domingo, 11 de julho de 2010

In Cold Blood - O livro e suas adaptações cinematográficas

O livro

"In Cold Blood - A True Account of a Multiple Murder and Its Consequences" escrito por Truman Capote, foi publicado pela primeira vez na revista The New Yorker, ao longo de quatro edições, em 1965, e em seguida na forma de livro. Apesar de não ter sido o primeiro do gênero "jornalismo literário", é certamente um marco. Exemplos anteriores podem ser vistos nos trabalhos do inglês Daniel Dafoe ou do brasileiro Euclides da Cunha (em "Os Sertões"). Capote, que tinha um ego tão grande quanto seu talento, no entanto, gostava de dizer que havia criado o gênero do "livro de não-ficção". Controvérsias à parte, o livro é realmente brilhante.

Em 15 de novembro de 1959, dois ladrões comuns, Richard Hickcock e Perry Smith entraram na casa de uma tradicional família metodista em Holcomb, Kansas, atrás de dinheiro. Hickcock achava que havia um cofre com 10 mil dólares no escritório de Herbert Clutter, o dono da casa, por causa de informações passadas por um ex-companheiro de cela, Floyd Wells. Quando Hickock e Smith descobriram que não havia dinheiro na casa, eles amarraram Clutter, sua esposa, seu filho e sua filha e, a sangue frio, deram um tiro de espingarda na cabeça de cada um. O dono da casa, além do tiro, teve a garganta cortada por Smith que, em sua confissão, depois, diria que achava que Clutter era um bom homem, até o momento em que cortou sua garganta.

Truman Capote leu uma nota a respeito do caso em 16 de novembro, no The New York Times, e foi investigar o caso. O que começou como um estudo sobre como o crime afetaria a vida de uma cidade pequena se transformou em um projeto que consumiu quase seis anos da vida de Capote e o levou a milhares de páginas de pesquisa e entrevistar centenas de pessoas, inclusive os dois assassinos, de quem se tornou confidente. O livro é dividido em quatro capítulos: 1- The Last to see Them Alive (Os últimos a vê-los com vida), 2- Persons Unknown (Pessoas desconhecidas), 3 - Answer (A Resposta) e 4 - The Corner (A forca). Usando de uma prosa fluente e detalhada, Capote começa por descrever a pequena vila de Holcomb, parte da cidade de Garden City, do distrito de Finney. Área agrícola, de produção de trigo e criação de gado, a população do povoado é formada pelo típico "caipira americano", religioso (de várias congregações protestantes), tradicional, com grandes famílias. Os Clutter são descritos de forma a torná-los humanos para o leitor e nos acostumar a seu modo de vida e rotina. Capote não os descreve simplesmente, mas recria diálogos e até os pensamentos das vítimas em seu último dia de vida. Há certa idealização na forma como os Clutter são descritos como exemplos de bons americanos e cidadãos ativos da comunidade. O patriarca Herb é daqueles americanos que se fizeram do nada, tranformando uma área de Kansas em uma terra fértil em que empregava até 18 pessoas com bons salários. A filha Nancy era aluna exemplar que ajudava as companheiras de escola com aulas de música e culinária. O filho Kennyon, de 15 anos, era alto como o pai, também aluno exemplar e com boas habilidades manuais. A mãe é mostrada como uma mulher depressiva, com problemas mentais que talvez tivessem origem física, devido a um problema na coluna, que estava agendada para ser operada. A típica família WASP (branca, anglo-saxã e protestante) americana.

Os assassinos, Hickock e Smith, vieram do outro espectro desta sociedade. Hickock também era o típico caipira, com 28 anos e o ensino médio, mas desiludido com o "sonho americano". Casou-se aos 16 anos, teve três filhos, se divorciou, casou-se de novo e foi preso por uma série de pequenos furtos e por passar cheques sem fundo. Perry Smith é um caso mais complicado. Descendente de índios, o pai e a mãe tinham um show de rodeio e levavam a família em uma vida nômade pelos Estados Unidos. Eles se separaram, a mãe levou os filhos para São Francisco, teve casos com vários homens e literalmente bebeu até morrer. O irmão mais velho de Perry matou a esposa por ciúmes e se matou em seguida. Uma irmã também se matou se jogando da janela de um prédio em São Francisco. A irmã sobrevivente foi a única a ter uma vida "normal", se casando e tentando se manter o mais longe possível do irmão mais novo. Perry Smith viajou com o pai para o Alaska, entrou para o exército, esteve no Japão e na Guerra da Coréia, antes de voltar aos Estados Unidos. Ficou quase aleijado em um acidente de moto e foi parar na prisão por roubo.

