sábado, 10 de julho de 2010

Não, minha filha, você não irá dançar

Há duas fábulas contadas por personagens de "Não, minha filha, você não irá dançar" que lidam com mulheres que venderam a alma ao diabo. Uma explica o título original, e fala sobre uma mulher que não queria se casar e só gostava de dançar. Ela promete ao pai que se casaria com o homem que conseguisse dançar com ela por 12 horas seguidas. Vários pretendentes tentaram e morreram no processo, até que o próprio diabo apareceu para dançar. Na outra fábula, uma mulher vende a filha ao diabo por 14 moedas de ouro. Só que quando ela vai pegar as moedas, elas estavam tão quentes (por terem vindo do Inferno), que ela queimou as mãos e não pode usá-las. No novo filme de Christophe Honoré (exibido na Mostra Internacional de São Paulo em 2009 e em cartaz em Campinas no Cine Topázio), Chiara Mastroianni é Lena, mãe de dois filhos que um dia decide ser "livre", abandona o marido e foge com as crianças. Mas, como mostra uma cena no início do filme, ela não tem condições sequer de cuidar de um filhote de passarinho, quanto mais de um casal de crianças.

O filme é passado em uma daquelas charmosas casas de campo francesas, onde a família de Lena se reúne para um final de semana. Lá estão seu pai e mãe (Marie-Christine Barrault e Fred Ulysse), apaixonados depois de décadas de intimidade (e protagonistas de rara cena de sexo entre idosos) mas, como pais em todo mundo, um pouco intrometidos na vida dos filhos. Na casa também estão a irmã de Lena, Frédérique (Marina Foïs) que está grávida, e Gulven (Julien Honoré), o irmão "palhaço" de Lena, com a namorada. Chamar a família de Lena de "complicada" é redundante, embora, como diz a música do Titãs, as famílias nunca perdem essa mania, não importa a cultura a qual pertencem. Todos têm sugestões e planos para Lena. A mãe, em uma idéia ousada e que deixa Lena brava, também convida o ex-marido dela, Nigel (Jean-Marc Barr) para o final de semana, para ver os filhos.

A bela direção de fotografia e a interpretação dos atores é ótima, mas o roteiro (do próprio Honoré), extremamente ácido a sarcástico na relação entre os personagens, tem problemas. Lena é uma personagem que, apesar de bastante humana, está longe de ser simpática. Ela é paranóica, mimada e egoísta, e mesmo o amor que demonstra pelos filhos parece ser mais uma questão de superproteção do que algo verdadeiro. Honoré peca ao não focar a trama em Lena, deixando algumas questões em aberto ou criando dramas que não se desenvolvem. Por exemplo, no início do filme sabe-se que o pai de Lena está com um "problema neurológico" incurável, e em uma cena em Roma ele comenta o fato com a esposa. Mas nada mais se fala no assunto depois. A irmã Frédérique, a mais parecida com a mãe, começa o filme grávida e cheia de problemas psicológicos. O marido suspeita que ela o tenha traído. Na segunda parte do filme nada é dito sobre o filho que ela supostamente teve (ela não está mais grávida) e apesar de algumas conversas sobre um possível divórcio, nada realmente acontece. Há algumas soluções de roteiro muito fáceis, como uma explicação ao espectador dada pelo pai de Lena, no início do filme, basicamente falando para a câmera.

Chiara Mastroianni, que carrega uma herança incrivelmente cinematográfica (é filha de Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni) interpreta Lena muito bem. Sua personagem é vítima da complicada mistura entre o desejo de liberdade com a falta de responsabilidade de alguém que, no fundo, sempre teve tudo na vida.


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