert Fischer (Cillian Murphy), herdeiro de um império empresarial que um rival (Ken Watanabe) quer destruir. Dentro de cada nível do subconsciente o tempo demora mais para passar, e todos devem ser sincronizados em um momento chave em que um acontecimento brusco pré-programado vai acordar os participantes e trazê-los de volta à realidade.
Há alguns detalhes que parecem ter sido criados para provocar o subconsciente do espectador. A música usada para acordar os "viajantes" é "Non, je ne regret rien" (Eu não me arrependo de nada), música de Edith Piaf que foi interpretada pela mesma Marion Cotillard que faz a esposa problemática de DiCaprio. O próprio DiCaprio interpretou um homem traumatizado pela morte da esposa em "Ilha do Medo", de Martin Scorsese. Coincidência? (Falando em música, deve-se lamentar a trilha sonora de Hans Zimmer, que toca sem parar por quase todo filme, que ganharia com um pouco mais de silêncio).
Crítica e público debatem a suposta genialidade de Christopher Nolan desde "Memento" e a balança, por enquanto, ainda pende para o lado do diretor. Seu maior problema é a tendência de querer explicar cada detalhe do que coloca na tela, em diálogos expositivos que soam artificiais demais. Nolan pode não ser um Kubrick (que também não era perfeito), mas na baixa criatividade e originalidade do cinema atual, sem dúvida ele está acima da média.
Um comentário:
“IN NOLAN WE TRUST!!!”
É incrível a capacidade do Nolan em transformar atores canastrões, em bons atores em seus filmes. A bola da vez é o Tom Hardy e o Cillian Murphy. Bacana ver o Tom Berenger de volta aos filmes da ação. Só discordo que o papel da Marion Cotillard não tem carisma. Com toda aquela beleza gelada, quem precisa de carisma ? A única coisa negativa, é a Ellen Page, muito sem sal. Mas o filme é 10 !!!
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