É impressionante o modo como Capote narra este encontro violento entre a vida ideal dos Clutter e estes dois párias da sociedade americana. Interessante também como ele consegue manter o suspense da narrativa, mesmo que saibamos, desde o princípio, o destino dos Clutter e quem os matou. Ele mantém a violenta descrição da noite do crime mais para o final do livro, de modo que o leitor fica ansioso para saber como crime foi cometido. O próprio Capote, curiosamente, é "invisível" durante o livro. Sabemos que ele estava presente a várias das cenas descritas e que foi testemunha dos diálogos, extremamente realistas, que "escutamos". Apesar do título de "história real", o livro gerou muita controvérsia sobre sua veracidade após a publicação. Este artigo da internet questiona até que ponto Capote não romanceou certas situações, misturou personagens ou mudou a cronologia para ajudar na narrativa. Por vezes, é verdade, é como se Capote estivesse dentro da cabeça dos personagens. Há também um tom homossexual subentendido na relação de Hickock e Smith (principalmente neste último), que não é explicitado pelo autor. De qualquer forma, tudo termina em 1965 quando, também de forma violenta, os dois condenados são enforcados na penitenciária de Kansas. Um deles, Hickock, levou vinte minutos para ser considerado morto pelo médico legista.

Os filmes

"In Cold Blood" ganhou uma versão cinematográfica em 1967, um ano após a publicação do livro. Dirigido por Richard Brooks, em preto e branco (com fotografia do mestre Conrad Hall), foi indicado a vários Oscars. Os atores Robert Blake e Scott Wilson interpretam Perry Smith e Dick Hickcock, e o filme é bastante fiel ao livro, com um estilo de câmera por vezes televisivo, com farto uso de lentes zoom e montagem criativa, ligando um plano ao próximo, por similaridade. A cena final, da execução de Perrry, seguida do título "In cold blood", letras brancas em fundo preto, dá a impressão de que o enforcamento, assim como os assassinatos, também foi feito "a sangue frio", em clara crítica à pena de morte. O filme está fora de catálogo no Brasil, mas pode ser encontrado para baixar pela internet.


Já "Capote", de 2005, dirigido por Bennet Miller, tira o foco dos assassinatos e o coloca na figura controversa do próprio escritor. Truman Capote já era uma figura conhecida por seus livros e seu envolvimento com Hollywood (ele havia escrito o roteiro de "O Diabo Riu por Último", de John Huston, com Humphrey Bogart, em 1953, e teve vários livros transformados em filme) quando foi investigar o caso Clutter. Homossexual, excêntrico, ele era um peixe fora d´água no povoado de Holcomb, onde foi pesquisar os crimes com sua amiga, a escritora Harper Lee (interpretada por Catherine Keener). Capote foi interpretado fielmente por Philip Seymour Hoffman, que se transformou para encarnar o escritor e foi premiado com o Oscar de Melhor Ator pelo trabalho. O filme mostra os bastidores da criação do livro e o envolvimento, por vezes perigoso, de Capote com os acontecimentos. Ele fica fascinado principalmente pela figura trágica de Perry Smith (Clifton Collins Jr), com quem se identifica. A situação se complica porque, por um lado, Capote quer ajudar Perry Smith a arrumar novos advogados e tentar reverter sua sentença. Por outro lado, ele não consegue terminar seu livro enquanto o Estado do Kansas não enforcar os condenados. A cada vez que a execução é adiada pela apelação dos advogados, Capote fica cada vez mais desesperado. Lendo o livro, é possível sentir a ansiedade do escritor no último capitulo, que lida com os longos cinco anos em que Hickock e Smith ficaram no corredor da morte. Capote, tão detalhado e descritivo durante o decorrer do livro, neste capítulo tem que recorrer a frases como "Dois anos se passaram", e assim por diante. No filme, é com sentimentos mistos que Capote finalmente assiste à execução de Perry e Hickock. A sensação de não ter feito mais por Perry assombra sua consciência. Mas há o alívio de poder finalmente terminar o livro e tentar esquecer todo o caso.
Truman Capote, o verdadeiro, morreu em 1984, aos 60 anos, de problemas no fígado.

Livro lido da edição da Penguin Classics, original em inglês, de 336 páginas. No Brasil, o livro "A Sangue Frio" é publicado pela Companhia das Letras, com tradução de Sérgio Flaksman, 440 páginas, e pode ser encontrado nas principais livrarias.


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